Por Rich Haridy
Publicado no New Atlas
Em uma atraente websérie de 2012 intitulada H+, fomos introduzidos a um mundo onde grande parte da população possui um implante hi-tech, permitindo indivíduos uma interface neural direta com a internet. Como frequentemente é o caso na ficção científica, as coisas não acabam bem para aqueles pioneiros tecnológicos. Um vírus infecta os implantes, e o caos rapidamente cai sobre uma raça humana que se tornou biologicamente fundida com a tecnologia.
A série foi um exame aberto de um futuro transhumanista, com o título H+ sendo uma apropriação da comum abreviatura transhumana. Cinco anos após o surgimento da série, vivemos em um presente cada vez mais entrincheirado em um caminho rumo à realização de ideais transhumanistas.
No início de fevereiro de 2017, o bilionário inovador Elon Musk reiterou uma ideia que ele havia mencionado várias vezes no ano passado: Os seres humanos precisam se fundir com as máquinas. Musk vê uma interface direta cérebro/computador como uma necessidade absoluta, não só para que possamos evoluir como espécie, mas como uma maneira de acompanharmos as máquinas que estamos criando. De acordo com Musk, se não nos unirmos com as máquinas, nos tornaremos inúteis e irrelevantes.
Enquanto Elon Musk não se auto-identifica como um “transhumanista”, a ideia de fusão do homem com a máquina é fundamental para esse movimento que surgiu ao longo do século XX. E à medida que nos movemos para um tumultuado século XXI, o transhumanismo está rapidamente mudando de seu nicho filosófico e cultural influenciado pela ficção científica, para um movimento mais mainstream e popular.
Zoltan Istvan, um proeminente futurista e transhumanista, está atualmente fazendo uma audaciosa campanha política para o cargo de Governador da Califórnia. “Precisamos de liderança que esteja disposta a usar ciência, tecnologia e inovação radicais – pelas quais a Califórnia é famosa – para beneficiar a todos nós”, declarou Istvan em um recente editorial publicado pela Newsweek. “Precisamos de alguém com a coragem de arriscar as tremendas possibilidades para salvar o meio ambiente através da bioengenharia, e para acabar com o câncer buscando uma vacina ou uma solução através da edição de genes”.
O que é transhumanismo?
Simplificando, o transhumanismo é um amplo movimento intelectual que defende a transformação da humanidade através da tecnologia. Pensadores neste campo opinam que nossas capacidades intelectuais, físicas e psicológicas podem e devem ser melhoradas por todas e quaisquer tecnologias emergentes disponíveis. Da modificação genética para nos tornar mais inteligentes e longevos, até melhorar nossas capacidades físicas através de bioengenharia e implantes mecânicos, transhumanistas veem o nosso futuro como aquele em que transcendemos nossos corpos físicos com a ajuda da tecnologia.
O termo “transhumano” pode ser rastreado várias centenas de anos no passado, mas em termos de nosso uso atual, podemos olhar para o biólogo do século 20 e eugenista, Julian Huxley. Através de uma série de palestras e artigos na década de 1950, Huxley defendeu um tipo de futurismo utópico onde a humanidade iria evoluir e transcender suas limitações da época.
“Precisamos de um nome para essa nova crença”, escreveu Huxley em 1957. “Talvez transhumanismo sirva; o homem permanecendo o homem, mas transcendendo a si mesmo, percebendo as novas possibilidades de e para a sua natureza humana”.
As ideias de Huxley foram indiscutivelmente inspiradas por ficções especulativas influentes de meados do século 20, como Arthur C. Clarke e Robert Heinlein, e, consequentemente, suas filosofias transhumanistas mais específicas passaram a influenciar uma geração de autores de cyberpunk na década de 1980. Foi nessa época que os primeiros auto-intitulados transhumanistas começaram a aparecer, tendo reuniões formais em torno da Universidade da Califórnia.
Com o ritmo do avanço tecnológico acelerando dramaticamente no século 21, o pensamento transhumanista começou a se manifestar em visões futuristas mais específicas. Criogenia e tecnologia de extensão de vida foi um focos dos transhumanistas, enquanto outros voltaram-se para a modificação corporal, transição de gênero e biohacking em geral como uma maneira de transcender os limites de nossos corpos físicos.
O que poderia dar errado?
Muitas críticas foram lançadas aos transhumanistas ao longo dos anos, com suas visões extremas do futuro tecnológico da humanidade fazendo com que muitos questionem se este é um caminho direto para perdermos o contato com o que nos torna essencialmente humanos. O medo de nos fundirmos em algum tipo de civilização robótica, desumana, e divina, assusta e perturba bastante aqueles com perspectivas mais tradicionais sobre a humanidade.
