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A moda de matar a filosofia

Atualmente, parece estar na moda afirmar que a filosofia está morta. Normalmente, somos informados de que isso é verdade, porque a ciência tem excluído a filosofia de seu campo de estudo. A ciência, segundo nos dizem, ocupa-se de perguntas que foram levantadas por filósofos há séculos e que não foram capazes de respondê-las, mas que agora são a partir de sólidas teorias científicas baseadas nas melhores evidências, produzindo previsões sobre os fenômenos da natureza e refutando posturas filosóficas.

Afirmações desse tipo deveriam soar ridículo para qualquer pessoa com um nível básico de cultura científica, [1] a verdade é que o “complexo antifilosofia” [2] se estende cada vez mais entre os círculos de amantes da divulgação científica. Enquanto mal leem trabalhos como os de Alan Sökal ou Steven Weinberg (com contribuições valiosas para a filosofia, em especial para a epistemologia), conhecem  bastante cientistas com grande prestígio, tais como Stephen Hawking, Lawrence Krauss,  Francis Crick, E. O. Willson e Neil deGrasse Tyson. Assim, acabam assegurando-se com tanta confiança de que a filosofia é inútil, é não-científica e/ou que está definitivamente morta, que disciplinas filosóficas – tais como ética, epistemologia e estética – em breve, deixarão de ser do domínio de filósofos para que se convertam em ciência pura.

Essa postura é conhecida como cientificismo extremo, uma posição (filosófica) que nos diz que não só a ciência é a melhor ferramenta para produzir conhecimento, mas também é a única a produzir conhecimento confiável, mesmo quando se trata de abordar questões não-científicas. A partir disso, o filósofo Massimo Pigliucci tem falado em várias ocasiões, lançando críticas mortais ao cientificismo extremo (por exemplo, aqui).

Pensamos sobre o estado e a importância atual que a filosofia contribui para as reflexões e controvérsias de uma disciplina filosófica conhecida como Metafilosofia (ou filosofia da filosofia). Nesse caso, com o motivo de enriquecer a reflexão e estimular (mais uma vez) o debate racional e tolerante, segue um texto de Mario Bunge intitulado “Morte da Filosofia”, que é o b do conceito de “morte” no Dicionário de Filosofia:

“Tornou-se moda afirmar que a filosofia não está doente, mas morta de uma vez por todas. Essa visão remonta a Comte e Wittgenstein. Ele disse que a ciência suplanta filosofia, e essa filosofia é uma doença linguística que deve ser tratada com a terapia linguística. No entanto, a investigação científica inclui vários conceitos filosóficos (como a lei e a verdade) e os princípios (como a realidade e cognoscibilidade do mundo) que não são examinados em nenhuma ciência especial. E a filosofia da linguagem – indiferente como é o conhecimento profundo – se abstém de abordar problemas filosóficos importantes, como consequência do qual não há proposto nenhuma teoria filosofica (sistema hipotético-dedutivo). Quem sinceramente acredita que a filosofia está morta, e, em particular, que ela está acabada para o filósofo, tem o dever moral de permanecer em silêncio. Se, no entanto, um não crer na morte da filosofia, ou crer que ela está em má forma, mas ainda pode ser salva, deve fazer algo para curá-la. E a única coisa boa que pode ser feita de boa fé para contribuir para a recuperação da filosofia, é fazer filosofia séria e interessante. Em quem devemos acreditar: no coveiro ou no construtor? É preferível o último, porque há incontáveis problemas filosóficos para resolver. Quase todas as entradas neste dicionário levantam alguns problemas. Portanto, o anúncio da morte da filosofia tem sido prematura. É provável que existirão investigações filosóficas que permanecerão como problemas filosóficos sem solução. E existirão esses problemas enquanto existir pessoas interessadas nos aspectos mais gerais da realidade e do nosso conhecimento e controle do mesmo. Escrever sobre a morte da filosofia é um sinal de impotência para abordar alguns dos muitos problemas filosóficos abertos. No entanto, a suposta morte parece ter se convertido em uma indústria. Todavia, isso não significa que a filosofia goze de boa saúde: nada poderia estar mais longe da verdade. A filosofia atual mostra sérios sintomas de estagnação e até mesmo decadência.”

Referências:

[1] São risíveis por serem absurdas. A filosofia e a ciência não estão em concorrência para o seu campo de estudo, mas, pelo contrário, é graças a um conjunto de pressupostos filosóficos que a ciência tem um fundo que lhe ajuda na investigação, centrado-se em problemas reais, buscando explicações naturais e testáveis (contrastáveis), em vez de atribuir forças místicas a seres sobrenaturais. Outro ponto importante é que, enquanto a ciência se ocupa com a produção de conhecimento sobre o universo (e, portanto, nós mesmos), a filosofia da ciência (neste caso) se ocupa de estudar os princípios filosóficos que fazem a investigação científica ser possível e bem sucedida, além de abordar os problemas filosóficos decorrentes de tal atividade.

[2] Termo criado por Massimo Pigliucci para se referir de forma irônica aos ataques de alguns cientistas, como Lawrence Krauss, a filosofia. Se cientistas, como Krauss, tivessem direito a especular que os filósofos se sentem ameaçados pelo avanço da ciência (e, portanto, o fim dos “domínios da filosofia”), então Pigliucci não encontraria nenhuma razão para criar a sua própria especulação divertida e sem sentido (como a de Krauss): o complexo de antifilosofia, um transtorno derivado do complexo de Édipo freudiano, parece que atingiu vários cientistas e divulgadores atuais (algo bastante raro a aproximadamente meio século atrás, quando eminentes cientistas, tais como Albert Einstein, Erwin Schrödinger, Ernst Mayr, Bertrand Russell, Max Born, Carl Sagan, etc, tinham um grau de interesse em problemas filosóficos da ciência). O complexo, Pigliucci explica, é que, uma vez que a filosofia é a mãe da ciência, os cientistas têm uma espécie de aversão com sua mãe e por isso o atacam sem conhecê-la profundamente, e tudo sem saber que eles estão reprimindo seu amor por ela (uma vez que muitos destes complexos, também têm valiosas contribuições para a filosofia da ciência).

Daniel Galarza Santiago

Daniel Galarza Santiago

Estudiante de licenciatura en filosofía, originario de Jalisco, México. Es creador del blog El Escéptico de Jalisco donde publica de forma periodica artículos sobre pensamiento crítico, filosofía de la ciencia, ateísmo y denuncia de las seudociencias. Es también un usuario activo participante en foros y blogs dedicados a la promoción de la ciencia y el pensamiento crítico.