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Antiga ‘tábua de maldição’ pode estar mostrando o nome hebraico mais antigo do Deus judaico-cristão

Por Tom Metcalfe
Publicado na Live Science

Arqueólogos que trabalham na Cisjordânia disseram ter descoberto uma pequena “tábua de maldição”, pouco maior que um selo postal, inscrita com letras antigas em uma forma primitiva de hebraico que pede a Deus para amaldiçoar um indivíduo que violar sua palavra.

Embora a datação não tenha sido verificada e a descoberta ainda não tenha sido publicada em um periódico revisado por pares, seus descobridores acham que a pequena tábua tem pelo menos 3.200 anos. Isso tornaria a inscrição o texto hebraico mais antigo conhecido por várias centenas anos, e o primeiro a conter o nome hebraico de Deus, disseram eles.

No entanto, vários arqueólogos que não estiveram envolvidos com a descoberta dizem que não podem avaliar a descoberta até que os detalhes sejam publicados em uma revista científica; e pelo menos um especialista adverte que a pequena tábua pode não ser tão antiga quanto seus descobridores afirmam.

Arqueólogos estimam que a “tábua da maldição”, feita de uma camada de chumbo e inscrita com caracteres proto-alfabéticos, pode ter pelo menos 3.200 anos. Créditos: ABR / Michael C. Luddeni.

O líder do projeto, Scott Stripling, arqueólogo e diretor de escavações da Associates for Biblical Research (ABR – Associados para Pesquisa Bíblica, na tradução livre), com sede nos EUA, disse à Live Science que sua equipe encontrou a tábua da maldição no alto do Monte Ebal, ao norte da cidade de Nablus, em dezembro de 2019.

Stripling e seus colegas anunciaram a descoberta em uma coletiva de imprensa em Houston, Texas (EUA).

Detalhes da tábua – um pedaço feito com uma camada de chumbo com cerca de 2,5 de altura por 2,5 centímetros de largura – serão publicados em uma revista arqueológica ainda este ano, mas a equipe queria fazer o anúncio antes das notícias sobre o objeto vazarem, disse Stripling.

A pilha de detritos, onde a tábua foi encontrada, parece ser de escavações na década de 1980 do Altar de Josué no Monte Ebal, que se acredita datar entre os séculos 11 e 14 a.C. Créditos: Zstadler / Wikimedia Commons.

Quarenta letras proto-alfabéticas, inscritas em uma forma primitiva do hebraico ou cananeu nas superfícies externa e interna da tábua de chumbo, advertem o que aconteceria se alguém sob uma aliança – um acordo juridicamente vinculativo – não cumprisse suas obrigações.

“Amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado – amaldiçoado pelo Deus Yahweh”, diz a inscrição, usando uma forma de três letras do nome hebraico de Deus que corresponde às letras do alfabeto latino YHW.

A inscrição de 40 caracteres proto-alfabéticos nas superfícies interna e externa da tábua de chumbo parece incluir uma versão de três letras de Yahweh, um dos nomes hebraicos de Deus. Créditos: ABR / Gershon Galil.

Tábua de maldição

Stripling e sua equipe encontraram a placa da maldição por um processo de “peneiração úmida” do material – isto é, lavagem de sedimentos com água – que havia sido descartado durante as escavações arqueológicas no Monte Ebal na década de 1980.

Essa pilha de sedimentos em particular provavelmente era o material descartado das escavações da antiga estrutura de pedra chamada “Altar de Josué”, no alto de uma crista da montanha, disse ele.

Alguns pensam que a estrutura pode ser onde a figura bíblica Josué – o sucessor de Moisés como líder dos israelitas – sacrificou animais a Deus, enquanto outros pensam que é um altar de sacrifício da Idade do Ferro, várias centenas de anos depois.

A estratigrafia do local – em outras palavras, as datas de diferentes camadas de terra determinadas por escavações arqueológicas – sugerem que a tábua data de cerca de 1200 a.C., no máximo, e talvez até 1400 a.C., disse Stripling.

