Saudações racionalistas! O texto que se segue mostra um ótimo trabalho do Professor Dr. Fernando de Mello Gomide, ex-docente do ITA de São José dos Campos (SP) e pesquisador do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Católica de Petrópolis (RJ). Que faz um resumo das diversas correntes filosóficas e de filósofos que, como um todo, fazem parte do que é muito conhecido no meio acadêmico (tanto nacional como internacional) como “movimento anticiência”. Deixarei claro que este movimento não se trata, obviamente, de um grupo – ou grupos – de ação deliberada e que visa tolher a ciência de todas as formas possíveis.
Este trabalho simplesmente abordará ao longo do tempo, como este movimento foi nascendo no próprio seio da história e filosofia da ciência. Apesar de começar da Antiguidade de Aristóteles – e atribuir ao pensador grego, uma responsabilidade pelo desembocar de tal movimento -, o trabalho foca-se no contexto do século XV aos filósofos da segunda metade do século passado que passaram a falar em uma “pós-modernidade”. Chegando aos nomes de filósofos – ou sedizentes filósofos, como no caso de Olavo de Carvalho – que são muito conhecidos na atualidade.
Visaremos com o presente trabalho do autor, tentar esclarecer a parte anticientífica (ou radicalmente cética) que encontra-se em evidência tanto na história como na filosofia da ciência. De modo a fazer com que aqueles que reconhecem o valor dessas disciplinas, tentem exercer um construtivo ceticismo nesses ramos e busquem o que neles há de exato. Rumando cada vez mais à mentalidade e afinidade – como um todo – para com a ciência, sua história e sua filosofia.
Boa leitura a todos!
Comunicação apresentada no Colóquio sobre Pós-Modernidade e Anticiência realizado em Set/97 na UCP.
Universidade Católica de Petrópolis
Instituto de Ciências Exatas e Naturais
Janeiro 2001
Fernando de Mello Gomide
RESUMO
A Física e a Astronomia de Aristóteles foram destronadas nos séculos XIII e XIV, devido especialmente à escola franciscana. Entretanto do século XV ao XVII, foram reinstaladas na escolástica, com a responsabilidade principal do Papa Nicolau V e dos dominicanos. A poderosa influência de Aristóteles daí decorrente, exercida sobre filósofos católicos e não-católicos, determinou uma generalizada hostilidade face à ciência nas várias escolas do pensamento filosófico ao longo dos séculos até nossos dias.
ABSTRACT
Aristotle’s physics and astronomy which were dethroned during the XIIIth and XIVth centuries, specially by the Franciscan School, were nevertheless reinstalled in scholasticism from the XVth to the XVIIth centuries. The chief responsability for that falls on Pope Nicholas V and the Dominicans. The powerful influence of Aristotle thereof was exerted on Catholic and non-Catholic philosophers alike, and that has determined an overall hostility towards science among the various schools of philosophical thought along subsequent centuries till our days.
Certos filósofos escolásticos assim como filósofos não-católicos, pontificam parvoices empiristas, indutivistas e positivistas a propósito do conhecimento científico e mostram, como ADORNO, HORKHEIMER e HABERMAS, um inconfundível ódio à Ciência. Em meu livro “Filósofos, Cientistas e Anticiência”, (1) cito declarações absurdas desses filósofos. Também transcrevo trechos de certo prelado brasileiro em que afirma que nós físicos deixamos a “realidade totalmente depenada e oca”. Isto lembra o filósofo católico alemão não-escolástico FRITZ JOACHIN VON RINTELEN, que afirmava na década de 50, que físicos têm “intelecto inferior” e suas realizações científicas são positivismo e favorecem o ateísmo. Observemos que eles agravam sua ignorância sobre Ciência com uma atitude antiética, já que exibem desprezo e insultos. Bem, dois católicos com um nível ético não muito diferente daquele dos marxistas ADORNO e HORKHEIMER, que vociferam doestos contra os pesquisadores científicos. (1)
