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Astrônomos observam a atmosfera de um exoplaneta raro que ‘não deveria existir’

Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert

A descoberta do extraordinário exoplaneta LTT 9779b foi anunciada pela primeira vez há um mês. A apenas 260 anos-luz de distância de nós, o planeta foi imediatamente apontado como um excelente candidato para um estudo aprofundado de sua curiosa atmosfera.

LTT 9779b é um pouco maior que Netuno, orbitando uma estrela semelhante ao Sol – bastante normal até agora. Mas duas coisas são realmente peculiares. Ele está tão perto de sua estrela que o planeta orbita ela a cada 19 horas; e, apesar do calor escaldante a que deve estar submetido naquela proximidade, o LTT 9779b ainda tem uma atmosfera substancial.

As observações infravermelhas coletadas pelo agora aposentado Telescópio Espacial Spitzer incluíram a estrela hospedeira do planeta, e os astrônomos já analisaram esses dados, publicando seus resultados em alguns estudos.

No primeiro paper, uma equipe liderada pelo astrônomo Ian Crossfield, da Universidade do Kansas (EUA), descreveu o perfil de temperatura do LTT 9779b.

No segundo paper, uma equipe liderada pela astrônoma Diana Dragomir, da Universidade do Novo México (EUA), caracterizou a atmosfera do exoplaneta.

“Pela primeira vez, medimos a luz proveniente desse planeta que não deveria existir”, disse Crossfield.

“Esse planeta é tão intensamente irradiado por sua estrela que sua temperatura é superior a 1.650 graus Celsius e sua atmosfera deveria ter evaporado completamente. No entanto, nossas observações do Spitzer nos mostram sua atmosfera através da luz infravermelha que o planeta emite”.

Uma curva de fase de exoplaneta. A imagem mostra: o fluxo (flux), o período (time), o lado diurno do planeta com a estrela (star plus planet dayside), o eclipse, a estrela sozinha (star alone), o trânsito (transit), a sombra do planeta sem a estrela (star minus planet shadow) e o lado noturno do planeta com a estrela (star plus planet nightside). Crédito: ESA.

Ele e sua equipe estudaram a curva de fase do exoplaneta na luz infravermelha. Isso significa o seguinte: como a energia térmica é emitida como radiação infravermelha, a luz nesse comprimento de onda pode nos dizer a temperatura de objetos cósmicos a muitos anos-luz de distância.

Esse sistema estelar é orientado de tal forma que o planeta passa entre nós e a estrela, dando-nos uma visão geral clara dos lados noturno e diurno do planeta. Assim, para calcular a temperatura do exoplaneta, os astrônomos podem usar a mudança de luz do sistema geral para traçar as órbitas do LTT 9779b.

Curiosamente, a hora mais quente do dia para o LTT 9779b é quase o ápice do meio-dia, quando a estrela está diretamente acima. Na Terra, a hora mais quente do dia é, na verdade, algumas horas depois do meio-dia, porque o calor entra na atmosfera da Terra mais rápido do que é irradiado de volta para o espaço.

Por sua vez, isso permite algumas suposições fundamentadas sobre a atmosfera do LTT 9779b.

“O planeta é muito mais frio do que esperávamos, o que sugere que ele está refletindo muito da luz estelar incidente que o atinge, provavelmente devido às nuvens diurnas”, disse o astrônomo Nicolas Cowan, do Instituto de Pesquisa de Exoplanetas (iREx) e da Universidade McGill no Canadá.

“O planeta também não transporta muito calor para o lado noturno, mas achamos que isso é devido ao fato de que a luz da estrela é provavelmente absorvida no alto da atmosfera, de onde a energia é rapidamente irradiada de volta ao espaço”.

Para investigar melhor a atmosfera do LTT 9779b, Dragomir e seus colegas se concentraram em eclipses secundários, quando o planeta passa atrás da estrela. Isso resulta em um escurecimento mais fraco da luz do sistema do que quando o planeta passa na frente da estrela – conhecido como trânsito -, mas esse escurecimento mais fraco pode nos ajudar a entender a estrutura térmica da atmosfera de um exoplaneta.

“Netunos quentes são raros, e um em um ambiente tão extremo como esse é difícil de explicar, já que sua massa não é grande o suficiente para manter a atmosfera por muito tempo”, disse Dragomir.

“Então, como o planeta conseguiu? O LTT 9779b nos fez coçar a cabeça, mas o fato de ter uma atmosfera permite uma forma rara de investigar esse tipo de planeta, então decidimos investigá-lo com outro telescópio”.

Os pesquisadores combinaram dados do eclipse secundário do Spitzer com dados do telescópio espacial que caça exoplanetas da NASA, TESS. Isso permitiu que eles obtivessem um espectro de emissão da atmosfera do LTT 9779b; ou seja, os comprimentos de onda da luz absorvida e amplificada por elementos nela. Eles descobriram que alguns comprimentos de onda estavam sendo absorvidos por moléculas – provavelmente, monóxido de carbono.

Isso não é inesperado para um planeta tão quente. O monóxido de carbono foi detectado em Júpiteres quentes – gigantes gasosos que também orbitam suas estrelas em uma proximidade escaldante. Mas os gigantes gasosos são mais massivos do que um Netuno quente e usam sua gravidade amplamente maior para reter sua atmosfera. Achava-se que planetas do tamanho de Netuno não deveriam ter massa suficiente para isso.

Encontrar monóxido de carbono na atmosfera de um Netuno quente pode nos ajudar a entender como esse planeta se formou e o porquê ainda tem sua atmosfera.

Portanto, embora agora sabemos mais sobre o LTT 9779b do que antes, ainda há trabalho a ser feito. Observações futuras podem nos ajudar a responder a essas e outras perguntas, como de que mais é feita a atmosfera, e se o exoplaneta começou muito maior e está atualmente em processo de encolhimento rápido.

Pesquisas como essa nos darão um excelente kit de ferramentas e experiência para sondar as atmosferas de mundos potencialmente habitáveis ​​também.

“Se alguém quer acreditar no que os astrônomos dizem sobre encontrar sinais de vida ou oxigênio em outros mundos, vamos ter que mostrar que podemos realmente fazer direito nos lugares mais fáceis primeiro”, disse Crossfield.

“Nesse sentido, esses planetas maiores e mais quentes como o LTT 9779b agem como uma forma de treinamento e mostram que realmente sabemos o que estamos fazendo e que estamos fazendo certo”.

Os dois papers foram publicados no The Astrophysical Journal Letters, aqui e aqui.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.