Por Juanita Bawagan
Publicado na Science
Durante a gravidez, a placenta fornece ao feto tudo o que ele precisa para se desenvolver: oxigênio, comida, eliminação de resíduos e até anticorpos do sistema imunológico da mãe. Mas não micróbios. Um novo estudo descobriu que a placenta não possui bactérias, reafirmando a ideia de que os bebês ganham um microbioma ao nascer.
O estudo é a última novidade de um debate caloroso sobre quando os seres humanos adquirem os micróbios que moldam seu processamento de nutrientes e a capacidade de combater doenças durante a vida.
A ideia de um útero esterilizado de micróbios existe há mais de um século. Mas em 2014, um estudo descobriu que a placenta abriga bactérias semelhantes às da boca – sugerindo que alguns micróbios podem passar da boca da mãe para o sangue e, a partir daí, para o feto. Desde então, os cientistas discutem se os indícios bacterianos da placenta são reais ou resultados de contaminação. Os pesquisadores esperam resolver esse debate com o maior estudo de todos os tempos, uma análise das placentas recuperadas de mais de 500 mulheres logo após o parto. Publicado no dia 31 de julho na Nature, o estudo relata que placentas saudáveis não têm bactérias.
“Isso ficou claro como a luz”, disse Frederic Bushman, microbiologista da Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos, que não estava envolvido no estudo. Ele afirmou que os pesquisadores foram “muito hábeis com o trabalho de detetive que fizeram para rastrear várias fontes de contaminação”.
Para identificar os indícios de uma população microbiana potencialmente pequena na placenta e não qualquer indício de micróbios advindos de outros lugares, os pesquisadores usaram dois métodos de sequenciamento de DNA. Uma abordagem visava partes de genes comuns a todas as bactérias. A outra abordagem foi mais ampla, juntando todo o DNA presente e mapeando-o para espécies bacterianas e animais específicas, explica o coautor Stephen Charnock-Jones, biólogo reprodutor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Os pesquisadores tiveram o cuidado de incluir uma série de verificações. Por exemplo, eles retiraram amostras com um micróbio patogênico encontrado em lagartos. Ao incluir uma quantidade conhecida de uma bactéria que não estaria presente em humanos, os pesquisadores conseguiram medir a abundância de outras bactérias. Eles também compararam os indícios bacterianos com o que eles esperavam da contaminação de fontes como dos kits de sequenciamento de DNA ou do próprio processo de nascimento. Eles descobriram que certos micróbios são mais prevalentes quando as mulheres dão à luz por via vaginal do que por cesárea, sugerindo que essas bactérias entram na placenta quando o bebê nasce ao invés de morarem lá antes do nascimento.
Após eliminar as fontes de contaminação, os pesquisadores encontraram apenas um tipo de bactéria: Streptococcus agalactiae. Essa cepa, ocorrendo em apenas 5% das amostras, é um indício de infecção e pode causar sepse fatal em recém-nascidos. Tomados em conjunto, os resultados mostram que não há microbioma na placenta, a menos que esteja infectada, explica Charnock-Jones.
O resultado negativo é importante porque mostra os desafios que a pesquisa de microbiomas está enfrentando, diz Eran Elinav, imunologista e especialista em microbiomas do Instituto de Ciência Weizmann em Rehovot, Israel. A pesquisa de microbiomas começou focada em densas comunidades microbianas no intestino humano, que abriga trilhões de bactérias. No entanto, à medida que os pesquisadores analisam ecossistemas menores, fica mais difícil distinguir entre colônias verdadeiramente nativas ou provindas de contaminação. “Eu realmente aprecio o esforço feito pelos pesquisadores em usar as melhores ferramentas disponíveis que temos hoje para abordar essa questão fundamental”, diz Elinav.
Mas Kjersti Aagaard, especialista em medicina fetal materna na Faculdade de Medicina Baylor e no Hospital Infantil do Texas em Houston, Estados Unidos, não se deixa influenciar pelo resultado mais recente. Aagaard, que liderou o estudo de 2014 que encontrou um microbioma placentário, diz que muitos dos indícios que o experimento descartou como “contaminação” são realmente evidências do microbioma placentário. Por exemplo, ela discorda da escolha dos pesquisadores de desconsiderar alguns micróbios encontrados na placenta apenas porque se sobrepõem aos encontrados na vagina.
Aagaard continua testando maneiras de detectar esses sinais bacterianos e entender o papel que os micróbios podem desempenhar na placenta. Uma hipótese, diz ela, é que os micróbios da placenta impedem a colonização do feto por bactérias perigosas.
Embora Nicola Segata, bióloga computacional da Universidade de Trento, na Itália, considere os últimos resultados negativos convincentes, será difícil reunir provas definitivas de um útero esterilizado de micróbios. A coleta da placenta ou do líquido amniótico após o nascimento oferece uma explicação sobre como o microbioma do bebê pode se formar, enquanto os métodos de observação direta – testando o intestino do próprio feto – seriam antiéticos e tecnicamente desafiadores.