Um exemplo superlativo de ignorância em matérias científicas e pretensão, aparece mais recentemente no brasileiro não-católico OLAVO DE CARVALHO adepto de ARISTÓTELES e do esotérico RENÉ GUÉNON. Em sua ignorância de história das ciências sentencia que o CARDEAL NICOLAU DE CUSA foi o iniciador da Física Matemática. (2) Ele raciocina com a incompleta lógica finitista aristotélica, visando a refutar as teorias de GEORG CANTOR sobre os conjuntos e os números transfinitos. (2) Lembremo-nos que CANTOR, judeu católico, foi um dos mais geniais matemáticos de todos os tempos. Conheço essas teorias de CANTOR e posso atestar que as críticas de OLAVO DE CARVALHO são próprias de quem está agrilhoado a ARISTÓTELES e à gnose de RENÉ GUÉNON. No mais perfeito estilo dos pós-modernos multiplica suas ofensas aos cientistas, especialmente físicos, astrofísicos e astrônomos, porque estes matematizam a realidade, matematização esta que o autor tem em horror. Dou apenas alguns exemplos. Estes:
“A ‘exatidão matemática’ da visão científica da natureza desemboca assim, no oceano ilimitado da pura fantasia, ao mesmo tempo que, com arrogância patológica, legisla sobre a realidade ou irrealidade dos demais conhecimentos, ora negando o senso comum, ora invalidando as percepções intuitivas…” “A Ciência fecha-se num solipsimo incomunicável…” “A cosmovisão científica, em sua renúncia a nos dar qualquer conhecimento do mundo real da experiência… (2)
“Uma certa perda do senso da realidade parece uma doença profissional crônica dos cientistas; sobretudo dos físicos, astrofísicos, astrônomos, matemáticos, etc, acostumados a viver num universo de concepções admitidamente fictícias, coeridas somente pelo convencionalismo de uma regra de jogo”. (2)
Notemos como esta última sentença consubstancia a falsa concepção positivista de Ciência, desposada por MARITAIN, VON RINTELEN e tantos filósofos católicos escolásticos e não-escolásticos. O vitriólogo requisitório do autor contra a Ciência está lavrado no mais puro estilo dos pós-modernos.
Os pós-modernos, que arregimentam especialmente sociólogos e filósofos de má cepa como VON RINTELEN, HABERMAS, ADORNO, KARL-OTTO APEL, etc, possuem uma visão da Ciência que se resume em radical positivismo. O excelente filósofo das Ciências argentino MARIO BUNGE, da Universidade McGill no Canadá, fala de modo especial sobre a “Construção Social da Ciência” pelos sociólogos do pós-modernismo e diz deles:
“… they are dogmatic like their philosophical mentors”. (3)
“… their hatred of reason and science – which they conveniently dub ‘positivism’”. (3)
A Academia de Ciências de Nova York, refletindo a preocupação da comunidade científica face ao efeito peçonhento do movimento Anticiência, realizou um simpósio sobre o tema em 1996. Esse simpósio foi participado por um número não pequeno de cientistas e filósofos da Ciência, tendo MARIO BUNGE apresentado uma comunicação em que trata da Anticiência cultivada nos meios sociológicos da pós-modernidade, assim como das pseudociências, vg, astrologia, parapsicologia, psicanálise, ufologia, etc. (4)
Em seu trabalho ele ressalta o fato novo a partir de 1960, pelo qual a Anticiência e a fuga da razão com o cultivo do irracionalismo do subjetivismo, tivera seu desenvolvimento a partir dos departamentos de humanidade das universidades. Quer dizer: dentro da cidadela da razão e do espírito de pesquisa, existem a partir dos anos 60, setores que se opõem vigorosamente ao estatuto epistemológico fundamental da seriedade da razão humana em sua procura da verdade. Atrás da bacanal sociológica pós-moderna está a influência de certos pensadores em evidência na Filosofia do século XX. MARIO BUNGE destaca o criador da fenomenologia EDMUND HUSSERL e seu discípulo o nazista MARTIN HEIDEGGER. BUNGE aponta várias passagens em que estes filósofos agridem a racionalidade científica. A título de ilustração vou citar umas sentenças de HUSSERL num de seus manuscritos traduzido em 1956 por PAOLO VALORI da Pontifícia Universidade Lateranense. Diz o inventor da fenomenologia:
“… a evidência técnica que se encontra no exercício artificial da teorização ‘científica’, apoiada sobre aquisições e idealização de estruturas do mundo da vida…”
“… e a Ciência resta assim suspense num espaço vazio sobre o mundo da vida, como simples ingenuidades sensíveis…”
“A Ciência e o mundo sensível… devem ser tratados universalmente como duvidosos, como se enfim, eles não tivessem valor de verdade”. (5)
MARIO BUNGE se refere a várias passagens do “Cartesianische Meditationen” em que HUSSERL ataca a Ciência. Creio que com muita razão, BUNGE caracteriza as intelecções de HUSSERL como “opacidade” e que estão em extrema oposição à objetividade das Ciências. Ele considera as “fantasias delirantes” de HUSSERL como exemplo da “decadência da Filosofia alemã”.
