Pular para o conteúdo

Abordagem de porta em porta reduz transfobia

Originalmente publicado no Nature.com

Em 46 anos de experiência com abordagens em vizinhanças, indo de porta em porta na esperança de persuadir eleitores a votarem numa direção particular, David Fleischer aprendeu algumas lições. Algumas delas são contraintuitivas.

Quando um eleitor usa uma linguagem ofensiva durante a conversa, pode ser um sinal de avanço, ele diz. “Essa é uma coisa boa,” diz Fleischer, que eventualmente vai de porta em porta dar apoio para a causa da igualdade de direitos ao público LGBT. “Eles estão sendo honestos. E isso significa que nós estamos prestes a ter uma ótima, ótima conversa.”

Fleischer é o diretor do projeto Leadership LAB no Los Angeles LGBT Center, na California, onde ele ensina uma abordagem nada convencional que favorece calmamente, conversas sem julgamento em detrimento de abordagens precipitadas. E de acordo com um estudo publicado na Science em 7 de abril deste ano, essa abordagem funciona: cabos eleitorais que empregaram o método reduziram significativamente o preconceito contra pessoas transgêneras em algo em torno de 10% de uma amostra de 250 indivíduos. O efeito durou por pelo menos três meses depois da conversa com os cabos.

O estudo, feito pelos cientistas políticos David Broockman da Universidade de Stanford na California e Joshua Kalla da Universidade da California em Berkeley, abre a porta para uma nova geração de experimentos de campo rigorosamente desenhados para estudar preconceito, diz Elizabeth Levy Paluck, uma psicóloga social da Universidade de Princeton em Nova Jersey. “Metodologicamente é o padrão-ouro,” ela diz. “E o bônus é que isso realmente está encorajando resultados em favor da tolerância e pelos direitos das pessoas transgêneras.”

Pode ajudar também a remover alguns estigmas que assombraram as ciências políticas após acusações sobre dados adulterados e fabricados que levaram a uma retratação de um estudo similar, publicado na Science em 2014. O estudo alegou que a abordagem de porta em porta mudou atitudes acerca do casamento gay, e que o efeito alegadamente tinha durado nove meses. Mas quando Broockman e Kalla, que não estavam envolvidos no estudo de 2014, se propuseram a estender o trabalho sobre preconceito contra transgêneros, eles encontraram inconsistências nos dados e na execução da pesquisa.

O artigo foi retratado em 5 de junho de 2015 sob comando do segundo autor do estudo, o cientista político Donald Green da Universidade de Columbia em Nova York. O primeiro autor do estudo, Michael LaCour – então um estudante de graduação da Universidade da California em Los Angeles – se posicionou em favor dos seus resultados mas admitiu ter desvirtuado alguns aspectos do trabalho.

Batidas fortes

Foi um episódio doloroso para aqueles que estavam advogando pelo uso das pesquisas de campo nas ciências sociais, diz o cientista político Brian Calfano da Universidade Estadual do Missouri em Springfield. Tais estudos não são comuns: Green e Paluck filtraram dentre centenas de estudos publicados e não publicados conduzidos antes de 2009, e descobriram que apenas 11% deles testaram o efeito da intervenção que busca reduzir preconceitos em campo, em detrimento de um laboratório.

Quando o artigo de LaCour saiu, alguns cientistas sociais ficaram incrédulos quanto aos resultados – por conta da abordagem que ele adotou e porque os resultados foram de encontro ao consenso. “Houve muita resistência à ideia de que pessoas podem ser persuadidas sobre essas questões controversas,” diz Calfano. “Houve uma reação de ‘é bom demais para ser verdade'”. A revelação de adulteração, ele diz, apenas reforçou o pessimismo.

Mas o último estudo sobre transfobia poderia sinalizar uma reviravolta. Broockman e Kalla acompanharam os esforços de 56 cabos eleitorais no condado de Miami-Dade, na Florida. Os cabos falaram com 255 eleitores sobre igualdade para transgêneros, e para outros 246 eleitores sobre reciclagem, como grupo de controle.

Cerca de um em dez eleitores que foram abordados sobre discriminação contra transgêneros se tornaram menos preconceituosos, de acordo com as respostas dadas a inquéritos feitos em até três meses depois que os cabos eleitorais fizeram contato. Broockman diz que a magnitude da mudança se aproxima ao grau obtido de 1998 a 2012 na opinião da maioria dos americanos a respeito de gays e lésbicas.

Broockman espera continuar a checar os participantes do estudo a fim de descobrir o quanto suas respostas irão perdurar. Mas há indícios de que a mudança de atitude foi resiliente, pelo menos a curto prazo: seis semanas depois da intervenção, os pesquisadores exibiram aos participantes propagandas contrárias aos estereótipos sobre pessoas transgêneras. Inquéritos mostraram que as propagandas não surtiam efeito em suas opiniões.

Abrindo portas

Os planos de Broockman para estender seu trabalho para outras questões, como as atitudes acerca das mudanças climáticas. Palluck, que usa experimentos de campo para estudar desde tudo sobre o período pós-resolução do conflito em Ruanda a bullying nas escolas, diz que o desenho de Broockman pode ser usado para testar mudanças de atitude frente aos imigrantes ilegais. Para Calfano, a grande questão é se a técnica poderia abordar preconceitos raciais mais enraizados. “Vocês verão muito mais desses estudos avançando,” ele diz.

Mas a abordagem pode ter seus limites. Em 7 de abril, Broockman também liberou resultados negativos de um estudo sobre as tentativas de mudar opiniões nos Estados Unidos sobre o aborto. Para Fleischer, não prejudica a abordagem sobre outros tópicos. Demorou sete anos para que ele trabalhasse a abordagem certa para falar com as pessoas sobre questões envolvendo o público LGBT, ele diz, e ele tem menos experiência com a abordagem das atitudes sobre o aborto. Pode demorar certo tempo para ajustar a abordagem para outros tópicos mais sensíveis.

Enquanto isso, o estudo da transfobia oferece a esperança de que fazer isso pode valer a pena. “Nós não conhecemos todo o potencial desses resultados ainda,” ele diz. “Mas eles sugerem que nós realmente podemos, se quisermos, viver em uma sociedade menos preconceituosa”.

Pedro H. Costa

Pedro H. Costa

Bacharel em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atuo desde 2012 no Centro de Estudos e Pesquisas sobre Álcool e outras Drogas, pela mesma instituição. Interessado em saúde, educação, ciência e filosofia. Faça uma pergunta: ask.fm/phcs91