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Apenas três humanos morreram no espaço: a triste história da Soyuz 11 e sua tripulação que nunca voltou para casa

Por Ross Pomeroy e Ben Evans
Publicado no Real Clear Science e no America Space

O espaço é brutalmente inóspito para a vida humana, portanto, é de admirar que das 566 pessoas que se aventuraram além da segurança da Terra, apenas três tenham morrido lá. Cinco vezes mais morreram devido a colisões ou explosões ao decolar para longe do nosso planeta ou ao entrar novamente na atmosfera. Os três valentes viajantes espaciais que perderam a vida no espaço foram os cosmonautas Georgy Dobrovolsky, Vladislav Volkov e Viktor Patsayev. Todos os três morreram na missão Soyuz 11 de junho de 1971.

A trágica tripulação da Soyuz 11: Georgi Dobrovolski (à esquerda), Vladislav Volkov (à direita) e Viktor Patsayev (em segundo plano).

Apesar da Soyuz 11 ter terminado em tristeza, a grande maioria da missão progrediu gloriosamente. Dobrovolsky, Volkov e Patsayev viveram por 23 dias a bordo da Estação Espacial Salyut 1 da União Soviética, a primeira estação espacial da história, estabelecendo o recorde de permanência mais longa no espaço da época. Durante sua missão, os ousados ​​cosmonautas realizaram transmissões de televisão ao vivo para milhares de soviéticos, projetando esperança e retratando um futuro brilhante. Patsayev também se tornou o primeiro homem a operar um telescópio no espaço. Os espectrogramas que ele produziu das estrelas Vega e Beta Centauri com o telescópio ultravioleta da estação foram publicados posteriormente na revista Nature.

A Salyut 1, a primeira estação espacial da história.

Então, no dia 30 de junho de 1971, a turma de cosmonautas estava retornando à Terra com uma missão bem-sucedida nas costas. A reentrada da nave na atmosfera aconteceu normalmente, sem nenhum indício de que algo estava dando muito errado por lá. Contudo, a abertura da escotilha da Soyuz envenenou abruptamente a atmosfera comemorativa. Os socorristas testemunharam uma cena terrível. Eles encontraram os três homens em seus assentos, imóveis, com manchas azuis escuras no rosto e manchas de sangue pelo nariz e pelas orelhas. Tentativas de ressuscitação falharam.

Em uma imagem particularmente angustiante, os socorristas oferecem socorro inicial aos cosmonautas. Mal sabiam na época que os três homens estavam mortos há muito tempo para que a ressuscitação tivesse algum efeito positivo.

Rapidamente a equipe local determinou que a causa da morte teria sido asfixia. Isso foi causado por um pequeno erro técnico quando os dois parafusos que ligavam o módulo orbital e o módulo de descida foram abertos simultaneamente (em vez de sequencialmente), dobrando a força exercida e rompendo uma válvula cuja função era homogeneizar a pressão dentro da nave nos momentos finais antes da aterrissagem. Com a falha, a tal válvula permitiu que o ar dos cosmonautas escapasse para o espaço durante a descompressão — e seria impossível que eles consertassem esse problema, já que o aparato estava localizado atrás dos bancos onde eles estavam não apenas sentados, como presos ao assento.

Os três cosmonautas receberam um funeral de Estado e foram enterrados nos muros do Kremlin, que fica na Praça Vermelha em Moscou.

Embora os detalhes exatos de suas mortes não fossem conhecidos pelo público em geral até alguns anos depois, o falecimento dos cosmonautas rapidamente foi notícia mundial. Em toda a União Soviética, o desastre provocou uma onda sem precedentes de luto. As pessoas choravam abertamente nas ruas por três homens que por mais de três semanas apareceram todas as noites em suas telas de televisão. Cosmonautas que estavam sendo apresentados como seres humanos e não como super-homens frios e sem rosto e que ofereceram uma resposta clara a Apollo que a União Soviética estava de volta ao negócio espacial tripulado e firmemente na liderança. Agora, em vez de três heróis, com sorrisos largos e enfeitados com medalhas e guirlandas de flores, todo o povo soviético tinha… três funerais.

Os funerais luxuosos da tripulação da Soyuz 11 destacaram a enorme sensação de perda sentida pelo povo soviético. Os três homens se tornaram heróis nacionais e internacionais.

