Pular para o conteúdo

A última batalha sobre Plutão: por que para muitos ele ainda é um planeta?

Por Javier Yanes
Publicado na OpenMind

“Na minha opinião, Plutão é um planeta”. Esta é uma frase que quase qualquer pessoa pode pronunciar sem ter a menor repercussão, mas quando sai da boca do administrador da NASA Jim Bridenstine, é certeza que irá parar em manchetes. “Você pode escrever que o administrador da NASA declarou que Plutão é um planeta novamente. Eu estou mantendo essa posição. É a forma como aprendi e estou comprometido com isso”, disse ele em uma aparição recente. Embora as palavras do homem que dirige a primeira agência espacial do mundo não mudem o status do que agora é oficialmente um planeta anão, o episódio nos lembra que a polêmica não desapareceu.

A morte oficial de Plutão como planeta ocorreu em 24 de agosto de 2006. Depois de mais de três quartos de século aparecendo nos livros didáticos como o nono planeta do Sistema Solar, naquele sábado de verão a União Astronômica Internacional (UAI), reunida em Praga na sua 26ª assembleia geral, aprovou uma definição oficial de planeta que deixou de fora esse mundo pequeno e distante.

Votação durante a sessão plenária da Assembleia Geral da UAI em 24 de agosto de 2006 em Praga. Crédito: Aldebarium.

Para entender o porquê, é preciso voltar ao passado, até 1801. Foi nesse ano que a descoberta de um objeto entre Marte e Júpiter, chamado Ceres, levantou uma questão para os astrônomos: é um planeta ou não? Inicialmente, ele foi aceito como tal, mas quando o número de objetos semelhantes começou a crescer, começou essa discussão. No final, decidiu-se catalogar Ceres e seus companheiros como asteroides. Da mesma forma, quando, quase dois séculos depois, objetos do tamanho de Plutão começaram a ser detectados nos confins do Sistema Solar, como Éris e Sedna, e vários astrônomos tiraram do fundo do baú a velha questão.

Novos objetos que desafiam a definição

A UAI sentiu, então, a necessidade de aprovar uma definição formal de planeta, algo que faltava até então. Após um amplo debate, foi proposto que: “um planeta é um corpo celeste que (a) está em órbita ao redor do Sol, (b) tem massa suficiente para sua autogravidade superar as forças do corpo rígido, assumindo uma forma de equilíbrio hidrostático (formato quase redondo) e (c) limpou a sua vizinhança de objetos menores ao redor de sua órbita”. A assembleia votou e aprovou esta definição, que deixou Plutão de fora por não cumprir o terceiro requisito, já que ele compartilha a zona de sua órbita com outros objetos.

As reações foram tão imediatas quanto acaloradas. Os opositores da decisão criticaram o procedimento: apenas 424 dos 9.000 membros da UAI estiveram presentes naquela reunião em Praga, e a organização só permite o voto presencial. Os críticos abordaram especialmente os aspectos técnicos. O cientista planetário Alan Stern, principal pesquisador da missão New Horizons da NASA, que passou por Plutão em 2015, tem sido um dos mais fortes oponentes à definição da UAI. “Essa definição é altamente falha, em tantos níveis que essencialmente ninguém na comunidade científica planetária profissional a usa em seu trabalho de pesquisa”, ele resume ao OpenMind.

Imagem capturada pela sonda espacial New Horizons, mostrando uma névoa azul na atmosfera de Plutão. Créditos: NASA / Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins / Southwest Research Institute.

Desde o início, Stern argumentou que outros planetas do Sistema Solar também compartilham sua órbita com uma infinidade de objetos, ao que os astrônomos contrapõem que, nesses casos, a gravidade do planeta é claramente dominante. Segundo Carlos de la Fuente Marcos, astrônomo especializado em dinâmica orbital, “se há mais objetos semelhantes ao que está em referência, a uma distância radial semelhante e que não orbitam em torno deles (ou seja, não são satélites como o Sistema Terra-Lua), falar sobre planeta não parece correto”. Para este astrônomo, a definição da UAI é “razoável e correta”.

O que faz algo ser um planeta?

Mas, de acordo com Stern, o cerne do problema está em definir algo não por si mesmo, mas por algo externo: “Não classificamos objetos na astronomia pelas coisas que eles estão próximos, nós os classificamos por suas propriedades”, disse ele à Nature em 2006. Na verdade, depois de 13 anos de polêmica, esse tem persistido que essa ideia é o principal argumento daqueles que rejeitam a definição da UAI. Deixando de lado as razões sentimentais ou culturais, das quais Bridenstine parece refletir como uma posição popular, muitos especialistas insistem que devem ser os parâmetros intrínsecos dos objetos, e não a dinâmica de suas órbitas, que definem um planeta.