A ficção científica reflete classicamente muitos temores de futuros transhumanistas, desde a Skynet tomando controle do mundo, até um futuro como [no filme] Gattaca – Experiência Genética, onde a modificação genética cria uma distópica separação entre classes. No entanto, o proeminente crítico transhumanista Francis Fukuyama esboçou sobriamente os perigos deste movimento moderno em seu livro Nosso Futuro Pós-Humano: Consequências da Revolução da Biotecnologia.
Fukuyama argumenta compreensivelmente que a complexidade dos seres humanos não pode ser tão facilmente reduzida em traços bons e maus. Se tentássemos eliminar traços que consideramos negativos, seja através de modificação genética ou de outra forma, estaríamos nos equivocando perigosamente sobre como funcionamos fundamentalmente. “Se não fossemos violentos e agressivos, não seríamos capazes de nos defender; se não tivéssemos sentimentos de exclusividade, não seríamos leais aos que estão próximos de nós; se nunca tivéssemos ciúme, também nunca sentiríamos amor “, escreve ele.
Algumas das preocupações mais válidas sobre o despertar do futuro transhumanista são as repercussões socioeconômicas de uma evolução tecnológica tão rápida. Como o abismo entre ricos e pobres cresce em nossa cultura atual, é inevitável temer que os avanços futuros poderiam tornar-se desproporcionalmente limitados àqueles com os recursos financeiros para adquiri-los. Se as tecnologias de extensão de vida começam a se tornar viáveis, e elas estão disponíveis apenas para a classe bilionária, então entraremos num cenário em que os ricos ficam mais ricos e vivem mais tempo, enquanto os pobres ficam mais pobres e morrem mais cedo.
Sem uma reforma política excepcionalmente forte que mantenha o acesso democrático às tecnologias de aprimoramento humano, é fácil prever o surgimento de uma perturbadora divisão genética de classes. Como o ambientalista e ativista Bill McKibben escreve: “Se não podemos pagar os cinquenta centavos que uma pessoa precisa para comprar mosquiteiros para proteger a maior parte da África contra a malária, é improvável que estendamos a qualquer um além da categoria máxima de impostos estas últimas formas de tecnologia genética “.
Lembre-se da eugenia…
O espectro ameaçador da eugenia paira sobre uma grande parcela do pensamento transhumanista. Na primeira metade do século 20, o termo tornou-se perturbador, mas não sem razão, associado com a Alemanha nazista. Esterilizar ou eutanasiar aqueles que exibiam características que eram consideradas imperfeitas foi finalmente proibido como uma forma de genocídio. Porém, à medida que a revolução do genoma explodiu mais tarde no século, um ressurgimento dos ideais filosóficos da eugenia começou a crescer.
O pensamento transhumanista frequentemente é paralelo aos ideais da eugenia, embora a maioria dos transhumanistas auto-identificados se separem desse campo estigmatizado, preferindo termos como reprogenética e escolha germinal. A diferença entre os resultados negativos da eugenia e a noção mais positiva e transhumanista da reprogenética parece ser um consenso. Em um mundo de modificação genética seletiva do século 21, tudo é bom, desde que todos os pais tenham igualmente a opção de modificar geneticamente os seus filhos, e não sejam forçados por governos que estão tentando gerenciar à força o fundo genético.
O proeminente defensor do transhumanismo Nick Bostrom, rotulado pelo The New Yorker como o principal filósofo transhumanista de hoje, argumenta que os críticos do movimento sempre se concentram nos potenciais riscos ou resultados negativos, sem equilibrar os possíveis futuros positivos. Ele defende que o mero potencial de um resultado futuro negativo não é suficiente para sufocar o impulso tecnológico.
Bostrom lucidamente desenvolve seu argumento em um ensaio examinando as perspectivas transhumanistas sobre as modificações genéticas humanas. “As boas conseqüências não são menos possíveis que as más”, escreve. “Na ausência de argumentos sólidos para a opinião de que as consequências negativas predominariam, tais especulações não fornecem nenhuma razão para não avançar com a tecnologia”.
Mas e quanto a Deus?
À primeira vista, poderia parecer que o movimento transhumanista seria sinônimo de ateísmo. Em 2002, o Vaticano divulgou uma extensa declaração explorando a interseção entre tecnologia e religião. A declaração advertiu que mudar a identidade genética de um ser humano era uma ação “radicalmente imoral”. A velha máxima do cientista brincando de Deus freqüentemente vem à tona em críticas ao transhumanismo. Zoltan Istvan até escreveu um artigo de opinião intitulado “Eu sou Ateu, Portanto Sou Transhumanista” em que ele, de forma bastante fraca, tentou misturar os dois movimentos.