Com respeito a HEIDEGGER, MARIO BUNGE, com razão, se mostra mais veemente. Ele diz que HEIDEGGER, não contente em “writing nonsense and torturing the German language heaped scorn on ‘mere science’”. Acredito que BUNGE tem razão quando equaciona a Anticiência em Heidegger com sua ideologia nazista, da qual ele não se arrependeu. Eis o que diz a propósito:
“Heidegger was a Nazi ideologist and militant, and remained unrepentant until the end. (No mere coincidence here: the training of obedient soldiers ready to die for an insane criminal cause starts by discouraging clear critical thinking). In short, existentialism is no ordinary garbage: it is unrecyclable rubbish”. (4)
BUNGE quando fala do nacional-socialismo impenitente de HEIDEGGER, aponta sua obra “Introdução à Metafísica”, curso de 1935 publicado pela primeira vez em 1953, portanto, oito anos depois do fim da 2ª Guerra Mundial. Pois bem: neste livro HEIDEGGER elogia o nazismo, após a operação fraudulenta para inocentar o filósofo alemão. Nessa empulhação, o historiador HUGO OTT da Universidade de Freiburg, em 1991, de posse da nova documentação reveladora, mostra como a intelectualidade francesa em especial, e outros europeus, se mobilizaram para decretar que o “grande filósofo” não fora efetivamente nacional-socialista. (6)
Até católicos como MARITAIN e o arcebispo GRÖBER contribuíram para desinfectar HEIDEGGER da grave acusação de nazista. Nessa triste e indigna operação está presente a ex-aluna e ex-amante do filósofo, HANNA ARENDT, que obviamente desonrou sua condição de judia. Como é hoje bem sabido, HEIDEGGER quando reitor da Universidade de Freiburg, realizou uma legislação nacional-socialista para as universidades do Terceiro Reich. (6), (7)
Com essa legislação o corpo docente era passado por um rigoroso patrulhamento ideológico. Uma consequência bem conhecida: EDMUND HUSSERL, mestre de HEIDEGGER e seu benfeitor, expulso da Universidade de Freiburg devido a sua condição de judeu. O reitor nacional-socialista, ex-católico, tinha um indisfarçado ódio pelo Cristianismo aliado a seu anti-semitismo ideológico: ele impedia que católicos e judeus iniciassem carreira acadêmica. (6)
Como um autêntico néscio da Anticiência, MARTIN HEIDEGGER identifica Ciência com positivismo, e, sibilinamente agride a Ciência:
“O espírito assim falsificado em intelecto… ou mais geralmente à sistematização e à explicação racional de tudo que se encontra pró-jacente, estabelecido, posto (como no positivismo)… (8)
E, evidenciando sua total ignorância da dinâmica na Física Clássica e na Física Quântica, eructa estas tolices:
“Logo que se estabeleceu o reino do pensamento concebido segundo o racionalismo matemático moderno, não se conhece outra forma de devenir que aquela concebida como mudança de lugar”. “… o movimento, não é concebido como a partir da velocidade: v = e/t”. “A partir daí, podemos medir o que significa a oposição do pensamento ao ser”. (8)
Lembremo-nos que no século XIV na Universidade de Oxford, já se tinha formulado o conceito de aceleração, mais importante na Física do que o de velocidade. As idéias de HEIDEGGER sobre Física são mais antigas de seiscentos anos. Para ele não há pensamento na Física. Sua repulsa pela racionalidade na Ciência (“o espírito falsificado em intelecto”) tem muita afinidade com a dialética hegeliana. É o que se depreende de um artigo seu de 1958 em que endossa a violentação do princípio de não-contradição inerente à dialética do Dr. Frankenstein filosófico, GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL. Nesse artigo diz HEIDEGGER:
“… ele (Hegel) colocou em evidência de maneira irrefutável que nosso pensamento habitual não obedece de modo algum às lei do pensamento, quando, precisamente ele se pretende exato, mas bem ao contrário, as contradiz constantemente. Mas isso não aparece que como uma consequência do estado de fato pelo qual tudo que é tem por fundamento a contradição”. (9)
