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Algumas coisas sobre o sistema cardiovascular que você, provavelmente, não sabia

Ultimamente, aulas de anatomia sobre o coração vêm sendo ministradas para mim e, em jus ao meu papel de divulgador científico e entusiasta da ciência, resolvi repassar algum desse conhecimento aos leitores. Tentarei aprofundar aos poucos para que haja uma sequência didática.

coracaoEm primeiro lugar, acerca do coração, precisamos admitir a existência de 4 cavidades, conhecidas como átrio esquerdo, ventrículo esquerdo, átrio direito e ventrículo direito. As duas cavidades ao lado esquerdo recebem sangue venoso (sangue pobre em oxigênio e rico em gás carbônico) e as duas à direita, sangue arterial (rico em oxigênio e pobre em gás carbônico). Devemos saber a existência de dois tipos de circulação, a pequena circulação (entre coração e pulmão, com o objetivo de oxigenar o sangue) e a grande circulação (entre o coração e o restante do corpo, com o objetivo de espalhar o oxigênio adquirido no pulmão). Também, precisamos saber que o sangue (seja ele venoso ou arterial) desemboca no coração através dos átrios e sai dele pelos ventrículos.

Partindo dessas informações, estabeleçamos uma sequência fisiológica: o sangue com pouco oxigênio chega no átrio direito, passa para o ventrículo direito, passa para o pulmão, recebe oxigênio, volta para o átrio esquerdo, vai ao ventrículo esquerdo e bombeia o sangue ao resto do corpo, onde seu oxigênio será perdido para que ele volte ao coração novamente, completando um ciclo. Sistematicamente:

Corpo -> Átrio direito -> Ventrículo direito -> Pulmão -> Átrio esquerdo -> Ventrículo esquerdo -> Corpo

Guarde bem essa imagem. Usar-la-emos novamente depois.
Guarde bem essa imagem. Usar-la-emos novamente depois.

Sistema de condução elétrica do coração

Para que o coração bombeie o sangue, é preciso que ele se contraia de forma rítmica. Não há como contrair átrios e ventrículos ao mesmo tempo. Primeiro, há de se contrair os átrios, logo após, os ventrículos. Ou seja, enquanto os átrios estão sendo contraídos, os ventrículos estão sendo dilatados, e vice-versa. Isso ocorre para que as cavidades possam ser enchidas com a ajuda da hidrostática (se um espaço aumenta de volume, o fluido tende a preenchê-lo; se diminui de volume, o fluido tende a escapar). Tudo isso é regulado por um sistema de condução elétrica, que tem, como componentes mais importantes, o nó sinoatrial e o nó atrioventricular. O nó sinoatrial é, basicamente, responsável pela contração dos átrios, enquanto o nó atrioventricular pela contração dos ventrículos. Embora os dois venham de um mesmo feixe de nervos, eles agem em tempos diferentes. Assim, podem estimular o átrio e o ventrículo em diferentes momentos, e a contração será rítmica.

Veja a imagem:

As estruturas citadas estão circundadas por um quadrado vermelho.
As estruturas citadas estão circundadas por um quadrado vermelho.

Infartos e possíveis consequências na contração cardíaca

O nó sinoatrial é conhecido como marca-passo cardíaco é irrigado por um ramo de uma das artérias responsáveis pela irrigação do coração. Geralmente, quando uma pessoa tem algum problema (como trombose ou aterosclerose) que poderia provocar o entupimento de algum vaso, o vaso atingido pode ser esse ramo que irriga o nó. Assim, ele deixaria de irrigar o local responsável pela primeira contração do coração e o órgão pararia de bombear o sangue. Então, como fibras nervosas não conseguem regenerar-se, é preciso que uma estrutura semelhante seja implantada no indivíduo, para suprir a função do nó sinoatrial, que não mais funciona. Esse é o famoso “marca-passo”.

Na aterosclerose, placas de gordura começam a acumular-se no interior do vaso, obstruindo-o aos poucos. Suponhamos que esteja acontecendo isso com o vaso responsável pela irrigação do nó sinoatrial. Se assim for, enquanto o nó sinoatrial está deixando de receber nutrientes para sua atividade normal, o nó atrioventricular está acostumando-se a trabalhar mais, assim, desenvolve-se e acostuma-se a realizar um maior trabalho para a contração do coração. Dessa forma, se houver a obstrução total do vaso por placas de gordura, é mais provável que o indivíduo sobreviva, pois outra estrutura estará acostumada a realizar as contrações.

No entanto, se há a obstrução imediata (como, por exemplo, por um coágulo), é possível que haja um infarto fulminante, pois ainda não deu tempo do nó atrioventricular acostumar-se a funcionar sozinho. O risco de morte, então, é bastante alto!

