Pular para o conteúdo

Animais de fazenda são a próxima grande ameaça à resistência a antibióticos

Por Maryn McKenna
Publicado no Wired

Em todo o mundo, os antibióticos que os agricultores usam para prevenir doenças em seus animais estão perdendo eficácia à medida que as bactérias desenvolvem resistência a antibióticos. Segundo uma nova pesquisa, é um enorme problema, mascarado por um foco de longa data no risco que bactérias resistentes representam para os seres humanos.

Essa tendência no mundo animal acarreta um duplo perigo. A longo prazo, essas bactérias resistentes podem ser transmitidas para as pessoas, criando infecções intratáveis ​​e difíceis de conter. Mas mesmo agora, na indústria da carne, o uso rotineiro de antibióticos está prejudicando a capacidade dos agricultores de criar animais e tratá-los se ficarem doentes.

O problema não é universal. No mundo, os focos de crises da resistência a antibióticos em animais são Brasil, China, Índia, Turquia, Irã, Quênia e várias outras economias emergentes – exatamente os lugares onde a crescente demanda por carne está provocando grandes expansões na criação de animais em escala industrial.

Tudo isso é mostrado em uma análise complexa publicada hoje na Science, produto de quatro anos de trabalho onde uma equipe multinacional de pesquisadores juntou mais de 900 estudos publicados entre 2000 e 2018. Ao longo desses anos, a proporção de bactérias que não mais reagiram a muitos dos medicamentos usados ​​para tratá-las triplicaram. Essas bactérias foram coletadas de porcos e galinhas, os animais criados em cativeiro para consumo mais importantes do mundo em desenvolvimento.

“Todo mundo fala sobre resistência a antibióticos em humanos, mas ninguém fala sobre resistência a antibióticos em animais”, diz Ramanan Laxminarayan, diretor do Center for Disease Dynamics, Economics & Policy em Washington, DC (EUA), e principal autor do artigo. “No entanto, existem muito mais animais do que humanos no planeta, e eles são essenciais para a subsistência em todo o mundo em desenvolvimento. Se não formos capazes de tratar animais doentes, isso terá um enorme impacto na pobreza global.”

O problema parte de uma maneira de usar antibióticos que é ao mesmo tempo comum e surpreendentemente pouco conhecida. Os antibióticos são adicionados à ração dos animais, acelerando seu crescimento e impedindo-os de adoecer em celeiros e confinamentos lotados. Possivelmente três quartos de todos os antibióticos dispensados ​​no mundo são usados ​​dessa maneira – que não é da mesma forma usada ​​em seres humanos, onde o objetivo das drogas é curar infecções, não evitá-las.

Esse uso indiscriminado de antibióticos remonta ao surgimento dessas drogas e tem sido um ponto delicado da política na maior parte do tempo. A prática é arriscada, porque sempre que os antibióticos são implantados, o mundo microbiano reage a eles com mutações defensivas que protegem as bactérias de serem mortas. Também é preocupante porque as bactérias presentes nos animais são as mesmas – Salmonella, Campylobacter, E. coli – que causam doenças nos seres humanos. Se um medicamento perde sua eficácia nas fazendas, também não funciona para curar a infecção de uma pessoa.

A maior parte da atenção dada ao uso de antibióticos em animais se concentrou na ameaça que a resistência criada pela pecuária causa aos seres humanos. Um exemplo: como muitos medicamentos perderam sua eficácia, a medicina teve de recorrer a antibióticos utilizados anos atrás. Cerca de uma década atrás, os médicos que precisavam de um antibiótico de último recurso recorreram a um antibiótico antigo, mas ainda eficaz, chamado colistina, para curar infecções altamente resistentes. Então, em 2015, os pesquisadores descobriram que a resistência à colistina estava se espalhando pelo mundo. O motivo acabou sendo a agricultura: a China e a Europa estavam usando milhares de toneladas dos medicamentos para impulsionar a produção de suínos. Desde então, o governo chinês baniu a colistina de sua agricultura – mas o gene que cria a resistência à colistina se espalhou para dezenas de países em todo o mundo.

