Aranhas no espaço revelam coisas estranhas que acontecem com teias na microgravidade

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Teia após 23 dias em gravidade zero (esquerda) e teia construída em gravidade normal. Créditos: Zschokke et al., The Science of Nature, 2020.

Por Jacinta Bowler
Publicado na ScienceAlert

Com teias impressionantemente grandes e cores impressionantes nas aranhas fêmeas, as Araneidae não são apenas legais – elas também têm sido uma ajuda incrível para a ciência, com sua seda sendo investigada como um biomaterial para reconstruir nervos.

Agora, um estudo envolvendo aranhas orbeiras (Trichonephila clavipes) no espaço revelou que esses aracnídeos inteligentes podem se orientar com a luz quando não há gravidade para lhes dizer qual é o caminho “para cima”.

Os cientistas realizaram inúmeras experiências de gravidade de aranhas ao longo das décadas. As aranhas tiveram pequenos pesos presos a elas, foram colocadas em uma centrífuga, foram colocadas para construir suas teias horizontalmente (relatando que as aranhas não ficaram muito impressionadas com isso) e giraram continuamente enquanto tentavam construir uma teia.

“Essas observações e experimentos sugerem fortemente que a gravidade é um fator importante durante a construção da teia, mas não podem responder às perguntas de se as aranhas podem construir teias em gravidade zero e, se sim, como o ambiente de gravidade zero afetará a teia concluída”, escreveu uma equipe de pesquisadores da Suíça e dos Estados Unidos em um novo estudo.

“Essas perguntas só podem ser respondidas trazendo aranhas para um ambiente de gravidade zero, ou seja, trazendo aranhas para o espaço”.

O estudo recém-publicado não é a primeira vez que aranhas são enviadas ao espaço, mas é a primeira vez que obtemos resultados tão conclusivos, porque experimentos anteriores com aranhas no espaço tiveram alguns contratempos.

Em 1973, duas aranhas-de-jardim europeias (Araneus diadematus) foram para o espaço na primeira estação espacial americana Skylab, como parte da competição de experimentos para estudantes do Skylab da NASA. Nenhuma fotografia foi tirada de todas as teias, e as aranhas não receberam comida ou água – então as irregularidades da teia podem ser devido à perda de condicionamento.

Em 2008, um experimento na Estação Espacial Internacional (EEI) usou duas espécies de aranhas orbeiras – uma para o estudo e outra em uma câmara separada como auxiliar – e desta vez, os cientistas as mantiveram com alimentos, na forma de colônias de mosca-das-frutas.

Mas no que só pode ser descrito como o pior cenário, a aranha auxiliar escapou para a câmara principal, o que significava que as duas teias interferiram uma na outra, e então as moscas-das-frutas se multiplicaram muito rapidamente para as duas aranhas manterem a população sob controle.

De acordo com os pesquisadores, “as larvas e pupas da mosca-das-frutas começaram a cobrir a janela de observação cerca de duas semanas após o lançamento. Depois de aproximadamente um mês, elas cobriram completamente a janela de visualização, tornando impossível ver as aranhas”.

Mas os pesquisadores conseguiram uma segunda chance para seu experimento em 2011 e a aproveitaram. Desta vez, não houve fugas de aranhas, fotografias perdidas ou proliferação de mosca-das-frutas.

Em vez disso, uma fotografia das teias espirais das orbeiras era tirada a cada cinco minutos, enquanto as luzes no alto acendiam e apagavam a cada doze horas para simular a luz do dia.

Embora tenha ocorrido um acidente (dois dos quatro supostos machos eram fêmeas), os resultados do experimento de dois meses na EEI foram incrivelmente bem-sucedidos.

As duas aranhas que foram enviadas para o espaço eram bastante resistentes em suas novas casas na microgravidade: o macho sobreviveu à gravidade zero por 65 dias e ainda estava vivo depois de retornar à Terra, enquanto a fêmea construiu 34 teias e fez ecdise três vezes – ambas são registros espaciais.

Mas foi o uso das luzes, que estavam todas apontando “para baixo”, que realmente levou a uma descoberta surpreendente.

“Como na gravidade normal, e independentemente de as luzes estarem acesas ou não, as aranhas consistentemente construíram teias assimétricas e se voltaram para baixo quando estavam no centro, concluímos que a gravidade é o guia de orientação mais relevante para as aranhas”, escrevem os pesquisadores.

“Concluímos ainda que o estímulo visual da direção da luz pode servir como um guia de orientação na ausência de gravidade”.

Quando a gravidade está envolvida, as aranhas orbeiras ficam felizes em construir suas teias assimétricas e se acomodam voltadas para baixo à espera de uma presa. No espaço, suas teias eram mais simétricas, porém quando havia luz, as aranhas a usavam como ponto de referência e construíam suas teias como se a luz fosse o oposto de ‘para baixo’.

“Não teríamos imaginado que a luz desempenharia um papel na orientação das aranhas no espaço”, disse o biólogo conservacionista da Universidade da Basileia, Samuel Zschokke.

“Tivemos a sorte das lâmpadas estarem fixadas no topo da câmara e não em vários lados. Caso contrário, não teríamos sido capazes de descobrir o efeito da luz na simetria das teias em gravidade zero. […] O fato das aranhas terem um sistema auxiliar para orientação como esse parece surpreendente, já que nunca foram expostas a um ambiente sem gravidade no curso de sua evolução”.

Para descobrir se isso pode ser o caso – e o que isso significa para as aranhas do nosso planeta – parece que vamos precisar de mais ‘aracnautas’.

A pesquisa foi publicada na The Science of Nature.