Como o pesquisador do Instituto de Ciências Planetárias dos EUA David Grinspoon, coautor junto a Stern do livro Chasing New Horizons: Inside the Epic First Mission to Pluto (não publicado no Brasil, mas em português o nome seria algo como: “Atrás da New Horizons – Dentro da Primeira Missão Épica para Plutão”), explica ao OpenMind, que a definição da UAI “é adequada se o que você está principalmente preocupado é com as órbitas e a dinâmica; se você está preocupado com planetas como objetos, como lugares, como corpos com propriedades a serem modeladas e comparadas com outros corpos, então essa definição é profundamente falha”.

“Gosto de usar a votação de definição de planeta da UAI em palestras públicas como um exemplo de uma organização científica engajada em um ato anticientífico”, acrescenta Mark Sykes, CEO e diretor do Instituto de Ciências Planetárias. Uma taxonomia científica, diz ele, é algo que não que deve ser votada: “A UAI, infelizmente, promoveu a ideia de que a ciência é uma questão de opinião; isso não é bom nos dias de hoje!”

É por isso que os cientistas planetários afirmam que são eles, não os astrônomos, que devem definir o que é um planeta e o que não é. “Nós somos os cientistas que, de fato, estudam planetas, ao contrário de galáxias, estrelas, buracos negros, etc.”, disse o geólogo planetário Kirby Runyon da Universidade Johns Hopkins ao OpenMind. “Por exemplo, os cientistas planetários nunca ousariam votar na definição de estrela de nêutrons, que é algo estudado por astrofísicos”.

Aqueles que defendem essa posição também argumentam que os planetas foram historicamente compreendidos por suas próprias características. “Os planetas foram originalmente definidos dinamicamente como objetos em movimento no céu. Então, Galileu surgiu e determinou que eles deveriam, de fato, ser considerados por suas propriedades geofísicas, como a Terra”, diz Sykes. “Os asteroides continuaram a ser referidos na literatura científica como um tipo de planeta até que Kuiper publicou um artigo em 1953 que afirmava que os asteroides eram geofisicamente diferentes dos planetas”, acrescenta.

A busca por uma definição

E essa diferença geofísica se baseia sobretudo em um critério: a forma esférica distingue um corpo com geologia ativa de um mero pedaço de rocha. Na verdade, os estudos de Plutão feitos pela New Horizons mostraram que ele é um mundo muito complexo, com várias luas, uma atmosfera, compostos orgânicos, paisagens variadas e possíveis oceanos líquidos sob a superfície gelada.

A Lua, Plutão e a Terra, comparados em tamanho. Créditos: Gregory H. Revera / NASA / JHUAPL / SWRI.

Assim, os cientistas planetários apoiam uma definição geofísica, segundo a qual: “um planeta é um corpo de massa subestelar que nunca sofreu fusão nuclear e que tem autogravitação suficiente para assumir uma forma esferoidal adequadamente descrita por um elipsoide triaxial independentemente de seus parâmetros orbitais”. Ou, de forma simples, um planeta é um objeto celestial redondo menor que uma estrela. Por sua vez, De la Fuente Marcos menciona uma objeção frequente a essa abordagem, que nos obrigaria a considerar mais de uma centena de objetos como planetas, incluindo numerosas luas. “Por essa lógica, teria que reclamar que existem muitos países na Europa, muitos rios e muitas montanhas”, responde Sykes. “Não acha que isso torna os planetas mais interessantes?”

A definição geofísica de planeta já ganhou tanta aceitação entre os cientistas planetários que “está se tornando o padrão”, diz Stern. Além do mais, embora haja um ponto de interrogação se a UAI reagirá de alguma forma – a presidência da UAI não respondeu às perguntas da OpenMind – isso não parece preocupar os cientistas planetários. “Nenhuma ação da UAI é necessária para que a Definição Geofísica do Planeta seja aceitável ou mesmo oficial”, observa Runyon.

Para Grinspoon, a UAI nem mesmo é a autoridade apropriada neste assunto. E no fundo, Sykes destaca, embora a resolução tenha tido um grande impacto na mídia, seus efeitos na comunidade científica foram mínimos: “Poucas pessoas usam a definição da UAI em seus trabalhos científicos. Tem pouca utilidade”, diz ele. “Os cientistas não mudaram seu comportamento ou linguagem apenas porque a UAI fez uma proclamação famosa. Não me importa se a UAI mude sua definição de planeta ou não”, concluiu.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.