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A Partícula Ai-Meu-Deus: um dos maiores mistérios do universo ainda não resolvidos

Você já ouviu falar da partícula “Ai-Meu-Deus”? Sim, ela existe(iu), e não é o Bóson de Higgs: foi um raio cósmico (neste caso, um próton) detectado em 1991 que possuía uma quantidade de energia cinética considerada impossível, 6,25 vezes maior do que o limite teórico do que seria possível para um raio cósmico composto de um próton de origem extragaláctica, o limite GZK. Isto representa mais de 42 milhões de vezes a energia de partículas produzidas no LHC, CERN. É talvez o mais rápido objeto com massa já registrado, tendo como competidor o neutrino.

Ela foi detectada com o uso de um fenômeno da natureza que ocorre quando algo viaja em um meio acima da velocidade da luz (o que não é novidade), o efeito Cherenkov. Se você não faz a mínima ideia do que eu estou falando, eu tenho quase certeza que você conhece esse efeito, só não sabe como ele funciona! Dica: Ele é responsável pelo “brilho” emitido pelo bastão de material radioativo que Homer Simpson está segurando abaixo:

Visualização do efeito Cherenkov em uma barra de material radioativo, ilustrado em Os Simpsons.

Esta é uma das histórias mais sensacionais de toda a física, pouco documentada em língua portuguesa. Para uma visão geral dessa história, assista a esse documentário, em português, sobre esta partícula, feito em julho de 2016. Após isso, continue no texto para discutirmos o que houve de avanços desse quebra-cabeças até hoje:

Obs.: O vídeo possui alguns erros e imprecisões, sendo algumas:

  • Hess usou eletroscópios e não contadores Geiger (que não existiam em 1912);
  • Quem cunhou o termo e batizou os “raios cósmicos” foi Millikan;
  • Cientistas comumente consideram como sendo “Raios Cósmicos” essas partículas que vem de todos os lugares MENOS o Sol, então não seriam eles os causadores das Auroras Boreais e Austrais. Portanto, o que causa as Auroras é o vento solar e sua interação com o campo magnético terrestre. É da mesma natureza dos raios cósmicos, só que vem do Sol e geralmente não chega a energias absurdas.
  • A rigor, o efeito Cherenkov ocorre quando algo viaja acima da fase da velocidade da luz, que eu decidi simplificar no vídeo, mas se quiser ir mais fundo, leia este texto em inglês ou assista a esse vídeo em inglês.

O que há de novo

Até o presente momento, ainda não há uma explicação “convincente” para este fenômeno. A Partícula Ai-Meu-Deus foi o mais chocante evento, mas não foi o único, portanto, caso a solução do problema estivesse em um erro de equipamento, o mistério continuaria, só que menos chocante do que ele é. Este fenômeno recebe o nome de “raios cósmicos de extremas energias”, que são os raios cósmicos detectados com energias acima do limite GZK, os chamados trans-GZK. O porquê de alguns raios cósmicos possuírem energias teoricamente muito altas, dado que não há possíveis fontes dos mesmos próximos da Terra e que raios cósmicos provenientes de fontes distantes deveriam ter dissipado sua energia interagindo com a radiação cósmica de fundo ainda é um problema não resolvido da física. No entanto, os pesquisadores encontraram mais pistas que podem nos ajudar a resolver este problema:

Primeiramente, em artigo publicado na Science¹ em setembro de 2017, após a análise de 12 anos de dados do Observatório Pierre Auger, os cientistas concluíram que uma fonte extragaláctica (ou seja, de fora da Via Láctea) melhor explica o fenômeno dos raios cósmicos de energias ultra-altas (UHECR). Em artigo publicado na MNRAS² em abril de 2018, cientistas apontaram que deve existir uma fonte de raios cósmicos de ultra-alta energia não longe da direção de Messier 82, uma galáxia que vemos junto a constelação de Ursa Maior. Lembrando que energias “ultra-altas” correspondem a energias maiores que algo em torno de 0,16 J, o limite teórico para a energia cinética nos termos previamente mencionados é de 8 J, raios cósmicos com energias que excedam tal limite são UHECR chamados de extremas energias, os trans-GZK.

Raios cósmicos de extremas energias (EECR), que também são UHECR só que de energias ainda mais gritantes, só devem poder ser produzidos nos fenômenos mais violentos do universo, como por exemplo em um núcleo ativo de uma galáxia (AGN). Entender o que de fato pode causar raios cósmicos trans-GZK pode nos ajudar a compreender melhor coisas como a formação de buracos negros supermassivos (SMBH), de galáxias, a relação entre esses dois e até mesmo a origem do universo. Este problema já está em debate há mais de 50 anos.

Referências

  1. Pierre Auger Collaboration, Aab, A., Abreu, P., et al. 2017, Science, 357, 1266
  2. Attallah R., Bouchachi D., 2018, MNRAS, 951

Extras

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