Laxminarayan e seus colegas estavam convencidos de que a resistência criada pela pecuária estava representando um perigo equivalente ao gado, mas – ao contrário da medicina humana – não havia dados o suficientes para ajudá-los a provar isso. A vigilância da resistência nas fazendas é irregular e politicamente sensível. Eles se voltaram para a pesquisa de projetos individuais nos quais os pesquisadores mediam a resistência em animais e carne.

Eles acabaram encontrando milhares de estudos publicados em vários idiomas, um conjunto que depois reduziu para 901, porque nesses os métodos utilizados eram mais robustos. As pesquisas foram realizadas em 822 locais em todo o mundo e coletivamente relataram análises de 285.496 amostras coletadas em animais.

Processados ​​em conjunto, as pesquisas revelaram taxas crescentes de resistência em animais em uma ampla faixa de antibióticos. Isso inclui os medicamentos mais novos e mais complexos que substituíram os mais antigos e mais baratos, deixados de lado pela resistência. Os maiores aumentos da resistência pareciam ocorrer em partes do mundo em que a agricultura em escala industrial se expandiu, mas a regulamentação não se manteve. Embora, para alguns países, isso tenha sido difícil de provar: alguns dos maiores países produtores de carne tinham poucos dados disponíveis.

A amplitude do problema preocupa Lance Price, um microbiologista e diretor-fundador do Antibiotic Resistance Action Center da Universidade George Washington, cujo trabalho é focado no uso de antibióticos na produção de alimentos para animais. (Ele não esteve envolvido no estudo.)

Ele ressalta que os patógenos mais virulentos e multirresistentes emergem quase por acidente, através do acúmulo fortuito de algumas peças de material genético dentro de uma única bactéria. Essas combinações ocorrem apenas quando muitos antibióticos estão sendo usados ​​em muitos animais ao mesmo tempo e, até recentemente, elas eram raros. “Mas se você usa antibióticos em bilhões de animais em todo o mundo, está criando a oportunidade de eventos raros não serem mais raros”, diz Price. “Isso cria muitas possibilidades para novos elementos de resistência surgirem”.

Uma razão pela qual a agricultura nos países em desenvolvimento depende tanto de antibióticos é que eles permitem que as fazendas operem em margens reduzidas, sem gastar fundos escassos em cuidados veterinários ou contenção de doenças. Mas a falta de higiene animal e a biossegurança precária não apenas criam as condições que exigem antibióticos – elas também permitem que as bactérias saiam das fazendas para o mundo inteiro, aumentando as chances de que bactérias resistentes transmitam para e adoeçam os humanos também.

Se há um ponto positivo na análise, é que ela esclarece não apenas onde o uso indevido de antibióticos é um problema, mas também onde não é um – ainda. Por exemplo, pesquisas da África Subsaariana mostraram que as taxas de resistência ainda eram baixas na maioria dos países. Isso pode ser um sinal de que a agricultura animal não se intensificou tanto quanto na Ásia e que pode haver tempo para influenciar esses países a seguir um caminho diferente.

“Não devemos considerar os países de baixa e média renda como um único grupo”, diz Thomas Van Boeckel, epidemiologista da ETH Zurich e o primeiro autor do artigo. “Alguns países estão em estado alarmante, mas outros não enfrentam grandes problemas.”

Essa diversidade também pode indicar onde a pressão política pode fazer maior diferença. Há três anos, a Assembleia Geral das Nações Unidas realizou uma reunião sobre o problema do uso indevido de antibióticos na medicina e na agricultura, ouvindo de representantes de alguns países que alimentar o próprio povo era uma prioridade muito maior do que cuidar da saúde pública global.

Saber quais países ou locais são pontos críticos de resistência e concentrar esforços neles pode ajudar a aliviar essa tensão. Poderia reforçar a agricultura em pequena escala em áreas onde os animais são críticos para a sobrevivência das famílias. E pode dar aos investidores internacionais, para não mencionar as nações ricas, alguma orientação sobre onde seus fundos poderiam oferecer mais ajuda.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.