Mas há algumas interseções convincentes entre religião e transhumanismo que apontam para a possibilidade de que os dois lados não são tão mutuamente excludentes como se poderia pensar. Uma pesquisa realizada pelo Institute for Ethics and Emerging Technologies, fundada por Nick Bostrom, descobriu que apenas metade dos transhumanistas entrevistados identificaram-se como ateus ou agnósticos.
Lincoln Cannon, fundador da Mormon Transhumanist Association e da Christian Transhumanist Association (a própria existência dessas entidades diz alguma coisa), vem defendendo uma forma moderna de religião pós-secular baseada tanto na crença científica como na fé religiosa. Cannon vê o transhumanismo como um movimento que permite que a humanidade evolua para o que ele chama de “super-humanos”.
Em seu tratado intitulado “The New God Argument” (O Argumento do Novo Deus, em tradução livre), Cannon prevê um Deus criador semelhante ao nosso potencial futuro super-humano. Ele postula um ciclo evolutivo onde fomos criados por um Deus super-humano, antes de evoluir para nos tornarmos nossos próprios deuses super-humanos, a partir dos quais criaremos uma nova vida que nos adorará como deuses e continuará o ciclo novamente.
O argumento do Novo Deus apresenta uma defesa fascinante para uma evolução do pensamento religioso, mas também empurra o transhumanismo para os reinos da espiritualidade de maneiras que obrigam muitos dos defensores do movimento a se sentir desconfortáveis. Outro ramo religioso mais extremo do transhumanismo é a Terasem, uma auto-descrita “transreligião”.
A Terasem lembra um sensibilidade estilo new age dos anos 90, com suas quatro crenças principais: a vida é intencional, a morte é opcional, Deus é tecnológico, e o amor é essencial. Fundada pela empreendedora milionária Martine Rothblatt, a Terasem funciona como um movimento espiritual transhumanista, e uma organização de caridade que investe em pesquisa tecnológica. O movimento é especialmente focado na tecnologia criogênica e em pesquisar formas de preservar a consciência humana através do download de pensamentos e memórias em um mainframe ou um robô social independente.
A ascensão dos biohackers
Na virada do século, uma comunidade transhumanista começou a se formar a partir da fusão da ética do hack de computador, com um movimento de modificação corporal determinado a criar dispositivos cibernéticos que as pessoas possam fazer por conta própria. Esses “Grinders” absorviam tecnologias ciborgues que poderiam ser diretamente integradas em seus corpos orgânicos.
Biohacking pode se apresentar na forma de aprimoramentos farmacêuticos que manipulam a química do organismo, ou implantação de eletrônicos no corpo, como ímãs ou etiquetas RFID e NFC. Estes grinders transhumanistas estão nas bordas mais extremas do movimento, experimentando em seus próprios corpos, com procedimentos cirúrgicos feitos por conta própria ocasionalmente bastante agressivos.
Lepht Anonym é um biohacker de Berlim que defende a cibernética para as massas. Lepht (que se identifica como gênero neutro) realizou numerosas modificações corporais ao longo da última década, incluindo a implantação de discos de metal de neodímio sob as pontas dos dedos para permitir a detecção física de campos eletromagnéticos, e vários implantes de bússola interna projetados para dar consciência física dos pólos magnéticos norte e sul.
Entretanto, o movimento do biohacking está saindo do meio alternativo, com diversas start-ups de tecnologia emergindo nos últimos anos com interesse em desenvolver uma economia comercial da modificação corporal. A Grindhouse Wetware, de Pittsburgh, tem sido proeminente na criação de tecnologia que aprimora o corpo humano.
O dispositivo de maior destaque da empresa é chamado de Northstar, um implante que se espera que tenha capacidade bluetooth, permitindo ao usuário controlar seus dispositivos com simples movimentos de mão. A primeira iteração do dispositivo simplesmente teve função estética, com luzes LED sob a pele do usuário que imitam uma forma de bioluminescência. Em usos futuros, o Northstar poderia interagir com seu smartphone, rastrear dados biométricos, como açúcar no sangue, ou atuar como um controlador para uma variedade de dispositivos conectados à internet das coisas.
Estamos no momento certo
O transhumanismo está se movendo inexoravelmente para o mainstream à medida que os avanços tecnológicos aceleram. Apoiadores defendem que mergulhemos de cabeça neste novo e ousado mundo cibernético, enquanto os tradicionalistas ficam cada vez mais apreensivos.
Independente de opiniões pessoais, há, sem dúvida, um enorme número de pessoas preparando-se para ter uma primeira interface cérebro/computador implantada em sua cabeça, ou para sugerir geneticamente um conjunto de características específicas para seus bebês. Nós vivemos em épocas emocionantes, com toda certeza…agora me desculpe enquanto eu reassisto Gattaca e espero que não se transforme em um documentário-premonição do nosso futuro.