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A pseudociência da meditação transcendental

Por Steven Novella
Publicado na Neurologica

É divertido encontrar um exemplo tão maravilhoso de pura pseudociência. Vamos desconstruir o seguinte artigo: “Field Effects of Consciousness and Reduction in U.S. Urban Murder Rates: Evaluation of a Prospective Quasi-Experiment” (“Efeitos do campo da consciência e redução nas taxas de homicídio urbano nos EUA: avaliação de um quase-experimento em perspectiva”, na tradução livre). Esse estudo vem da Universidade Internacional Maharishi.

A ideia aqui (que, sejamos claros, é um princípio da fé religiosa, não uma teoria científica) é que a consciência é um campo e que existe um campo universal de consciência do qual todos fazemos parte. Quando os indivíduos se envolvem na meditação transcendental (MT), eles não estão apenas afetando sua própria consciência, eles estão afetando todo o campo.

O objetivo desse e de outros estudos similares de MT é confirmar a crença (eles não estão testando a crença) de que se um número suficiente de pessoas colocar boas vibrações no campo universal da consciência, a sociedade em geral se beneficiará. Quantas pessoas serão necessárias? Bem, aparentemente eles têm uma resposta para isso. É a raiz quadrada de 1% da população. Por quê? Porque é matemática!

Esse é um excelente exemplo de pseudociência, tendo a fantasia da ciência sem a verdadeira essência da ciência. Olha, eles usam números e tudo mais. Aparentemente, não há uma relação dose-efeito, há um efeito de limiar e, quando você ultrapassa o limiar mágico, o efeito é ativado. Esse limiar tem uma fórmula matemática simples, a raiz quadrada de 1%. Não há uma razão teórica estabelecida para isso, mas parece bom, tendo mais em comum com um ritual mágico do que com um processo científico.

Isso é o que eles afirmam ter feito no experimento: rastrear a taxa de homicídios nas 206 maiores cidades dos Estados Unidos onde as estatísticas de homicídios do FBI estavam disponíveis. Então, eles compararam o período de referência de 2002-2006 com o período de intervenção de 2007-2010. O período de intervenção foi quando o grupo de “Meditação Transcendental do programa de MT-Sidhis excedeu 1.725 participantes a partir de janeiro de 2007”. Em seguida, eles afirmaram que as taxas de homicídio estavam aumentando e quando o participante nº 1725 (porque 1724 não era suficiente) se inscreveu, a taxa começou a cair.

O que é realmente engraçado são as bobagens frequencistas flagrantes que eles falam no comunicado de imprensa. Eles afirmam:

“Eles calcularam que a probabilidade de que a tendência reduzida nas taxas de homicídio pudesse ser simplesmente devido ao acaso era de 1 em 10 milhões de milhões”.

Então, eles acharam que a probabilidade de que a taxa de homicídios diminuiu de 2007 a 2010 foi de uma em um trilhão. Certo…

Esse estudo só faltou escrever p-hacking na testa e assumir a causalidade de correlação. Os autores devem dar uma olhada no site de correlações espúrias. Existem inúmeras tendências em qualquer variável que você queira observar na sociedade, e você poderá encontrar inúmeras correlações se pesquisar. Isso não significa que haja uma relação causal.

Se você olhar as estatísticas do FBI, tem havido uma tendência geral de queda nos homicídios desde 1991. Como todas as tendências de longo prazo, é provável que haja altos e baixos em períodos mais curtos. A tendência se estabilizou um pouco no início dos anos 2000 e, em seguida, retomou a tendência de queda anterior.

Não há consenso sobre o que está causando essa tendência de queda nos crimes e homicídios nos últimos 25 anos. Nenhum fator social explica a tendência. É por isso que também é risível que os autores do estudo afirmem que nenhum outro fator explica a queda nos homicídios durante o período de estudo, como se isso corroborasse sua hipótese de MT.

Esse estudo – como diversos outros semelhantes apregoados pelos autores – é totalmente inútil. Eles estão simplesmente recebendo o crédito pelas tendências gerais da sociedade. A MT existe desde 1950 e se tornou popular nos Estados Unidos na década de 1970. Apesar da popularidade da MT, a década de 1970 foi o início de um aumento histórico de duas décadas nas taxas de crime e homicídio. Eles também deveriam levar o crédito por isso.

É interessante que os autores chamem seu estudo de “quase-experimento”, o que é uma espécie de admissão de que não é um experimento real. Não há controle real. Eles não podem controlar quantas pessoas estão praticando a MT a qualquer momento (então, como eles sabem que seu número mágico 1.725 é confiável). Isso é como estudos de oração – como você sabe que pessoas que não fazem parte do estudo não estão orando pelo sujeito?

Além disso, como eles definem “sociedade”? O Canadá conta? O campo da consciência universal obedece às fronteiras políticas? Devem incluir a população do Canadá em sua raiz quadrada de cálculo de 1% ou incluir estatísticas de crimes canadenses (que não seguiram a mesma tendência)? E o México? O idioma é importante? Talvez eles possam usar o leste e o oeste do Mississippi como forma de controle. Ou que tal eles irem de estado por estado?

Esse é o problema de estudar magia. Não existem regras reais. Isso eleva o p-hacking a um novo nível, porque você pode criar arbitrariamente quaisquer variáveis ​​ou limites que desejar. Essencialmente, tudo o que eles estão fazendo nesse e em outros estudos que promovem é escolher tendências favoráveis.

Em seguida, eles fazem estatísticas frequencistas inúteis para fingir que o resultado é “estatisticamente significativo”, mas estão analisando os números como se fosse um experimento limpo e não apenas observando as tendências sociais. Em última análise, os números não significam nada, porque não existe um grupo de controle real.

Aplicar números à magia não a torna ciência.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.