O matemático NORMAN LEVITT e o biólogo PAUL GROSS fazem uma análise detalhada dos pós-modernos nas universidades americanas, exibindo a ignorância colossal destes sobre Ciência, assim como seus ataques à racionalidade científica. (10)
Esses dois cientistas, como MARIO BUNGE, expressam sua preocupação pelo efeito deletério que esse movimento interno às universidades, pode ter no ambiente cultural e político das nações. Eles mostram que os sociólogos e filósofos do pós-modernismo nos Estados Unidos, são discípulos de um pequeno grupo de filósofos europeus, na maioria franceses. São eles DERRIDA, LYOTARD, BAUDRILLARD e FOUCAULT. Claro, todos eles dentro da sombra projetada por NIETZSCHE e HEIDEGGER. Pois nesses filósofos decadentes domina o irracionalismo, o relativismo gnosiológico, o universal ceticismo, o niilismo e arrogância no julgar assuntos que ignoram, como o conhecimento científico. No tipo de Filosofia pirrônica em que esses franceses nadam, obviamente a consciência de valores se encontra afogada. (11)
Não preciso dizer que essas sumidades da pandegolândia filosófica francesa são alvo do turíbulo de incenso de certa intelectualidade tupiniquim. Exemplo: quando um desses filósofos se suicidou (Gilles Deleuze), alguém daqui declarou à imprensa diária que aquele ato de lamentável desespero fora em vez, morte de autenticidade filosófica. O fanatismo aí consignado é derivativo típico da recusa da seriedade no pensar.
Aqueles como BUNGE, GROSS, LEVITT e outros, quando analisam os escritos dos pós-modernos ficam mal impressionados com o discurso opaco e caótico desses “pensadores”. Vou dar dois exemplos tirados de PAUL VIRILIO e GILLES DELEUZE membros daquela pandegolândia filosófica. Trasncrevo esta frase de DELEUZE:
“Devir não é atingir uma forma (identificação, imitação, Mímesis), mas encontrar a zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de indiferenciação tal que já não seja possível distinguir-se de UMA mulher, de UM animal ou de UMA molécula: não imprecisos nem gerais, mas imprevistos, não-preexistentes, tanto menos determinados numa forma quanto se singularizam numa população”. (12)
De PAUL VIRILIO:
“Já que o movimento cria o acontecimento, o real é cinedramático e o complexo informacional jamais teria alcançado a força que tem agora se não tivesse sido no início uma arte do motor capaz de ritmar sua perpétua modificação das aparências”. (13)
É claro que, para pessoas desse jaez, a linguagem lógico-crítica e lógico-causal da Ciência não pode agradar. E, como são arrogantes, passam a atacar as Ciências e os cientistas.
A atualidade e a gravidade do movimento Anticiência levou a Universidade Católica de Petrópolis, programar um colóquio entitulado: Pós-Modernidade, Anticiência e Anti-Humanismo. Este colóquio foi realizado em Setembro de 1997 e teve a participação de físicos, filósofos, matemáticos e psicólogos. Minha comunicação ao colóquio tratou da origem histórica dessa desordem no pensamento ocidental. Eis em linhas gerais a tese que defendo sobre o tema considerado:
ARISTÓTELES ingressou na cristandade por volta dos séculos XI e XII via Filosofia islâmica. Até então os pensadores da Igreja ignoraram o estagirita e desenvolveram cogitações filosóficas tributárias da Filosofia de PLATÃO, muito superior à do primeiro. Não obstante os estragos peripatéticos terem tido um início nos séculos XII e XIII, a partir especialmente de 1277, a Filosofia de ARISTÓTELES passou a ser muito contestada. Sua Física e sua Astronomia foram destronadas do século XIII ao século XIV. Os historiadores das Ciências e cientistas historiadores, como por exemplo PIERRE DUHEM, ALISTAIR CROMBIE, COLIN RONAN, MARSHALL CLAGETT, EDMUND WHITACKER, testemunham o fato de que a revolução científica do século XVII, fora preparada nos séculos XIII e XIV, via precursores do século XV como LEONARDO DA VINCI e o CARDEAL NICOLAU DE CUSA. O colapso da Ciência aristotélica na Idade Média teve muito a ver com o agostinismo da ordem franciscana, que valorava o princípio epistemológico antiaristotélico da matematização da realidade, assim como não seguia a gnosiologia peripatética do empirismo sensualista e indutivista.
