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As asas dos insetos podem ter evoluído das pernas dos crustáceos

Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert

As primeiras asas na Terra podem ter evoluído das patas de um antigo crustáceo que era incapaz de voar.

Hoje, os caranguejos, lagostas, camarões e lagostins modernos às vezes são chamados de insetos do mar e, como parte da família dos artrópodes – marcados por uma forte armadura e juntas segmentadas – o nome faz algum sentido.

Os cientistas acreditam atualmente que os primeiros insetos surgiram há cerca de 480 milhões de anos, evoluindo de formas aquáticas de crustáceos. À medida que os ecossistemas terrestres se tornaram mais complexos, cerca de 80 milhões de anos depois, as asas permitiriam que eles voassem.

Se eles estiverem certos, isso significa que os primeiros insetos estavam zanzando por nosso planeta muito antes dos pássaros, morcegos e pterossauros – então, de onde eles tiraram essa habilidade?

É uma pergunta simples que incomoda os especialistas há séculos. Uma hipótese centenária sugere que as asas dos insetos são uma novidade evolucionária, surgindo a partir de botões embrionários aleatórios de tecido durante o desenvolvimento.

Uma perspectiva mais recente é que eles surgiram de estruturas existentes já presentes em crustáceos antigos, lentamente se transformando ao longo do tempo em algo mais útil fora d’água.

As guelras desses crustáceos antigos são um dos candidatos a apêndices superiores, pois possuem articulações e músculos. Em algumas larvas de crustáceos, eles até se parecem com mini asas.

Mas dois novos papers sobre um parente distante de insetos alados sugerem que suas pernas são uma correspondência melhor.

Detectando certos genes no Parhyale hawaiensis, um crustáceo parecido com o camarão, o primeiro estudo mostra uma rede de genes semelhante à da asa do inseto que opera tanto na armadura corporal do crustáceo quanto no segmento da perna mais próximo de seu corpo. Isso sugere que ambos se espremeram de alguma forma através da parede do corpo para formar asas.

O segundo estudo encontrou algo semelhante. Detectando certos genes, os pesquisadores compararam como os seis segmentos de perna de uma mosca-das-frutas e de outros insetos se alinham com os sete ou oito segmentos de perna encontrados em P. hawaiensis.

No final, os primeiros seis segmentos da perna do crustáceo, que vão do ‘dedo do pé’ até o corpo, combinaram perfeitamente com os primeiros seis segmentos encontrados nas pernas dos insetos. Mas isso levanta a questão – para onde vão os segmentos sete e oito dos crustáceos nos insetos?

Os autores encontraram sua resposta em um paper escrito em 1893. Isso sugeriu que esses ‘lóbulos‘ proximais na perna do crustáceo haviam se fundido na parede do corpo do inseto. Desde então, notou-se que em muitos embriões de insetos, o segmento da perna mais próximo do corpo realmente se funde à parede corporal durante o desenvolvimento.

“Mas ainda não tínhamos a parte da asa nessa história”, explica a bióloga molecular Heather Bruce, do Instituto Oceanográfico de Woods Hole (EUA).

“Continuei lendo e lendo, e me deparei com esta teoria dos anos 1980 de que não apenas os insetos incorporaram sua região proximal da perna na parede do corpo, mas os pequenos lóbulos na perna mais tarde se moveram para as costas e formaram as asas.”

Usando dados genômicos e embrionários, Bruce e seus colegas encontraram evidências para apoiar isso.

Primeiro, eles disseram, os lóbulos proximais das pernas tornam-se integrados à parede do corpo. Então, uma vez lá, o segmento mais próximo move-se “para cima nas costas, para depois formar as asas de inseto“.

“As perspectivas complementares do gene da perna e da asa levam esses grupos a concordar sobre as respostas a várias questões-chave sobre a transformação do inseto com asas de crustáceo”, escrevem dois especialistas independentes em uma revisão dos dois estudos para Nature Ecology and Evolution.

“Eles concordam que a parede lateral do corpo dos insetos é homóloga ao segmento mais proximal da perna do Parhyale. Eles também concordam que a asa incorpora componentes da parede corporal que são derivados das pernas dos crustáceos.”

Os estudos, entretanto, não concordam em tudo. O primeiro estudo sustenta o que é conhecido como hipótese de “origem dupla“, que afirma que os segmentos mais proximais da perna e a parede corporal contribuíram para o desenvolvimento da asa. Ou, como dizem os autores, “a novidade por meio da fusão de dois tecidos distintos“.

O segundo paper propõe uma transformação mais gradual e complexa que diz respeito principalmente aos segmentos das pernas. De acordo com suas descobertas, os dois segmentos mais proximais da perna primeiro se fundiram na parede do corpo do inseto e, em seguida, apenas o segmento da perna mais próximo se espremeu por trás para formar asas.

Tradução da imagem: crustáceo (Parhyale) acima, na direita mostrando mostrando sua perna (leg), com sua placa tergal (tergal plate), a sua placa coxal (coxal plate), seu corpo (body) e suas guelras (guills); inseto abaixo (Oncopeltus), mostrando sua perna (leg) a direita. com sua asa (wing), corpo (body), lóbulos (lobes), perna incorporada (incorporated leg) e perna livre (free leg). (Créditos: Bruce & Patel, Nature Ecology and Evolution, 2020)

A diferença é sutil, e mais pesquisas são necessárias para mostrar qual – se houver alguma – é a mais correta. Mas as semelhanças entre os estudos fornecem uma solução convincente para a questão de quais das teorias anteriores sobre a evolução das asas dos insetos estão certas.

Bruce afirma há vários anos que os crustáceos ancestrais já tiveram oito segmentos de perna. No Parhyale de hoje, ela argumenta, um deles foi incorporado à parede do corpo, enquanto nas moscas-das-frutas, um foi incorporado à parede do corpo e o outro, mais tarde, à sua asa.

Isso dá às asas dos insetos a mera aparência de “origem dupla”, onde a parede do corpo e a perna se misturam para formar asas, quando na verdade, dizem os autores, a própria parede do corpo do inseto é derivada dos segmentos mais proximais da perna.

“Embora as asas sejam uma consequência do que agora é a parede do corpo do inseto, elas devem sua origem ao segmento da perna de um artrópode ancestral”, concluem os autores.

É uma ideia legal que ajuda a reunir muitas hipóteses concorrentes, mas com tantas probabilidades, não encerrará o mistério. Somente nos últimos 10 anos, aprendemos muito mais sobre a evolução dos insetos.

Antes da pesquisa genômica, nem mesmo sabíamos que os crustáceos e os insetos eram tão intimamente relacionados na família dos artrópodes, motivo pelo qual muitas pessoas pensavam que as asas dos insetos brotaram do nada.

As guelras, as pernas segmentadas e as armaduras corporais dos crustáceos nos deram agora alvos diretos para estudar.

“As pessoas ficam muito entusiasmadas com a ideia de que algo como as asas de um inseto pode ter sido uma inovação da evolução”, diz Patel .

“Mas uma das histórias que estão surgindo das comparações genômicas é que nada é novo; tudo veio de algum lugar. E você pode, de fato, descobrir de onde.”

Chegar a um acordo sobre onde é outra questão.

“Embora a origem das asas dos insetos permaneça misteriosa, a pesquisa de ambos os grupos revela caminhos emocionantes para a resolução desse mistério”, conclui a revisão da Nature.

primeiro e o segundo paper foram publicados na Nature Ecology and Evolution.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.