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Armas e Crimes: o que dizem 51 estudos empíricos

No Brasil, a proposta de revogar o Estatuto do Desarmamento segue em discussão (Projeto de Lei 3722/2012). Diante da importância e atualidade do tema, preparamos texto para servir como guia a todos que queiram informações de qualidade e atualizadas sobre a relação entre armas, crime e violência.

Para quem não quiser acessar o resumo ou os artigos na íntegra, no final do texto há um link para um resumo de cada um dos trabalhos que levaram ao resumo abaixo. Espero que seja útil para alguém. Caso você seja um pesquisador da área e tenha identificado algum erro em uma tradução ou tenha sentido falta de algum artigo, peço por gentileza que me envie suas críticas e sugestões de adição. Farei o possível para manter essa lista tão boa quanto possível.

Resumo:

  1. 90% das Revisões de Literatura são contrárias à tese “Mais Armas, Menos Crimes”. Das 10 revisões de literatura ou meta-análises publicadas em periódicos com revisão por pares entre 2012 e 2017, nove concluíram que a literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão que a quantidade de armas tem efeito positivo sobre os homicídios, sobre a violência letal e sobre alguns outros tipos de crime.
  2. A grande maioria dos estudos empíricos concluem contrários à tese “Mais Armas, Menos Crimes”. De 2013 até outubro de 2017,  além das revisões de literatura, identifiquei 34 publicações de estudos empíricos com conclusões contrárias à ideia que o aumento do número de armas em circulação diminui a quantidade de crimes. Foram identificadas apenas 7 publicações novas com conclusões favoráveis à alguma versão da hipótese de “Mais Armas, Menos Crimes”, sendo a maioria delas textos de resposta a críticas à trabalhos mais antigos ou textos que já forma criticados posteriormente por publicações mais recentes.
  3. O estudo internacional mais completo que temos até o momento é 100% contrário à tese “Mais Armas, Menos Crimes.” A publicação mais completa do ponto de vista metodológico e abrangente do ponto de vista dos dados utilizados é o estudo de Donohue et. al. divulgado em Junho de 2017 e a conclusão do artigo é amplamente favorável à hipótese que mais armas aumentam o número de crimes.
  4. Pesquisas sobre o Brasil também têm em sua grande maioria conclusões contrárias à tese “Mais Armas, Menos Crimes.” As pesquisas voltadas para o caso brasileiro corroboram amplamente com a hipótese do aumento do número de armas estar associado com aumento de crimes e/ou de violência.  Renomados pesquisadores do país sobre causas e consequências do crime assinaram o recente Manifesto à Favor do Estatuto do Desarmamento.
  5. 90% dos especialistas internacionais discordam da afirmação “O porte de armas de fogo por cidadãos normais aumenta a segurança pública.” Uma pesquisa acadêmica obteve respostas sobre a opinião de 109 especialistas sobre uma diversidade de temas relacionados ao problema da relação entre armas e crimes. A grande maioria deles concordou com as principais afirmações sobre o aumento do número de armas causar aumento de crimes e/ou maior violência.
  6. Não temos evidência que o efeito dissuasão das armas de fogo seja algo que as pessoas percebam. O principal argumento teórico por trás da tese de John Lott do “Mais Armas, Menos Crimes” é o argumento da dissuasão: mais civis armados aumentam os custos esperados do crime para potenciais agressores, que portanto cometem menos crimes. Contudo, pesquisa pioneira de Fortunato (2015) mostrou que não parece haver relação entre mudanças na legislação e nas variações de armas em circulação e as percepções do público sobre a quantidade de armas em circulação. O autor conclui que se não há esse vínculo entre armas disponíveis e percepções de maior número de pessoas armadas, é impossível encontrar empiricamente que mais armas é uma forma eficaz de causar a dissuasão de criminosos potenciais.
  7. Intensidade do efeito da maior disponibilidade de armas pode variar por tipo de crime ou por tipo de agressão violenta que se está medindo. Há margem razoavelmente ampla para discutir quais regras de controle de armas são realmente eficazes e sobre quais tipos de crimes e/ou intensidades de uso da violência elas têm efeito. Por exemplo, há mais indícios que mais armas aumentem a proporção de crimes violentos do que mais armas aumentem as taxas de crimes como um todo. Há mais evidências que mais armas aumentem as taxas de crimes que se espera que utilizem armas em maior proporção do que que mais armas aumentem as taxas de crimes que não se espera que utilizem armas. Ou ainda, há mais evidências a favor da eficácia de leis mais rígidas de verificação de antecedentes e de limitar o tamanho dos cartuchos de munição disponíveis do que de leis que proíbam qualquer forma de comércio.
  8. As evidências empíricas deixam de pouca a nenhuma margem para afirmar que “Mais Armas, Menos Crimes”. Não só os estudos em favor da ideia que armas reduzem crimes são em menor número, eles também estão mais desatualizados (John Lott não publica um artigo novo com revisão por pares sobre o tema há sete anos). Certamente não há nenhuma margem empírica para expressar confiança ou menos ainda certeza na tese “Mais Armas, Menos Crimes”.
  9. As evidências são completamente contrárias à afirmação que colocar mais armas em circulação não aumentaria o número de mortes acidentais.  O antigo e até hoje citado estudo de John Lott em defesa de “Mais Armas, Menos Crimes” não se limitou a afirmar apenas sobre a relação entre armas e crimes. Lott afirmou também que não haveria aumento nos danos acidentais causados pelo maior número de armas de fogo em circulação. Essa afirmação não é acessória à tese dele. Ela é indispensável para que qualquer análise de custo/benefício sobre a facilitação do porte de arma possa dar resultados positivos. Contudo, nenhum artigo e nenhuma revisão de literatura chegou nessa conclusão. Pelo contrário, temos evidências fortíssimas que mais armas aumentam o número de mortes acidentais, principalmente acidentes domésticos envolvendo homens jovens, e também aumentam o número de suicídios. Assim, o efeito dos acidentes também corrobora muito para que análises custo/benefício favoreçam proposta de maior controle sobre a disposição das armas de fogo.

Mas ao contrário da maioria dos textos de internet sobre isso, nenhum de vocês caros leitores e leitoras precisa confiar cegamente nas afirmações desse meu resumo. No meu blog vocês encontram detalhados vários outros pontos envolvidos nessas pesquisas e uma tradução dos achados de 51 artigos internacionais sobre o tema. Basta ler e se informar. Caso não confie nem na tradução, está disponível também o link para os artigos originais em inglês. Caso encontre algum erro, peço por gentileza que me avise para que eu o conserte tão rápido quanto possível.

Thomas Conti

Thomas Conti

28 anos, mestre em economia, professor assistente no Insper, docente na Especialização em Direito e Economia (Law & Economics) da Unicamp, consultor, pesquisador, programador em R e doutorando em economia pela Unicamp. Faço hora extra como divulgador científico e defendendo políticas públicas baseadas em evidências.