O grande psiquiatra judeu austríaco VICTOR FRANKL (+1997) em sua pesquisa histórica sobre a origem da Física Matemática Moderna, destaca de modo especial o papel da Filosofia platônico-agostiniana na ordem franciscana, cujos membros foram os principais responsáveis pelo colapso da Física e da Astronomia aristotélicas na Idade Média. (14)
Quero citar nomes de destaque de investigadores medievais, que torpedearam a Ciência do estagirita dos quais vários são franciscanos. Lembro que importantes nomes dessa lista, não obstante terem sido seculares, participaram da chamada Escola Terminista criada pelos franciscanos. São eles: ROBERT GROSSETESTE, ROGER BACON, STO. ALBERTO MAGNO, DUNS SCOT, JEAN BURIDAN, NICHOLAS ORESME, WITELO, ALBERTO DE SAXÔNIA, JORDANO DE NÊMORA, MARSILIO DE INGHEN, DIETRICH DE FREIBERG, BERNARD DE VERDUN, RICHARD OF MIDDLETOWN, RICHARD SWINESHEAD, WILLIAN HEYTESBURY, JOHN DUMBLETUN. Com exceção de WITELO, da Universidade de Cracóvia, os outros pertenceram às Universidades de Paris e Oxford, as principais universidades nesse movimento de criação de novas idéias epistemológicas na Física e na Astronomia.
Mas com a decadência social, política e intelectual que se desencadeou do século XIV ao XV, esse brilhante movimento filosófico e científico sofreu um sério recuo como nos mostra PIERRE DUHEM. (15)
Esse retrocesso foi especialmente incoado por uma vigorosa ação do PAPA NICOLAU V (séc. XV) no sentido de impor à cristandade as avoengas idéias de ARISTÓTELES. A Universidade de Paris, principal responsável nos séculos XIII e XIV, pela queda da Física e Astronomia do estagirita, foi, por um decreto Papal, obrigada a seguir um currículo rigorosamente aristotélico. Em 1542 foi sancionada a bula, e, o CARDEAL D’ESTOUTEVILLE enviado de NICOLAU V, tornou-se o responsável pela efetivação da mesma. Uma nova escolástica retrógrada tem origem no século XV, em que ARISTÓTELES se torna um ídolo venerável. Diz DUHEM:
“… une autre école menait une réaction contre la physique des Buridan des Oresme et de leurs successeurs; elle prétendait reprendre, sur tous les points, la doctrine désormais condamné d’Aristote et de ses commentateurs grecs et arabes; et cette école rétrograde se mettait sous le patronage de Saint Thomas d’Aquin; en sorte qu’on voyait, dès ce moment, la routine têtue, le sot attachement aux erreurs condamnés du passé, profaner, par leur audace à s’en autoriser, le nom du Docteur Communis…” (15)
Eis a “Filosofia Aristotélica-Tomista” criada na Renascença e que infesta a Igreja até o século XX.
Um exemplo dos seguidores dessa escola pseudo-tomista, o dominicano JEAN VERSORIS, indivíduo medíocre, produziu muitos textos filosóficos baseados naquele currículo imposto por NICOLAU V e que foram muito difundidos, especialmente na Alemanha. (15)
Do século XV ao XVII, dominicanos principalmente, aristotelizaram pesadamente a Filosofia de STO. TOMÁS. Cito os nomes de CAPREOLUS (séc. XV), TOMÁS DE VIO (Cardeal Cajetano) (séc. XVI) e JOÃO DE STO. TOMÁS (séc. XVI-XVII), como personagens salientes na fabricação da Filosofia “aristotélico-tomista”, ou seja: pseudo-tomismo.