Em grande parte, a tragédia da Soyuz 11 também afetou a consciência da NASA. Horas depois do conhecimento do desastre, astronautas e gerentes estavam se perguntando se a exposição ao ambiente espacial por três semanas causou a morte de Dobrovolski, Volkov e Patsayev. Quando a descompressão e a falta de trajes espaciais apropriados foram responsabilizadas, uma mudança foi feita na missão lunar Apollo 15, que estava programada para ser lançada algumas semanas depois, em julho de 1971. Foi decidido que os astronautas Dave Scott e James Irwin usariam seus trajes espaciais durante sua ascensão da superfície lunar. “A decisão”, dizia um comunicado de imprensa da NASA, datado de 19 de julho, “foi baseada na reavaliação dos requisitos para os membros da tripulação usarem roupas de pressão durante as diferentes fases da missão. A avaliação foi realizada após o acidente da Soyuz 11 … ”

Traje espacial do astronauta James Irwin, piloto do Módulo Lunar da Apollo 15.

Tampouco foi simplesmente uma reação instintiva: a “reavaliação” da Apollo 15 abrangeu a revisão do projeto e teste de janelas, escotilhas, válvulas, acessórios e fiação nos módulos lunar e de comando. “Além disso”, continuou o comunicado, “foram realizados estudos sobre os efeitos de reentrada na tripulação e na cabine com uma janela completamente falha, carga estrutural durante o jateamento do módulo lunar, redução da pressão da cabine causada por orifícios de vários tamanhos, tempos de colocação de trajes, e emergências pós-pouso”. Embora os resultados tenham estabelecido um alto nível de confiança na Apollo, essa reavaliação é notável pelo fato de a calamidade da Soyuz 11 ter atingido o cerne não apenas do programa espacial tripulado soviético, mas também dos Estados Unidos.

Em agosto de 1971, semanas após o acidente, o trio de cosmonautas mortos no espaço foi homenageado com essa placa que a missão Apollo 15 deixou na Lua junto com a escultura batizada de “Astronauta Caído”, do belga Paul Van Hoeydonck. Trata-se de um memorial com os nomes das 14 pessoas que, até então, haviam visitado o espaço e já estavam mortas, incluindo o soviético Yuri Gagarin, primeiro homem a ir para o espaço.

Observação:

Tecnicamente, a morte desses cosmonautas foram as únicas ocorridas “no espaço” levando em consideração a linha de Kármán (100 km acima do nível do mar) – para a NASA, o espaço começa a 80 km de altitude. Em voos que a tripulação chegou até o espaço e morreu no retorno à Terra, mas já em altitude abaixo do limite espacial, são mais oito mortes – o cosmonauta Vladimir Komarov, cujo paraquedas da Soyuz 1 não abriu durante a reentrada, em 1967, e outros sete astronautas que faleceram a bordo do ônibus espacial Columbia em 2003. Contabilizando os voos que não chegaram até o espaço, são mais oito astronautas mortos, incluindo os sete tripulantes do ônibus espacial Challenger, que explodiu 73 segundos depois do lançamento, em 1986. As mortes em treinamentos e testes para missões somam mais 11 pessoas para este triste obituário espacial. Ou seja, entre astronautas e cosmonautas, que chegaram até o espaço ou não, 30 pessoas morreram em missões espaciais ou na preparação para elas. E para finalizar esse triste cálculo, considerando gente que não era astronauta nem cosmonauta mas que foi morta por acidentes relacionados à exploração espacial, são pelo menos mais 241 mortes – há estimativas de que sejam mais de 330. Isso pela contagem oficial – subnotificação é coisa antiga. No fim das contas, centenas de indivíduos deram a vida em nome do sonho de conhecermos o que há além do nosso planeta. A nós, que aqui ficamos, resta prestar os sentimentos aos familiares e as homenagens devidas.

O ônibus espacial Challenger decolando do Cabo Canaveral, na Flórida, no dia 28 de janeiro de 1986. 73 segundos após a decolagem, um incêndio na nave causaria uma explosão, matando todos os sete tripulantes da missão.
Ruan Bitencourt Silva

Ruan Bitencourt Silva