A série Cosmos: Uma Viagem Pessoal, escrita por Carl Sagan e Ann Druyan, falou sobre ciência e história da ciência como nenhum outro programa de televisão o tivesse feito antes. Vista por mais de 500 milhões de pessoas em dezenas de países, ela transcendeu o conhecimento dos que assistiram, mostrando a ciência com outros olhos e retirando o estereótipo de cientista maluco que as televisões da época frequentemente mostravam às pessoas leigas, devido a ascensão das bombas atômicas.
Depois do indelével sucesso da série, que liderou durante vários anos a audiência da emissora PBS, Carl ganhou notória autoridade para falar de ciência e assuntos sociais nas programações diárias dos canais de televisões dos Estados Unidos.
Devido ao grande impacto da série, Carl e Ann planejavam criar um livro e, respectivamente, uma série que desse continuidade ao belíssimo trabalho que eles fizeram juntos na série Cosmos, com o tema relacionado às implicações espirituais causadas pela revolução científica.
“Ann e Dr. Sagan haviam planejado usar suas palestras de Gifford como base para um novo show de televisão chamado “Ethos”, uma sequência de Cosmos, sobre as implicações espirituais causadas pela revolução científica”, de acordo com Dennis Overbye, no site New York Times, em 2006.
Carl fazia profundos pensamentos sobre as religiões e os deuses no papel das civilizações na história e levou o significado de espiritualidade a sério. Utilizou em seu livro O Mundo Assombrado pelos Demônios o argumento de que “a ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade”. O contexto dessa frase pode ser encontrado na tradução do latim da palavra espírito, que significa “respirar”. De fato, respiramos. E, como dizia ele, respiramos matéria. Não necessariamente a palavra teria que ser levada como alguma experiência fora da realidade, uma experiência “imaterial”. Mas sim, como algo que transcendia, algo que nos deixasse próximos do Cosmos e de conhecermos nossas próprias origens.
Para Carl, a seleção natural das espécies, proposta por Charles Darwin e Alfred Wallace, era uma experiência muito mais profunda e espiritual do que qualquer outro mito que alguma civilização tivesse criado para satisfazer seus desejos subjetivos de ser uma espécie criada separadamente das outras. A ideia de criação, também, era profundamente errônea. Para ele, o único jeito de conhecermos nossas próprias origens, é abraçar verdadeiramente as revelações que a ciência nos proporciona.
Devido às ações terroristas de fundamentalistas religiosos nas Torres Gêmeas, em 2001, levando a uma guerra no oriente médio, que nos faz lembrar das cruzadas do passado, e a luta dos religiosos inconsequentes dos EUA para retirar as aulas de evolução das escolas, a impaciência de Ann Druyan chegou ao limite. Essa impaciência levou Ann a ressuscitar palestras antigas de Carl e a lançar o livro “Variedades da Experiência Científica: Uma Visão Pessoal da Busca por Deus“, onde Carl demonstra o papel da religião e da ciência na sociedade e assimila ambas a um mesmo objetivo.
Carl reconhecia o papel da religião como geradora de esperanças na luta pelos direitos civis, mudanças climáticas e a redução do acervo de armas nucleares no mundo. A religião já não faz mais o papel de ditar o mundo, como fazia antes. Hoje, seu papel na existência deve ser o de unir e lutar pela sobrevivência da espécie humana, ajudando a construir um mundo melhor para as novas gerações. O vaticano está muito mais aberto ao diálogo e unido com a ciência hoje do que no passado; o papa Francisco está tão ativo na luta contra o aquecimento global como qualquer outro ativista. Isso é exclusivo na história. Vivemos em um tempo privilegiado, onde a informação está ao alcance de todos e a ciência e a religião unem-se com um só objetivo: manter a espécie humana viva.
Os escritos da série, que estavam junto ao arquivo de onde Ann Druyan retirou as palestras e transformou em livro, se perderam no tempo. Carl Sagan morreu sem nunca poder realizar a criação da série que apenas ele conseguiria proferir e nos interligar ainda mais ao Cosmos.
Carl e seus escritos podem ter morrido, mas suas ideias viverão por muito tempo. E, quem sabe um dia, algum aventureiro desconhecido possa dar continuidade ao trabalho que ele não teve a chance de sintetizar à nossa espécie.