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A matéria escura não existe

Por Pavel Kroupa
Publicado no The Institute of Art and Ideas

O modelo cosmológico atual só funciona postulando a existência de matéria escura – uma substância que nunca foi detectada, mas que supostamente constitui 85% da matéria do universo. Mas um simples teste sugere que a matéria escura, de fato, não existe. Se existisse, esperaríamos que as galáxias mais leves orbitando as mais pesadas fossem desaceleradas por partículas de matéria escura, mas não detectamos tal desaceleração. Uma série de outros testes observacionais suportam essa conclusão: a matéria escura não está ali. As implicações disso são nada menos que uma revisão da teoria da gravitação de Einstein. O porquê da comunidade científica estar em negação da falsificação do modelo de matéria escura é uma questão que necessita de uma explicação tanto sociológica quanto filosófica, argumenta Pavel Kroupa.

Astrônomos e físicos entendem hoje o universo observável em termos de um modelo de universo em que a matéria normal que vemos ao nosso redor na forma de átomos constitui apenas 5% de toda a sua energia. Cerca de 20% é constituído de partículas exóticas de matéria escura e 75% é constituído da ainda mais exótica energia escura. O modelo de matéria escura (para cada grama de matéria normal há outros 25 gramas de matéria escura) tem aproximadamente 20 anos, mas a forte crença dentro da comunidade científica sobre sua existência remota 30 anos no passado.¹

E, apesar das várias buscas em todo o mundo por evidências de partículas de matéria escura, acontecendo há pelo menos 30 anos, nos terem deixado de mãos vazias, os cientistas estão cada vez mais convencidos que a matéria escura governa o universo. Essa matéria escura pode ser partículas “difusas” extremamente leves que se extendem por milhares de anos-luz, ou pode ser feita de partículas que são pesadas, como as “partículas massivas de interação fraca” (WIMPS), ou até mesmo de buracos negros que se formaram a partir de processos físicos exóticos durante o Big Bang. A teoria de matéria escura não faz nenhuma predição sobre o que as partículas devem ser ou o que se deve procurar, e assim um grande número de cientistas buscam por ela em laboratórios e experimentos bem abaixo da superfície, nas regiões polares ou no espaço, e em todos os países se tenta provar a existência de partículas de matéria escura e ganhar o Prêmio Nobel. Várias dezenas de milhões de dólares dos contribuentes estão sendo usados a cada ano nessa busca.

Mas há um teste simples que esses cientistas estão ignorando que já tem sido aplicado e nos diz que a matéria escura não existe. Esse teste remota a Subrahmanyan Chandrasekhar, que, em 1943, mostrou que um corpo massivo (e.g., uma galáxia anã) que se move através de um fundo de partículas de massa comparativamente baixa (por exemplo, partículas de matéria escura), irá desacelerar. Esse processo de “fricção dinâmica de Chandrasekhar” é excessivamente bem entendido. É o mesmo mecanismo físico pelo qual nossas naves espaciais são lançadas para os reinos distantes do sistema solar, passando primeiro perto de um planeta (e.g., Vênus) no sistema solar interno, que desacelera um pouco após o encontro, enquanto a sonda de massa comparativamente menor é lançada, e.g., para Plutão. Uma galáxia satélite lança grandes quantidades de partículas de matéria escura para regiões ainda mais distantes ao redor da galáxia primária e, assim, desacelera e afunda em direção à galáxia principal para mesclar-se a ela.

Com meus colaboradores e alunos, aplicamos à vários sistemas de galáxias observadas os cálculos de fricção dinâmica de Chandrasekhar que esperaríamos ver se a matéria escura existisse e, em todos os casos, verifica-se que a desaceleração não está no dados. Estudamos os movimentos das galáxias satélites ao redor de nossa Via Láctea a distâncias de cem mil anos-luz, os movimentos das galáxias a alguns milhões de anos-luz de distância umas das outras, e também verificamos a rapidez com que as barras das galáxias espirais giram, e nenhum desses sistemas mostra evidências de partículas de matéria escura. As galáxias se comportam como se estivessem nuas, ou seja, como se não possuíssem os enormes e maciços halos de partículas de matéria escura que a teoria prevê que estejam lá. Em vez de observar a desaceleração das galáxias através da fricção dinâmica de Chandrasekhar, observamos uma aceleração à medida que as galáxias caem uma em direção à outra. Isso é o mesmo quando duas estrelas caem uma em direção à outra em um aglomerado de estrelas. Elas ficam mais rápidas até se cruzarem e depois se afastam novamente. Estabelecemos isso em várias publicações de pesquisa científica na última década [e.g., 1,2]. As implicações dessas descobertas são que os modelos de universo baseados em matéria escura não são descrições válidas do universo real. Sem matéria escura, o modelo cosmológico atual se desfaz. Como o modelo se baseia na gravitação einsteiniana para ser válido, isso também significa que precisamos encontrar uma teoria diferente da gravitação. Mas isso mudaria toda a dinâmica do universo, sua taxa de expansão e com a matéria escura sendo rigorosamente falseada para existir, também não faz sentido considerar a energia escura como relevante.

