Alexander Moreira Almeida está de volta na mídia com mais um estudo científico que supostamente comprova a veracidade das cartas psicografadas por Chico Xavier. Pelo menos a matéria foi pequena, apenas um vídeo de 1min30s onde Alexandre resume os seus achados. Mas, como veremos a seguir, só o fato de que O Globo decidiu dar atenção a essa suposta “pesquisa” já é razão suficiente para questionar a qualidade do jornalismo dessa empresa.
Vamos ao estudo em questão. Para começar o paper foi publicado em um periódico de baixo fator de impacto (0.935) sobre práticas curativas, incluindo a medicina alternativa. Só esse fato já deveria ser suficiente para levantar a sobrancelha de um jornalista científico sério; um estudo que comprova algo com o potencial de mudar toda nossa concepção científica mereceria no mínimo publicação na Nature Neuroscience (fator de impacto 14.976) ou na Science (fator de impacto 31.48). Quanto mais baixo o fator de impacto de um periódico, menos rigorosos tendem a ser os processos de seleção e revisão dos artigos submetidos para publicação.
Mas voltemos ao estudo. Os pesquisadores analisaram apenas um conjunto de cartas psicografadas por Chico Xavier, alegadamente pelo espírito de Jair Presente, morto afogado aos 24 anos enquanto nadava em uma represa com os amigos. Dado que os próprios autores estimam que Xavier tenha psicografado mais de 10.000 cartas desse tipo, escolher apenas 13 e de um “espírito” só não é uma amostra significativa e cheira a “cherry picking” de dados. Se a intenção era verificar a veracidade da mediunidade de Xavier, como descrito nos objetivos do paper, uma amostra muito maior (e aleatória) das suas cartas deveria ter sido escolhida. Caso contrário há sempre a possibilidade de que Xavier tenha acertado esse caso por fraude ou apenas por sorte. Um problema ainda maior é que o evento analisado, a morte de Jair Presente e a psicografia das cartas para seus pais, aconteceu em 1974. Como avaliar a veracidade de um evento como esse que aconteceu há 40 anos atrás?
Os pesquisadores fizeram o seguinte: analisaram as informações contidas nas cartas de acordo com a possibilidade de “vazamento” e o quanto a informação “bate”. Vazamento refere-se a probabilidade que a informação tenha vazado para o médium de alguma maneira terrena (alguém contou, o médium leu sobre o caso no jornal, etc) e bater refere-se ao quanto a informação da carta bate com a realidade. Exemplos de informações retiradas das cartas são frases como “meu avô Basso” (avô de Jair Presente) e “eu vejo você indo ao meu quarto buscar lembranças como se eu fosse chegar a qualquer instante” (evento pós-morte). A primeira dessas informações foi classificada como 1 para vazamento (de uma escala que vai de 0–muito pouco provável que tenha vazado a 4–definitivamente vazou) e como 2 para bate (de uma escala que vai de 0–não bate a 2–bate clara e precisamente). A segunda informação também recebeu a mesma pontuação. Foram analisadas 99 informações como essas, algumas ainda mais vagas como “eles me chamaram” e “eles me abraçaram”. Com que base os pesquisadores atribuíram as classificações? Entrevistando os parentes de Jair Parente. Mesmo tirando o fato que as informações das cartas são claramente vagas, particularmente a segunda (qual mãe não vai no quarto do filho recém falecido para lembrar dele?) e que essa classificação em vazamento e bate é completamente subjetiva, uma entrevista com parentes sobre um evento que aconteceu há 40 anos atrás não tem a menor chance de chegar aos fatos. A memória humana é extremamente dinâmica e maleável, mesmo em curtos espaços de tempo. Os parentes de Jair Presente podem ter esquecido da conversa que tiveram com Xavier na fila de espera do centro espírita. Ou Xavier pode mesmo ter tido acesso as informações pelo jornal, por conhecidos e até por cartas enviadas diretamente a ele por outros parentes de Jair. De fato, não acho que exista metodologia alguma que consiga responder se Xavier fraudou ou não um caso como esse 40 anos atrás. Há simplesmente muitas variáveis em jogo as quais não temos mais acesso. A metodologia que os autores usaram definitivamente não responde a essa questão.
Os autores concluem:
“Os resultados da nossa investigação sugerem que as cartas de Xavier transmitiram informações precisas e exatas, e que explicações normais para elas (por exemplo fraude, sorte, vazamento de informações e leitura fria) são apenas remotamente plausíveis.”
E adicionam um toque de filosofia da mente:
“Esse estudo parece oferecer suporte empírico para teorias não-reducionistas da mente humana.”
Essas conclusões, apesar de claramente não serem apoiadas pela evidência, estão perfeitamente em linha com o que Alexander vem tentando propagar: a veracidade da doutrina religiosa do espiritismo. Venho seguindo seu rastro faz algum tempo (meu primeiro contato e o último) e não é por amor. O caso dele serve para expor dois grandes problemas relacionados com a ciência brasileira. Um deles é o claro despreparo da mídia em lidar com questões científicas. Dar espaço na mídia para o que ele faz chamando de ciência é no mínimo irresponsável. O outro problema diz respeito as universidades públicas e as agências de financiamento de pesquisa. Alexander é professor em uma universidade federal (UFJF) e como tal usufrui de um cargo vitalício. Mesmo com publicações medíocres e irrelevantes como essa, seu cargo está praticamente garantido pelo resto da sua vida. E o pior é que ainda assim ele consegue financiamento; esse estudo por exemplo foi financiado pela FAPESP. Um sistema desses, que emprega e financia pesquisadores como esse, tem credibilidade para gerir a ciência brasileira?
Curiosidade do dia: se o paper estiver certo Chico Xavier era também homeopata!
“Algumas centenas de pessoas atendiam as reuniões públicas mediúnicas de Xavier. […] Após as 6 pm, Xavier ia para um pequeno quarto nos fundos do centro espírita com dois assistentes. Ele ficava lá até aproximadamente meia-noite prescrevendo medicamentos homeopáticos junto com conselhos espirituais…”