Admitamos que uma célula muscular esteja sempre polarizada, por conta da concentração de determinados átomos com cargas elétricas em seu interior e seu exterior. Para que a contração ocorra, um estímulo deve ser feito para que tais concentrações sejam alteradas e, assim, a polarização mude e provoque um estímulo elétrico por toda a célula. Tal estímulo pode ser repassado de célula para célula e, assim, a contração ocorre por uma longa extensão. Dessa forma, se houvesse uma conexão dos músculos do átrio com os músculos do ventrículo, os dois contrair-se-iam de uma vez só, coisa que, como vimos antes, é indesejável. Assim, há a existência de um tecido, entre tais, que impede que o estímulo seja conduzido para todos os músculos. É, basicamente, um isolante elétrico que evita que haja uma contração simultânea dos átrios e dos ventrículos.

Circulação sanguínea do corpo ao coração e do coração ao corpo

Saindo, então, do sistema de condução elétrico e entrando na parte da circulação sanguínea. Lembram-se do esquema que fiz há algumas palavras acima para demonstrar, de forma básica, como funciona o fluxo sanguíneo de fora para dentro e de dentro para fora do coração? Vamos aprofundá-lo agora. Vejam, novamente, a imagem e o esquema colocados anteriormente:

Guarde bem essa imagem. Usar-la-emos novamente depois.
Guarde bem essa imagem. Usar-la-emos novamente depois.

No entanto, estão incompletos. E continuarão incompletos, pois não adicionarei todas as informações. Considerem o seguinte novo esquema, com as palavras utilizadas anteriormente destacadas em negrito:

Corpo -> Veias cavas superior e inferior -> Átrio direito -> Óstio atrioventricular (valva tricúspide) -> Ventrículo direito -> Valva troncopulmonar -> Artéria tronco pulmonar -> Artérias pulmonares esquerda e direita -> Arteríolas pulmonares -> Capilares -> Vênulas pulmonares -> Veias pulmonares superior e inferior direita e esquerda -> Átrio esquerdo -> Óstio atrioventricular (valva bicúspide ou mitral) -> Ventrículo esquerdo -> Valva aórtica -> Artéria aorta -> Corpo

Sei que muitos de vocês assustaram-se; outros entenderam. Mas tenham calma, explicarei direitinho. No entanto, antes de mais nada, vejam o seguinte vídeo (não é preciso entender o inglês, apenas vejam o desenho).

Corpo

No corpo, os tecidos realizam suas funções com a ajuda do oxigênio, transportado por células sanguíneas conhecidas como hemácias. No final de todo o processo, é liberado gás carbônico. As moléculas de gás carbônico, então, são transportadas de volta (também com o auxílio das hemácias) para o coração para que, então, possam ser substituídas por oxigênio e, logo após, sigam o ciclo. Então, o sangue rico em gás carbônico, chamado de sangue venoso (guarde bem esse nome) é transportado pelas veias.

Veias cavas superior e inferior

As veias de todo o corpo tendem a confluir seus conteúdos para as veias cavas superior e inferior. Tais veias desembocam no átrio direito. Veja bem que muitas informações que estou repassando aqui estão incompletas, então, não admita que as veias cavas são as únicas a desembocar no átrio direito.

Átrio direito, óstio atrioventricular (valva tricúspide) e ventrículo direito

Essa é uma das partes que acho mais interessantes. Acho que muitos que leram o texto até agora (o que acho muito difícil) perguntaram-se: Se o sangue passa do átrio para o ventrículo, certamente, há aberturas; então, se há aberturas, como é possível que cada cavidade possa encher-se de fluido? A resposta é que, comunicando cavidade com cavidade e cavidade com artéria, há valvas, e uma delas é a valva tricúspide.

A valva tricúspide é uma estrutura localizada em um dos dois óstios atrioventriculares (aberturas que separam um átrio de um ventrículo). Quando o átrio se contrai para que o sangue passe do átrio para o ventrículo, essa valva abre-se. No entanto, quando o ventrículo se contrai, a valva fecha. Isso porque o sangue precisa passar para outra abertura e, se não houvesse o fechamento da valva, ele iria voltar para a abertura na qual passou primeiramente (óstio atrioventricular).

A valva tricúspide é constituída por três outras estruturas, chamadas de válvulas, cada uma controlada por um músculo. Todos eles precisam contrair sinergicamente, ou seja, simultaneamente, para realizar o mesmo movimento (o de fechar). No entanto, um dos músculos não está em uma posição apropriada para realizar a contração simultânea com os outros; ele está preparado para contrair primeiro. Então, para retardar essa contração, objetivando a contração simultânea, há uma estrutura chamada de banda moderadora da trabécula septomarginal.

Um defeito na banda moderadora pode ocasionar um fechamento não-simultâneo da valva tricúspide. Assim, quando houver a contração do ventrículo direito, o sangue sofrerá refluxo, de volta ao átrio direito. É geralmente o que acontece na condição chamada de sopro.

Valva troncopulmonar

Assim como as passagens dos átrios para os ventrículos, entre um ventrículo e uma artéria, também haverá uma passagem mediada por uma valva. O sangue venoso presente no ventrículo esquerdo precisa ser reoxigenado para ser mandado ao resto do corpo. Assim, terá de passar para o pulmão. O primeiro local por onde passa até ir ao pulmão é a valva trocopulmonar. Tal valva, ao contrário de algumas, não é controlada por músculos. Na verdade, ela é constituída de estruturas que formam sacos, facilitando que o sangue passe, mas impedindo que o sangue entre.

