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Às vezes, os cientistas se enganam, mas a ciência corrige

Eu sei que exagerei: os cientistas não se enganam, às vezes, não. Na verdade, enganam-se frequentemente! E digo mais: quase sempre.

Mas, calma! Antes que você, pseudocientista, comemore, fique sabendo que estou falando de cientistas que trabalham com ciência de fronteira, de coisas novas, não do conhecimento científico estabelecido e aceito pela maioria esmagadora dos cientistas. Se a gravidade, a evolução e o tectonismo de placas são hoje tomado como fatos, foi porque, antes de chegarmos a esse estágio, houve enganos, muitos enganos. E são justamente desses enganos que estou falando.

Recentemente, tivemos a feliz notícia de que experimento BICEP2, no polo sul, teria detectado uma uma amplitude não desprezível no modo B da polarização da radiação cósmica de fundo (CMB, do inglês Cosmic Microwave Background) com uma acurácia de 99,99994266968563%. O que?! É complicado, mas esse resultado já havia sido previsto pelo físico russo Andrei Linde. Ele demonstrou que nós encontraríamos essa assinatura na CMB caso o universo tenha passado por um período inflacionário (expansão acelerada) em seus primórdios, proveniente de um fundo de ondas gravitacionais emitido após a inflação. Isso não só comprova a inflação como também é mais uma detecção indireta de ondas gravitacionais.

Entretanto… o alarme cético do mundo inteiro acionou! Entrou em ação o mecanismo auto-regulatório da ciência da revisão por pares. Como funciona essa revisão? Os pares, demais cientistas, tentam reproduzir os mesmos resultados com os mesmos dados. Caso não consigam, significa que o trabalho original é uma fraude ou que houve um erro na metodologia.

No caso do experimento BICEP, todos conseguiram reproduzir os resultados; porém, como consta nesta notícia da BBC, alguns grupos incluíram uma fonte de erro na analise que não havia sido levada em conta, ou, pelo menos, não da forma correta. O problema está dispersão da luz pela poeira de nossa galáxia. Entenda o problema olhando a imagem principal deste artigo – lá no topo. Essa é uma imagem do centro da nossa galáxia. As nuvens escuras que tapam a luz das estrelas são nuvens de poeira, que também pode mascarar os modos B CMB. Ao incluir toda a informação que temos sobre tal poeira, a conclusão foi que ainda não temos como afirmar com tanta precisão (99,99994266968563%) que existe uma amplitude no modo B da CMB. Isso significa que ele não existe? Não, mas que ainda não possamos afirmar com tanta precisão. Até o fim do ano, teremos mais dados sobre a poeira obtidos pelo telescópio espacial Planck e, assim, poderemos ter uma maior acurácia sobre os modos B. Por enquanto, nos resta esperar.

Marcelo Dos Santos

Marcelo Dos Santos

Quase doutor Física pela UFRJ. Trabalha com cosmologia observacional e simulações computacionais.