Uma análise dos isótopos químicos do chumbo usado na tábua mostra que ela veio de uma mina na Grécia que estava ativa durante esse período, e as primeiras letras proto-alfabéticas – algumas das quais ainda têm formas derivadas de símbolos pictóricos anteriores, ou hieróglifos — correspondem às datas presumidas.

O Monte Ebal, ao norte da cidade de Nablus, na Cisjordânia, é dito em uma passagem bíblica como um dos primeiros locais em Canaã vistos pelos antigos israelitas. Créditos: Someone35 / Wikimedia Commons.

De acordo com o Livro de Deuteronômio na Bíblia hebraica, o Monte Ebal foi um dos primeiros locais em Canaã vistos de longe pelos antigos israelitas depois de terem sido conduzidos por um deserto oriental por Moisés.

Em uma passagem bíblica, Moisés convocou um grupo de tribos israelitas para proferir maldições do Monte Ebal, enquanto outro grupo de antigas tribos israelitas proferia bênçãos do vizinho Monte Gerizim.

O objeto recém-encontrado é o único exemplo conhecido de uma “tábua de maldição” encontrada no local, embora sejam comuns em sítios arqueológicos judaicos em outros lugares que datam dos períodos helenístico e romano muito posteriores, após o final do século IV a.C., disse Stripling.

Antigos israelitas

Se a data puder ser verificada, a inscrição na tábua de maldição retrocederia a data mais antiga conhecida para alfabetização entre os antigos israelitas em várias centenas de anos; até agora, a evidência mais antiga era a inscrição de Khirbet Qeiyafa, datada por volta do século 10 a.C., de acordo com pesquisadores da Universidade de Haifa, em Israel.

A ABR se descreve em seu site como um ministério sem fins lucrativos dedicado a verificar a plausibilidade histórica da Bíblia, e Stripling acredita que a tábua da maldição do Monte Ebal pode ser evidência para a história bíblica dos antigos israelitas que chegaram à região – então chamada Canaã – do oriente distante.

“Temos um texto antigo dizendo que os israelitas chegaram por volta de 1400 [a.C.], e depois temos evidências deles em uma montanha onde a Bíblia diz que eles estavam, escrevendo uma linguagem que a Bíblia diz que eles usavam”, disse Stripling. “Acho que uma pessoa imparcial pode estar disposta a tirar a conclusão, indutivamente, de que havia israelitas lá”.

Outros arqueólogos, no entanto, sugerem que há poucas evidências da história bíblica de que os israelitas foram levados a Canaã por Moisés; em vez disso, a arqueologia sugere que pelo menos alguns dos israelitas se originaram nas terras cananeias que se tornaram os reinos israelitas.

Israel Finkelstein, arqueólogo e professor emérito da Universidade de Tel Aviv, que não esteve envolvido na descoberta, alertou que há uma “grande lacuna” entre a descrição da descoberta no Monte Ebal e as alegações dos pesquisadores sobre as implicações para estudos bíblicos e arqueologia.

Nenhuma análise detalhada das alegações seria possível até que um paper acadêmico fosse publicado sobre a descoberta, disse Finkelstein; mas ele observou que a tábua de maldição não foi encontrada em um contexto arqueológico claro durante uma escavação, mas em uma pilha de detritos que datam de uma escavação na década de 1980.

Ele também questionou a datação proposta, observando que a comparação do local do Monte Ebal com outros locais datados por análise de radiocarbono sugere que pode datar do século 11 a.C. – talvez dois séculos ou mais depois do que foi reivindicado – e sugeriu que a decifração do inscrição na tábua também pode estar sujeita a interpretação.

“Em geral, estou irritado com alegações sensacionalistas de descobertas que ostensivamente mudam tudo o que sabemos sobre a Bíblia e a história da antiga Israel”, disse Finkelstein.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.