Traduzido por Julio Batista
Original de Nathan Garland e Matthew Hole para a The Conversation
Nossa sociedade enfrenta o grande desafio de fornecer meios sustentáveis, seguros e acessíveis de geração de energia enquanto tenta reduzir as emissões de dióxido de carbono a zero por volta de 2050.
Até o momento, os desenvolvimentos na energia de fusão, que potencialmente atendem a todos esses requisitos, foram financiados quase exclusivamente pelo setor público. No entanto, algo está mudando.
O investimento em patrimônio privado na indústria global de fusão mais que dobrou em apenas um ano – de US$ 2,1 bilhões em 2021 para US$ 4,7 bilhões em 2022, de acordo com uma pesquisa da Associação da Indústria de Fusão.
Então, o que está impulsionando essa mudança recente? Há muito o que se animar.
Antes de explorarmos isso, vamos recapitular o que é a energia de fusão.
Juntando átomos
A fusão funciona da mesma forma que o nosso Sol, fundindo dois átomos de hidrogênio pesados sob calor e pressão extremos para liberar grandes quantidades de energia.
É o oposto do processo de fissão usado pelas usinas nucleares, no qual os átomos são divididos para liberar grandes quantidades de energia.
Sustentar a fusão nuclear em escala tem o potencial de produzir uma fonte de energia segura, limpa e quase inesgotável.
Nosso Sol sustenta a fusão em seu núcleo com um plasma de partículas carregadas a cerca de 15 milhões de graus Celsius. Na Terra, estamos tendo progresso com centenas de milhões de graus Celsius, porque não temos a enorme massa do Sol comprimindo o combustível para nós.
Cientistas e engenheiros elaboraram vários projetos de como poderíamos conseguir isso, mas a maioria dos reatores de fusão usa fortes campos magnéticos para “engarrafar” e confinar o plasma quente.
Geralmente, o principal desafio a superar em nosso caminho para a energia de fusão comercial é fornecer ambientes que possam conter o plasma ultra-aquecido necessário para produzir uma reação de fusão autossustentável, produzindo mais energia do que o necessário para fazê-la funcionar.
Unindo o público e o privado
O desenvolvimento da fusão tem progredido desde a década de 1950. A maior parte foi impulsionada pelo financiamento do governo para a ciência fundamental.
Agora, um número crescente de empresas privadas de fusão em todo o mundo está avançando em direção à energia de fusão comercial. Uma mudança nas atitudes do governo tem sido crucial para isso.
Os governos dos EUA e do Reino Unido estão promovendo parcerias público-privadas para complementar seus programas de pesquisa estratégica.
Por exemplo, a Casa Branca anunciou recentemente que desenvolveria uma “meta decenal ousada para a energia de fusão comercial“.
No Reino Unido, o governo tem investido em um programa que visa conectar um gerador de fusão à rede elétrica nacional.
A tecnologia também avançou
Além dos recursos público-privados, as tecnologias de que precisamos para usinas de fusão surgiram aos trancos e barrancos.
Em 2021, cientistas do MIT e Commonwealth Fusion Systems desenvolveram um ímã quebrador de recordes que lhes permitirá construir um dispositivo de fusão compacto chamado SPARC “que é substancialmente menor, de custo mais baixo e opera em um cronograma mais rápido”.
Nos últimos anos, vários experimentos de fusão também atingiram o importante marco de sustentar temperaturas de plasma de 100 milhões de graus Celsius ou mais.
Isso inclui o experimento EAST na China, o principal experimento coreano KSTAR e a empresa britânica Tokamak Energy.
Esses feitos incríveis demonstram uma capacidade sem precedentes de replicar as condições encontradas dentro do nosso Sol e manter o plasma extremamente quente preso por tempo suficiente para estimular a fusão.
Em fevereiro, o Joint European Torus – o tokamak operacional mais poderoso do mundo anunciou o confinamento de energia em um recorde mundial.
E a próxima etapa do experimento de energia de fusão para demonstrar o ganho líquido de energia, ITER, está em construção na França e agora cerca de 80% concluído.
Os ímãs também não são o único caminho para a fusão. Em novembro de 2021, o National Ignition Facility no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, EUA alcançou um passo histórico para a fusão por confinamento inercial.
Ao focar quase 200 lasers poderosos para confinar e comprimir um alvo do tamanho de uma borracha de lápis, eles produziram um pequeno “ponto quente” de fusão, gerando energia de fusão em um curto período de tempo.
Na Austrália, uma empresa chamada HB11 está desenvolvendo tecnologia de fusão de próton-boro por meio de uma combinação de lasers de alta potência e campos magnéticos.
Fusão e energias renováveis podem andar de mãos dadas
É crucial que o investimento na fusão não seja feito à custa de outras formas de energia renovável e da transição para se distanciar dos combustíveis fósseis.
Podemos nos dar ao luxo de expandir a adoção da atual tecnologia de energia renovável, como solar, eólica e hidrelétrica, ao mesmo tempo em que desenvolvemos soluções de próxima geração para produção de eletricidade.
Essa estratégia exata foi delineada recentemente pelos Estados Unidos em sua Iniciativa Net-Zero Game Changers. Neste plano, o investimento de recursos será direcionado para o desenvolvimento de um caminho para a descarbonização rápida em paralelo com o desenvolvimento comercial da fusão.
A história nos mostra que progressos científicos e de engenharia incríveis são possíveis quando trabalhamos juntos com os recursos certos – o rápido desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19 é apenas um exemplo recente.
Está claro que muitos cientistas, engenheiros e agora governos e investidores privados (e até estilistas) decidiram que a energia de fusão é uma solução que vale a pena perseguir, não um sonho. No momento, é a melhor chance que já tivemos de tornar o poder de fusão uma realidade viável.