O tomista contemporâneo Pe. CORNELIO FABRO, como profeta pregando no deserto, tem veementemente denunciado essa aristotelização de STO. TOMÁS pelos renascentistas. (16)
Assim pois, as universidades da Renascença passaram a ser dominadas pela múmia de ARISTÓTELES (17) e contemplamos aí a perseguição aos cientistas que desacreditavam o estagirita, como COPÉRNICO, TYCHO BRAHE, GALILEU, AMBROISE PARÉ, WILLIAM HARVEY. (18)
Noto que essa escolástica aristotelizada dominava também as universidades protestantes. O fenômeno Anticiência estava pois desencadeado em toda a comunidade filosófica. Obnubilados pelo farol da Ciência Aristotélica, a Filosofia no meio católico assim como no ambiente universitário protestante, só podia julgar a Ciência, sobretudo a Física e a Astronomia, com as categorias do empirismo indutivista e do positivismo. Aberto pois o caminho para os julgamentos néscios sobre o conhecimento científico. O “affair” GALILEU é exemplo paradigmático, onde a “hipótese” ficção matemática da escolástica aristotelizada, dominou as lucubrações daqueles ignorantes peripatéticos do Sto. Ofício.
O jesuíta belga JOSEPH MARÉCHAL, assim como o jesuíta britânico FREDERICK COPLESTON nos informam que a escolástica renascentista, principalmente a Filosofia aristotélica do jesuíta espanhol FRANCISCO SUAREZ (séc. XVI), tiveram profunda penetração nas universidades protestantes. (19), (20)
Representantes típicos disso são THOMAS HOBBES, JOHN LOCKE e FRANCIS BACON. Estes empiristas criticam a escolástica aristotélica que encontraram nas universidades britânicas não-católicas, mas fazem epistemologia conforme os padrões de ARISTÓTELES: empirismo sensualista, indutivismo, antimatematismo, e, of course, negam toda aprioridade dos primeiros princípios. (21), (22)
FRANCIS BACON (23), em sua arrogante auto-suficiência, nega que no passado se tenha de fato realizado pesquisa científica, pois seu método “novo”, seria aquele que iria tornar efetivas as descobertas científicas. Acontece que ele repete o cediço método indutivo do estagirita, e, ainda nos passos de ARISTÓTELES, afirma que a matemática contamina e corrompe a Física, denigre os astrônomos e rejeita o heliocentrismo como “hipótese arbitrária”, além de utilizar uma linguagem própria ao alquimista do que a do pesquisador científico. (23)
Os historiadores FRANCES YATES e CHARLES WEBSTER mostram que o LORD CHANCELLOR estava dentro da tradição hermética e alquímica da Renascença. (24), (25)
Mas à hostilidade dos filósofos face à Ciência, devemos ainda incluir aquela dos humanistas, que, eivados de mitologia e esoterismo, fruto do culto ao paganismo antigo na Renascença, insultavam físicos e matemáticos. Menciono os nomes de ERASMO DE ROTERDAM (26) e MICHEL DE MONTAIGNE. (27)
O requisitório de ERASMO (séc. XV-XVI) contra a Ciência é praticamente o mesmo exibido por JEAN ROUSSEAU no século XVIII, (28) incluindo ainda crítica a KEPLER e NEWTON.
A Anticiência no meio filosófico se projeta como vimos nos exemplos acima, no domínio dos literatos. O século XVIII recebeu a mentalidade indutivista da escolástica, especialmente popularizada por HOBBES, LOCKE e BACON, o que levou ao que parece, DAVID HUME (séc. XVIII) estabelecer um casamento antinatural de BACON com NEWTON. (29)
A noção falsa de Ciência veiculada pelos escolásticos e os ridículos “philosophes” da Enciclopédia, parece-me, pelos dados históricos disponíveis, ter favorecido a atitude Anticiência, que sistematicamente transmite a noção indutivista e positivista do conhecimento científico. Isto, como vimos antes, é bem focalizado por MARIO BUNGE.
Não querendo me alongar no assunto, apenas cito do século XVIII os nomes de BERKELEY, GOETHE, DIDEROT, BERNARDIN DE ST. PIERRE e SCHOPENHAUER como corifeus da Anticiência. No século XIX podemos mencionar HEGEL, SCHELLING, AUGUST COMTE, EDGAR ALLAN POE, NIETZSCHE, que vomitam destampatórios contra físicos e astrônomos, não tão violentos quanto os do brasileiro OLAVO DE CARVALHO que citei antes.
O jugo de ARISTÓTELES sobre os filósofos ao longo da história, (30) implodindo na Renascença para um buraco negro de pensamento medíocre e retrógrado, tem a ver com a origem aviltante da chamada “filosofia moderna” (do séc. XVII ao XX), charco de delírios empiristas e idealistas, base da hostilidade à racionalidade científica.
Bibliografia:
(1) F.M. Gomide. Filósofos, Cientistas e Anticiência. Ed. Albert Einstein, Curitiba, 1996.
