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A Terra quase perdeu todo o oxigênio e poderia ter sufocado 2,3 bilhões de anos atrás

Traduzido por Julio Batista
Original de Stephanie Pappas para o Live Science

A transição da Terra para hospedar permanentemente uma atmosfera oxigenada foi um processo hesitante que levou 100 milhões de anos a mais do que se acreditava anteriormente, de acordo com um novo estudo.

Quando a Terra se formou há 4,5 bilhões de anos, a atmosfera quase não continha  oxigênio. Mas, 2,43 bilhões de anos atrás, algo aconteceu: os níveis de oxigênio começaram a subir e depois cair, acompanhados por grandes mudanças no clima, incluindo várias glaciações que podem ter coberto o globo inteiro de gelo.

Assinaturas químicas presas nas rochas que se formaram durante essa era sugeriam que, há 2,32 bilhões de anos, o oxigênio era uma característica permanente da atmosfera do planeta.

Mas um novo estudo investigando a era posterior descobriu que os níveis de oxigênio ainda oscilavam para cima e para baixo até 2,22 bilhões de anos atrás, quando o planeta finalmente atingiu um ponto de inflexão permanente.

Esta nova pesquisa, publicada na revista Nature em 29 de março, estende a duração do que os cientistas chamam de Grande Evento de Oxigenação em 100 milhões de anos. Também pode confirmar a ligação entre a oxigenação e as grandes oscilações climáticas.

“Só agora começamos a ver a complexidade deste evento”, disse o coautor do estudo, Andrey Bekker, geólogo da Universidade da Califórnia, em Riverside (EUA).

Estabelecendo o oxigênio

O oxigênio gerado no Grande Evento de Oxigenação foi criado por cianobactérias marinhas, um tipo de bactéria que produz energia por meio da fotossíntese. O principal subproduto da fotossíntese é o oxigênio, e as primeiras cianobactérias eventualmente produziram oxigênio suficiente para mudar o planeta para sempre.

A assinatura dessa mudança é visível nas rochas sedimentares marinhas. Em uma atmosfera sem oxigênio, essas rochas contêm certos tipos de isótopos de enxofre. (Isótopos são elementos com número variável de nêutrons em seus núcleos.) Quando o oxigênio aumenta, esses isótopos de enxofre desaparecem porque as reações químicas que os criam não ocorrem na presença de oxigênio.

Bekker e seus colegas há muito anos estudam o aparecimento e o desaparecimento desses sinais de isótopos de enxofre. Eles e outros pesquisadores notaram que a ascensão e queda de oxigênio na atmosfera pareciam acompanhar três glaciações globais que ocorreram entre 2,5 bilhões e 2,2 bilhões de anos atrás. Mas, estranhamente, a quarta e última glaciação naquele período não tinha sido associada a oscilações nos níveis de oxigênio atmosférico.

Os pesquisadores ficaram perplexos, disse Bekker ao Live Science. “Por que temos quatro eventos glaciais, e três deles podem ser ligados e explicados por meio de variações do oxigênio atmosférico, mas o quarto deles permanece independente?”

Para descobrir, os pesquisadores estudaram rochas mais jovens da África do Sul. Essas rochas marinhas cobrem o período superior do Grande Evento de Oxigenação, desde as consequências da terceira glaciação até cerca de 2,2 bilhões de anos atrás.

Eles descobriram que após o terceiro evento de glaciação a atmosfera ficou livre de oxigênio no início, então os níveis de oxigênio passaram a subir e descer novamente. O oxigênio subiu novamente 2,32 bilhões de anos atrás – o ponto em que os cientistas pensavam que o aumento era permanente. Mas nas rochas mais jovens, Bekker e seus colegas detectaram novamente uma queda nos níveis de oxigênio. Essa queda coincidiu com a glaciação final, aquela que não havia sido associada às mudanças atmosféricas.

“O oxigênio atmosférico durante esse período inicial era muito instável e subiu a níveis relativamente altos e caiu para níveis muito baixos”, disse Bekker. “Isso é algo que não esperávamos até talvez os últimos 4 ou 5 anos [de pesquisa].”

Cianobactérias contra vulcões

Os pesquisadores ainda estão descobrindo o que causou todas essas oscilações, mas eles têm algumas ideias. Um fator chave é o metano, um gás de efeito estufa que é mais eficiente em reter o calor do que o dióxido de carbono.

Hoje, o metano desempenha um pequeno papel no aquecimento global em comparação com o dióxido de carbono, porque o metano reage com o oxigênio e desaparece da atmosfera em cerca de uma década, enquanto o dióxido de carbono permanece por centenas de anos. Mas quando havia pouco ou nenhum oxigênio na atmosfera, o metano durava muito mais e agia como um gás de efeito estufa mais importante.

Portanto, a sequência de oxigenação e de mudanças climáticas possivelmente foi mais ou menos assim: as cianobactérias começaram a produzir oxigênio, que reagiu com o metano da atmosfera na época, deixando apenas dióxido de carbono para trás.

Esse dióxido de carbono não era abundante o suficiente para compensar o efeito de aquecimento do metano perdido, então o planeta começou a esfriar. As geleiras se expandiram e a superfície do planeta ficou congelada e fria.

Salvando o planeta de um congelamento profundo permanente, entretanto, estavam os vulcões subglaciais. A atividade vulcânica acabou aumentando os níveis de dióxido de carbono a um patamar alto o suficiente para aquecer o planeta novamente. E enquanto a produção de oxigênio diminuía nos oceanos cobertos de gelo devido às cianobactérias receberem menos luz solar, o metano dos vulcões e micro-organismos começou novamente a se acumular na atmosfera, aquecendo ainda mais as coisas.

Mas os níveis vulcânicos de dióxido de carbono tiveram outro efeito importante. Quando o dióxido de carbono reage com a água da chuva, ele forma ácido carbônico, que dissolve as rochas mais rapidamente do que a água da chuva com pH neutro. Esse desgaste mais rápido das rochas traz mais nutrientes, como o fósforo, para os oceanos.

Mais de 2 bilhões de anos atrás, esse influxo de nutrientes teria levado as cianobactérias marinhas produtoras de oxigênio a um frenesi produtivo, novamente aumentando os níveis de oxigênio atmosférico, reduzindo o metano e reiniciando todo o ciclo.

Eventualmente, outra mudança geológica quebrou este ciclo de oxigenação-glaciação. O padrão parece ter terminado há cerca de 2,2 bilhões de anos, quando o registro das rochas indica um aumento no carbono orgânico sendo depositado, o que sugere que os organismos fotossintéticos estavam tendo um apogeu.

Ninguém sabe exatamente o que desencadeou esse ponto de inflexão, embora Bekker e seus colegas levantem a hipótese de que a atividade vulcânica neste período forneceu um novo influxo de nutrientes aos oceanos, finalmente dando às cianobactérias tudo de que precisavam para prosperar.

Nesse ponto, disse Bekker, os níveis de oxigênio estavam altos o suficiente para suprimir permanentemente a influência excessiva do metano no clima, e o dióxido de carbono da atividade vulcânica e de outras fontes tornou-se o gás de efeito estufa dominante para manter o planeta aquecido.

Existem muitas outras sequências de rochas desta época em todo o mundo, disse Bekker, incluindo na África Ocidental, América do Norte, Brasil, Rússia e Ucrânia. Essas rochas antigas precisam de mais estudos para revelar como funcionavam os primeiros ciclos de oxigenação, disse ele, especialmente para entender como esses altos e baixos afetaram a vida do planeta.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.