As implicações para a física teórica são imensas e, portanto, é necessário verificar duas, três ou quatro vezes se a falsificação da matéria escura está realmente correta. De fato, os modelos de matéria escura de formação e evolução de galáxias já foram falseadas em 2012 [3]. Uma razão particularmente forte para rejeitar os modelos de matéria escura é através da constatação de que as galáxias satélites normalmente orbitam suas galáxias primárias em vastos discos de satélites, assim como os planetas orbitam o Sol em um plano, enquanto de acordo com os modelos de matéria escura, elas deve estar orbitando em todas as direções possíveis [4,5].

Portanto, os testes mais recentes mencionados acima apenas confirmam a rejeição dos modelos de matéria escura, com uma confiança esmagadora. Ainda assim, para ter total e completa certeza de que os modelos baseados em matéria escura não levam em conta o universo real, mais testes foram feitos. Isso é necessário, porque também a comunidade de pesquisa tem ignorado amplamente essas falsificações, concedendo a si mesma muitos prêmios importantes de pesquisa sobre o trabalho com a matéria escura e até tentando ativamente desencorajar os jovens pesquisadores a acompanhar as implicações, enquanto ao mesmo tempo as propostas de dinheiro para pesquisa para estudar a alternativa de maior sucesso, a gravitação Milgromiana (MOND), estão sendo amplamente rejeitadas.

Três outros testes muito importantes de modelos baseados em matéria escura foram publicados recentemente:

(A) Um teste depende da rapidez com que um universo cheio de matéria escura pode formar aglomerados extremamente massivos de galáxias que também penetram umas nas outras. O aglomerado de galáxias de El Gordo é imensamente pesado, pesando mil vezes a massa da Via Láctea e Andrômeda juntas. Este aglomerado é, na verdade, composto de dois desses aglomerados que se formaram e atravessaram um ao outro em uma época em que o universo tinha apenas metade de sua idade atual. Acontece que os modelos baseados em matéria escura não podem, sob nenhuma circunstância, formar aglomerados tão massivos e também tê-los caindo uns nos outros naquela época, falsificando rigorosamente os modelos baseados em matéria escura [6].

(B) Os astrônomos também descobriram que o universo local se expande mais rapidamente do que o universo distante. Esse problema, conhecido como “tensão de Hubble”, desencadeou várias simultâneas conferências e textos extremamente longos escritos por centenas de cientistas nos quais todas as soluções possíveis estão sendo discutidas e explicadas. Modelos muito exóticos baseados em matéria escura estão sendo desenvolvidos, com processos adicionais sendo especulados para atuar na matéria escura (por exemplo, a matéria escura pode estar decaindo, pode haver fótons escuros) ou que a energia escura tem algum comportamento de tempo complexo ou múltiplas formas escuras. Impressionante é que esta vasta comunidade de especialistas, que inclui ou é dirigida por cientistas premiados, está ignorando inteiramente a solução óbvia para a tensão de Hubble: estamos em uma região que abrange mais de 1 bilhão de anos-luz e contém menos galáxias em cerca de um fator de dois do que deveria existir. As galáxias neste vazio caem para os lados (como maçãs caindo no chão), e é por isso que observamos um universo local em expansão aparentemente mais rápido. Enquanto esse “KBC void” (buraco local) naturalmente explica a tensão de Hubble, o KBC void é totalmente incompatível com os modelos baseados em matéria escura, porque estes constituem um modelo de universo que é homogêneo e isotrópico em escalas maiores que algumas dezenas de milhões de anos-luz [7].

(C) Um outro teste de modelos de matéria escura é comparar a espessura das galáxias com aquelas observadas no universo real, em que mais de 90% de todas as galáxias são do tipo espirais muito finas, ou discos. Nos modelos de matéria escura, as galáxias crescem ao longo do tempo principalmente pela fusão com outras galáxias. Essas colisões de galáxias normalmente destroem os discos finos. Nossa sofisticada  análise de milhares de galáxias observadas mostra que os modelos baseados em matéria escura são totalmente incompatíveis com o universo real, pois o modelo produz galáxias que são tipicamente muito arredondadas em comparação com as numerosas galáxias de disco fino no universo real [8]. Outros problemas entre o universo real e os modelos de matéria escura incluem galáxias massivas que foram observadas em um tempo remoto em que elas ainda não deveriam existir [9], observações modernas que nos dizem que há poeira entre galáxias que desafia a interpretação do fundo cósmico de microondas como sendo a fotosfera do Big Bang quente [10] e que o fundo cósmico de microondas tem características incompatíveis com uma origem inflacionária, sugerem que o universo está estruturado em todas as escalas [11] (como um fractal talvez) de tal forma que pode ser entendido em termos de emissão de poeira ao invés de um Big Bang quente.