(2) Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. Diadorim Editora Ltda, 1995, pp. 174, 192, 183, 190.
(3) Mario Bunge. Counter-Enlightenment in Contemporary Social Studies. Challenges to the Enlightenment, Prometheus Books, N.
York, 1994.
(4) Mario Bunge. In Praise of Intolerance to Charlatanism in Academia. Annals N. York. Ac. Sci., Vol. 775, p. 96, 1996.
(5) Paolo Valori. Inèdits Husserliens… La Philosophie de L’Histoire de la Philosophie. Univ. di Roma, Lib. Philos. Vrin., Paris, 1956.
(4) Mario Bunge. In Praise of Intolerance to Charlatanism in Academia. Annals N. York. Ac. Sci., Vol. 775, p. 96, 1996.
(6) Hugo Ott. Martin Heidegger. A Political Life. Harper-Collins Pbs. Ltd., London, 1996.
(7) Elzbieta Ettinger. Hanna Arendth-Martin Heidegger. J. Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1996.
(6) Hugo Ott. Martin Heidegger. A Political Life. Harper-Collins Pbs. Ltd., London, 1996.
(8) M. Heidegger. Introduction à la Métaphysique. Presses Universitaires de France, Paris, 1958.
(9) M. Heidegger. Principes de la Pensée. Arguments, N. 20, 1960.
(10) P.R. Gross, N. Levitt. Higher Superstition. The Academic Left and its Quarrels with Science. The Johns Hopkins Univ. Press.,
Baltimore, 1994.
(11) Francisco Guerrero Ortega. El Ultimo Proyecto de Foucalt; Una Rehabilitación de la Amistad. Veritas (PUCRS), Vol. 42, p. 105,
1997.
(12) Idéias e Livros. Jornal do Brasil, 27/04/1996.
(13) Idéias e Livros. Jornal do Brasil, 04/05/1996.
(14) Victor Frankl. El Augustinismo Franciscano del Siglo XIII como Raiz de la Fisica Matematica Moderna. Bolivar, N. 16, Bogotá.
(15) Pierre Duhem. Le Système du Monde. Histoire des Idées Cosmologiques de Platon à Copernic. T. X. Hermann, Paris, 1958, pp. 7-
131.
(15) Pierre Duhem. Le Système du Monde. Histoire des Idées Cosmologiques de Platon à Copernic. T. X. Hermann, Paris, 1958, pp. 7-
131.
(16) Cornelio Fabro, C.P.S. Participation et Causalité selon S. Thomas d’Aquin. Pub. Univ. de Louvain, 1961.
(17) E.J. Dijksterhuis. The Mechanization of the World Picture. Oxford, 1964.
(18) F.M. Gomide. Diálogo entre Filosofia e Ciência. Presença Edições, Rio de Janeiro, 1990.
(19) J. Maréchal, S.J. Précis d’Histoire de la Philosophie. T.1, Desclée, Paris, 1951.
(20) F. Copleston, S.J. A History of Philosophy. Vol. III, Image Books, N. York, 1985.
(21) Thomas Hobbes. Leviatã. 1ª Parte, Caps. I, II, III, V.
(22) John Locke. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. L. I, Caps. I, II, III; L. II, Caps. I, II, III, IV, V, XIII.
(23) F. Bacon. Novum Organon. L. I, af. XCVI, af. LX; L. II, af. III, af. IV, af. XXXVI, af. XLVI, af. LXVIII.
(24) Frances Yates. The Rosicrucian Enlightenment. Barnes and Noble Books, N. York, 1996.
(25) Charles Webster. From Paracelsus to Newton. Barnes and Noble Books, N. York, 1996.
(26) Erasmo de Roterdan. Elogio da Loucura.
(27) M. de Montaigne. Ensaios, L. II, Cap. XII.
(28) J². Rousseau. Discurso sobre as Ciências e as Artes. 1ª Parte, 2ª Parte.
(29) D. Hume. Investigação sobre o Entendimento Humano. S. IV, Parte I.
(30) F.M. Gomide. Exemplos do Jugo de Aristóteles na Filosofia e na Ciência. Reflexão (PUCCAMP), N. 64-65, pp. 154-185, 1996.
Edição e Introdução ao Trabalho: Glauber Frota
Fonte: http://www.ihp.org.br/lib_ihp/docs/fmg19970900.htm