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Aprendizado de máquina revela como os buracos negros se formam

Traduzido por Julio Batista
Original de Daniel Stolte para a Universidade do Arizona

Por mais diferentes que possam parecer, os buracos negros e Las Vegas têm uma coisa em comum: o que acontece lá fica lá – para grande frustração dos astrofísicos que tentam entender como, quando e por que os buracos negros se formam e crescem.

Os buracos negros são cercados por uma camada misteriosa e invisível – o horizonte de eventos – da qual nada pode escapar, seja matéria, luz ou informação. O horizonte de eventos engole todas as evidências sobre o passado do buraco negro.

“Devido a esses fatos físicos, pensava-se ser impossível analisar como os buracos negros se formaram”, disse Peter Behroozi, professor associado do Observatório Steward da Universidade do Arizona, EUA, e pesquisador de projetos do Observatório Astronômico Nacional do Japão.

Juntamente com Haowen Zhang, estudante de doutorado em Steward, Behroozi liderou uma equipe internacional para usar aprendizado de máquina e supercomputadores para reconstruir as histórias de crescimento de buracos negros, desvendando efetivamente seus horizontes de eventos para revelar o que está além.

Simulações de milhões de “universos” gerados por computador revelaram que buracos negros supermassivos crescem em sincronia com suas galáxias hospedeiras. Suspeitava-se disso por 20 anos, mas os cientistas não conseguiram confirmar essa relação até agora. Um paper com as descobertas da equipe foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

“Se você voltar a tempos cada vez mais antigos no Universo, descobrirá que exatamente a mesma relação estava presente”, disse Behroozi, coautor do paper. “Assim, à medida que a galáxia cresce, seu buraco negro também cresce, exatamente da mesma maneira que vemos nas galáxias hoje em todo o Universo”.

Acredita-se que a maioria, se não todas, as galáxias espalhadas pelo cosmos abrigam um buraco negro supermassivo em seu centro. Esses buracos negros acumulam massas superiores a 100.000 vezes a do Sol, alguns com milhões, até bilhões de massas solares. Uma das questões mais incômodas da astrofísica tem sido como esses gigantes crescem tão rápido e como eles se formam em primeiro lugar.

Para encontrar as respostas, Zhang, Behroozi e seus colegas criaram o Trinity, uma plataforma que usa uma nova forma de aprendizado de máquina capaz de gerar milhões de universos diferentes em um supercomputador, cada um dos quais obedece a diferentes teorias físicas sobre como as galáxias devem se formar. Os pesquisadores construíram uma estrutura na qual os computadores propõem novas regras de como os buracos negros supermassivos crescem com o tempo.

Eles então usaram essas regras para simular o crescimento de bilhões de buracos negros em um universo virtual e “observaram” o universo virtual para testar se ele concordava com décadas de observações reais de buracos negros em todo o Universo real. Depois de milhões de conjuntos de regras propostos e rejeitados, os computadores definiram as regras que melhor descreviam as observações existentes.

“Estamos tentando entender as regras de como as galáxias se formam”, disse Behroozi. “Em poucas palavras, fazemos Trinity adivinhar quais podem ser as leis físicas e as deixamos operar em um universo simulado e ver como esse universo se desenvolve. Ele se parece com o real ou não?”

De acordo com os pesquisadores, essa abordagem funciona igualmente bem para qualquer outra coisa dentro do universo, não apenas galáxias.

O nome do projeto, Trinity, é uma referência às suas três principais áreas de estudo: as galáxias, seus buracos negros supermassivos e seus halos de matéria escura — vastos casulos de matéria escura invisíveis a medições diretas, mas cuja existência é necessária para explicar as características físicas de galáxias em todos os lugares. Em estudos anteriores, os pesquisadores usaram uma versão anterior de sua estrutura, chamada UniverseMachine, para simular milhões de galáxias e seus halos de matéria escura. A equipe descobriu que as galáxias que crescem em seus halos de matéria escura seguem uma relação muito específica entre a massa do halo e a massa da galáxia.

“Em nosso novo trabalho, adicionamos buracos negros a essa relação”, disse Behroozi, “e depois perguntamos como os buracos negros poderiam crescer nessas galáxias para reproduzir todas as observações que as pessoas fizeram sobre eles”.

“Temos observações muito boas de massas de buracos negros”, disse Zhang, principal autor do paper. “No entanto, elas são amplamente restritas ao universo local. À medida que você olha mais longe, torna-se cada vez mais difícil e, eventualmente, impossível, medir com precisão as relações entre as massas dos buracos negros e suas galáxias hospedeiras. Por causa dessa incerteza, as observações podem não nos dizer diretamente se essa relação se mantém em todo o Universo.”

Trinity permite que os astrofísicos contornem não apenas essa limitação, mas também a barreira de informações do horizonte de eventos para buracos negros individuais, juntando informações de milhões de buracos negros observados em diferentes estágios de crescimento. Embora a história de nenhum buraco negro individual pudesse ser reconstruída, os pesquisadores puderam medir a história média de crescimento de todos os buracos negros juntos.

“Se você colocar buracos negros nas galáxias simuladas e inserir regras sobre como elas crescem, poderá comparar o universo resultante com todas as observações de buracos negros reais que temos”, disse Zhang. “Podemos então reconstruir como qualquer buraco negro e galáxia no Universo pareciam desde hoje até o início do cosmos”.

As simulações ajudam a esclarecer outro fenômeno intrigante: buracos negros supermassivos – como o encontrado no centro da Via Láctea – cresceram mais vigorosamente durante sua infância, quando o universo tinha apenas alguns bilhões de anos, apenas para desacelerar dramaticamente o crescimento ao longo dos últimos 10 bilhões de anos ou mais.

“Sabemos há algum tempo que as galáxias têm esse comportamento estranho, onde atingem um pico em sua taxa de formação de novas estrelas, depois diminui com o tempo e, mais tarde, param de formar estrelas completamente”, disse Behroozi. “Agora, conseguimos mostrar que os buracos negros fazem o mesmo: crescem e param de crescer ao mesmo tempo que suas galáxias hospedeiras. Isso confirma uma hipótese de décadas sobre o crescimento de buracos negros em galáxias.”

No entanto, o resultado levanta mais questões, acrescentou. Os buracos negros são muito menores do que as galáxias em que vivem. Se a Via Láctea fosse reduzida ao tamanho da Terra, seu buraco negro supermassivo seria do tamanho do ponto no final desta frase.

Para que o buraco negro dobre de massa no mesmo período de tempo que a galáxia maior, é necessária a sincronização entre os fluxos de gás em escalas muito diferentes. Como os buracos negros conspiram com as galáxias para alcançar esse equilíbrio ainda não foi compreendido.

“Acho que a coisa realmente original sobre Trinity é que ele nos fornece uma maneira de descobrir que tipo de conexões entre buracos negros e galáxias são consistentes com uma ampla variedade de conjuntos de dados e métodos observacionais diferentes”, disse Zhang.

“O algoritmo nos permite escolher precisamente as relações entre halos de matéria escura, galáxias e buracos negros que são capazes de reproduzir todas as observações que foram feitas. Basicamente, ele nos diz: ‘Ok, dados todos esses dados, sabemos a conexão entre galáxias e buracos negros deve ser assim, e não assim.’ E essa abordagem é extremamente poderosa.”

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.