Pequena circulação

A pequena circulação consiste na passagem do sangue pelas seguintes estruturas:

Artéria tronco pulmonar -> Artérias pulmonares esquerda e direita -> Arteríolas pulmonares -> Capilares -> Vênulas pulmonares -> Veias pulmonares superior e inferior direita e esquerda

Ao passar pela valva pulmonar, o sangue venoso, então, segue pela artéria troncopulmonar, que se divide em duas (artérias pulmonares esquerda e direita), cada uma seguindo para um pulmão diferente. Uma confusão bastante frequente que fazem é que, pelo sangue ser venoso, os vasos que o conduzem deveriam ser chamados de veias. No entanto, sabe-se que a artéria é aquele vaso que recebe o sangue que o coração bombeia e veia é aquele vaso que recebe o sangue que, posteriormente, desembocará no coração (as principais diferenças são histológicos, mas não cabe abordar isso agora). Assim, o tipo de sangue levado não fará muita diferença na classificação.

Após as artérias pulmonares, virão as arteríolas e, logo após, os capilares. Os capilares possuem uma parede de epitélio bastante fina, permitindo a passagem do gás carbônico e do oxigênio entre elas. E é assim que o sangue é oxigenado, transformando-se em sangue arterial e indo de volta ao átrio esquerdo, por quatro veias (pulmonar superior direita, pulmonar superior esquerda, pulmonar inferior direita e pulmonar inferior esquerda).

Átrio esquerdo, Óstio atrioventricular (valva bicúspide ou mitral) e Ventrículo esquerdo

Quando o sangue, já arterial, chega no átrio esquerdo, ele contrai-se. Então, segue para o ventrículo esquerdo. Haverá, também, então, um outro óstio atrioventricular, com abertura regulada por uma outra valva, chamada de valva bicúspide ou valva mitral. Essa valva também será regulada por músculos e possuirá apenas duas válvulas. Como os músculos contraem-se simultaneamente, diferentemente do ventrículo direito, não é preciso de nenhuma estrutura retardadora.

O ventrículo esquerdo bombeará o sangue para o resto do corpo, assim, é preciso que exerça uma grande pressão, e é por isso que o sua camada de músculos é muito mais desenvolvida do que a das demais cavidades.

Valva aórtica, Artéria aorta e Corpo

Semelhantemente à valva pulmonar, também haverá a valva aórtica, que será composta por mais três válvulas em forma de bolsões. No entanto, terá uma diferença: ao lado das válvulas, são presentes duas aberturas. E essa foi a parte que achei mais interessante. Vejam se acompanham o raciocínio:

O início da artéria aorta é ascendente e verticalizado. O ventrículo esquerdo exerce a pressão sanguínea e, então, o sangue sobe. No entanto, não há como expulsar todo o sangue e, então, uma parte dele cai dentro dos bolsões, que são as válvulas. Ao lado desses bolsões, haverá aberturas para que o sangue que caiu dentro deles seja redirecionado para o coração através das artérias coronárias. Assim, nem o sangue que fica nos bolsões é perdido.

Logo após, a artéria aorta dá origem a muitos outros ramos, que irrigam o restante do corpo.

Forame oval e ducto arterial

Na época do período embrionário, o bebê não possui um pulmão preparado para fazer a respiração. Portanto, é importante que o sangue venoso não vá para lá e algumas estruturas trabalham justamente impedindo isso.

Entre os dois átrios, haverá uma abertura chamada de forame oval. Esse forame irá permitir a passagem direta do sangue do átrio direito para o átrio esquerdo e, de lá, para o ventrículo esquerdo, que bombeará para a aorta. Da aorta, o sangue segue para o cordão umbilical, realizando trocas de nutrientes com o sangue materno. No entanto, algum sangue ainda pode passar para o ventrículo direito, provocando algum possível risco de ir ao pulmão. Para isso, há uma outra estrutura, denominada de ducto arterial, comunicando a artéria troncopulmonar com a artéria aorta, com o mesmo objetivo do forame oval.

Muitas pessoas, depois que nascem, continuam com uma dessas estruturas, ou as duas, e é preciso que seja feita uma cirurgia de correção.


Espero que alguma coisa tenha sido acrescentada e informações tenham ficado claras. Se não, gostaria que fosse solicitada uma reformulação das ideias para facilitar o entendimento. Se houver alguma informação errada, gostaria de, também, ser comunicado.

Josikwylkson Costa Brito

Josikwylkson Costa Brito

Olá, meu nome é Josikwylkson Costa Brito e nasci na cidade de Campina Grande, na Paraíba, onde moro atualmente. Tenho 21 anos, estou no quinto ano do curso de medicina e publico textos de cunho científico ou filosófico no Universo Racionalista.