Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Coisas estranhas estão acontecendo na Via Láctea.
De acordo com uma nova análise dos dados do satélite Gaia, o aglomerado de estrelas mais próximo do nosso Sistema Solar está atualmente sendo dilacerado – não apenas por processos normais, mas também pela atração gravitacional de algo massivo que não podemos ver.
Essa destruição, dizem os astrônomos, pode ser um indício de que um aglomerado invisível de matéria escura está próximo, causando estragos gravitacionais em qualquer coisa que estiver ao seu alcance.
Na verdade, aglomerados de estrelas sendo separados por forças gravitacionais é inevitável. Um aglomerado de estrelas é, como o nome sugere, uma concentração compacta e densa de estrelas. Mesmo internamente, as interações gravitacionais podem ficar muito turbulentas.
Entre essas interações internas e as forças de maré galácticas externas – a gravidade exercida pela própria galáxia – aglomerados de estrelas podem acabar separados em correntes estelares: o que é conhecido como uma corrente de maré.
Essas correntes são difíceis de ver no céu, porque geralmente é bastante complicado medir distâncias estelares e, portanto, agrupar estrelas. Mas o satélite Gaia tem trabalhado para mapear a galáxia da Via Láctea em três dimensões com o máximo de detalhes e a maior precisão possível, e os dados de posição e velocidade mais precisos no maior número possível de estrelas.
Pelo fato das estrelas arrancadas do aglomerado de estrelas ainda compartilhar a mesma velocidade (mais ou menos) que as estrelas no aglomerado, os astrônomos através dos dados Gaia conseguiram identificar muitas correntes anteriormente desconhecidas de marés, e aglomerados de estrelas com caudas de maré – filamentos de estrelas que surgiram após estas se soltarem do aglomerado pela frente e por trás dele.
Em 2019, astrônomos revelaram que encontraram evidências na segunda divulgação de dados de Gaia de caudas de maré fluindo de Híades; a 153 anos-luz de distância, é o aglomerado de estrelas mais próximo da Terra.
Isso chamou a atenção da astrônoma Tereza Jerabkova e seus colegas da Agência Espacial Europeia e do Observatório Europeu do Sul. Quando o Gaia Data Release 2.5 (DR2.5) e o DR3 se tornaram disponíveis, eles se concentraram, expandindo os parâmetros de pesquisa, para capturar as estrelas que haviam passado despercebidas pelas detecções anteriores.
Eles encontraram centenas e centenas de estrelas associadas às Híades. O aglomerado central tem cerca de 60 anos-luz de diâmetro; as caudas das marés medem milhares de anos-luz.
Ter tais caudas é bastante normal para um aglomerado de estrelas dilacerado por forças de maré galácticas, mas a equipe percebeu algo estranho. Eles executaram simulações da dilaceração do aglomerado e encontraram um número significativamente maior de estrelas no final da simulação. No aglomerado real, algumas estrelas estavam faltando.
A equipe fez mais simulações para descobrir o que poderia fazer essas estrelas desaparecer – e descobriu que uma interação com algo grande, cerca de 10 milhões de vezes a massa do Sol, poderia reproduzir o fenômeno observado.
“Deve ter havido uma interação próxima realmente enorme com este aglomerado, e as Híades acabaram sendo esmagadas”, disse Jerabkova.
O grande problema com esse cenário é que atualmente não podemos ver nada tão grande em qualquer lugar próximo. No entanto, o Universo está realmente cheio de coisas invisíveis – matéria escura, o nome que damos à massa misteriosa cuja existência só podemos inferir por seus efeitos gravitacionais nas coisas que podemos ver.
De acordo com esses efeitos gravitacionais, os cientistas calcularam que cerca de 80% de toda a matéria do Universo é matéria escura. Acredita-se que a matéria escura seja uma parte essencial da formação de galáxias – grandes aglomerados dela no Universo primitivo se reuniram e formaram a matéria normal nas galáxias que vemos hoje.
Esses aglomerados de matéria escura ainda podem ser encontrados hoje em ‘halos escuros’ estendidos ao redor das galáxias. Acredita-se que a Via Láctea tenha 1,9 milhão de anos-luz de diâmetro. Dentro desses halos, os astrônomos preveem aglomerados mais densos, chamados subhalos de matéria escura, apenas vagando ao redor.
Pesquisas futuras podem revelar uma estrutura que poderia ter causado o estranho desaparecimento de estrelas na cauda de Híades; se não conseguirem, os pesquisadores acham que a dilaceração pode ser obra de um subhalo de matéria escura.
A descoberta também sugere que as correntes e as caudas de marés podem ser locais excelentes para procurar fontes de misteriosas interações gravitacionais.
“Com Gaia, a forma como vemos a Via Láctea mudou completamente”, disse Jerabkova. “E com essas descobertas, seremos capazes de mapear as subestruturas da Via Láctea melhor do que nunca.”
A pesquisa foi publicada na Astronomy & Astrophysics.