Três implicações surgem da passagem acima:

a) A teoria cosmológica moderna está totalmente errada e precisamos desenvolver uma nova teoria baseada em MOND. MOND é uma moderna teoria não-relativística da gravitação que estende a de Newton, incorporando dados de galáxias que não estavam disponíveis para Newton nem para Einstein, os quais tiveram que basear suas deduções em dados limitados apenas ao sistema solar. Todas as previsões feitas 40 anos atrás por Mordehai Milgrom nos artigos de fundação (“foundation papers”) [12,13,14] foram verificadas, e em Praga e Bonn nós (com Nils Wittenburg e Nick Samaras) estamos agora realizando os primeiros cálculos cosmológicos completos com formação de estrelas em um universo MOND. MOND vem de uma simples simetria de escala do espaço-tempo [15] e pode ser uma consequência do vácuo quântico [16], abrindo um caminho possível para unificar a gravitação com a física de partículas do modelo padrão. Uma grande revisão recente para leitura mais aprofundada acaba de ser publicada [17].

(b) Precisamos entender cientificamente por que o modelo baseado na matéria escura, sendo a teoria física mais falseada da história da humanidade, continua a ser religiosamente aceita pela grande maioria dos cientistas modernos e altamente educados. Este é um problema para as ciências sociológicas e filosóficas e sugere um colapso do método científico [18].

(c) Qual é a papel da fixação moderna em prêmios em dinheiro e recompensas na estagnação sem paralelo da física? O homo-cosmologicus moderno quer apenas prêmios e recompensas ao invés de avançar nossa compreensão do cosmos físico?

Nota do tradutor

¹ A matéria escura foi proposta pela primeira vez em 1933 pelo físico suíço-americano Fritz Zwicky, por meio do teorema do virial, entretanto, a comunidade física não o levou muito a sério até poucas décadas atrás.

Referências

[1] “Galaxies as simple dynamical systems: observational data disfavor dark matter and stochastic star formation” Kroupa, P., 2015CaJPh..93..169K

[2] “Fast galaxy bars continue to challenge standard cosmology” Roshan, M. et al., 2021MNRAS.508..926R

[3] “The Dark Matter Crisis: Falsification of the Current Standard Model of Cosmology” Kroupa, P., 2012PASA…29..395K

[4] “Phase-Space Correlations among Systems of Satellite Galaxies” Pawlowski, M., 2021Galax…9…66P

[5] “Are Disks of Satellites Comprised of Tidal Dwarf Galaxies?” Bilek, M., et al., 2021Galax…9..100B

[6] “A massive blow for ΛCDM – the high redshift, mass, and collision velocity of the interacting galaxy cluster El Gordo contradicts concordance cosmology” Asencio, E. et al., 2021MNRAS.500.5249A

[7] “The KBC void and Hubble tension contradict ΛCDM on a Gpc scale – Milgromian dynamics as a possible solution” Haslbauer, M. et al., 2020MNRAS.499.2845H

[8] “The High Fraction of Thin Disk Galaxies Continues to Challenge ΛCDM Cosmology” Haslbauer, M., et al., 2022ApJ…925..183H

[9] “The Impossibly Early Galaxy Problem” Steinhardt, C.L., et al., 2016ApJ…824…21S

[10] “Universe opacity and CMB” Vavrycuk, V., 2018MNRAS.478..283V

[11] “CMB anomalies after Planck” Schwarz, D., et al., 2016CQGra..33r4001S

[12] “A modification of the Newtonian dynamics as a possible alternative to the hidden mass hypothesis.” Milgrom, M., 1983ApJ…270..365M

[13] “A modification of the Newtonian dynamics – Implications for galaxies.” Milgrom, M., 1983ApJ…270..371M

[14] “A modification of the newtonian dynamics : implications for galaxy systems.” Milgrom, M., 1983ApJ…270..384M

[15] “The Mond Limit from Spacetime Scale Invariance” Milgrom, M., 2009ApJ…698.1630M

[16] “The modified dynamics as a vacuum effect” Milgrom, M., 1999PhLA..253..273M

[17] “From Galactic Bars to the Hubble Tension: Weighing Up the Astrophysical Evidence for Milgromian Gravity” Banik, I. and Zhao, H.S., 2022Symm…14.1331B

[18] “A Philosophical Approach to MOND: Assessing the Milgromian Research Program in Cosmology” Merritt, D., 2020, Cambridge University Press, ISBN: 9781108492690, 2020

Jhordan Santiago

Jhordan Santiago

Graduando em física pela UFCG.