Por Beatriz Guillén
Publicado na OpenMind
Bertrand Russell (18 de maio de 1872 – 2 de fevereiro de 1970) poderia ser apenas um matemático brilhante que ganhou um Nobel. Mas era também um filósofo que, por seus escritos, conseguiu o prêmio na categoria de Literatura. O ativista que defendeu os direitos das mulheres, e que perdeu o posto de trabalho por apoiar a liberdade sexual no início do século XX. Ele era um pacifista motivo pelo qual, ao rechaçar a 1ª Guerra Mundial, foi levado à cadeia. Ele se opôs a Hitler, ao stalinismo, a invasão estadunidense ao Vietnã, as bombas nucleares e a segregação racial. Ele fez de sua paz a sua luta. É ele que, três meses antes de sua morte, com 97 anos, apelou ao secretário geral das Nações Unidas para apoiar uma comissão contra os crimes de guerra cometidos pelos americanos no país asiático. Por todas as suas contribuições, Russell é definido como um dos filósofos mais importantes do século XX, mas foi a matemática, segundo as suas próprias palavras, o seu principal interesse e fonte de felicidade.
Para entender a prolífica carreira de Russell deve-se viajar para o seu passado. Pertencente a uma das famílias aristocráticas mais proeminentes da Grã-Bretanha – o seu avô foi duas vezes Primeiro Ministro com a rainha Victoria – ele ficou órfão aos três anos. A educação secular a que tinham sido dirigidos os seus pais, livres pensadores radicais, nada tinha a ver com a que recebeu de sua avó. O estrito e repressivo controle moral o tornou uma criança tímida, retraída e solitária, que acabou sendo resgatada pela geometria. De acordo com a sua própria autobiografia, o seu desejo de saber mais sobre a matemática foi o que o afastou do suicídio. “Aos 11 anos, comecei Euclides, com o meu irmão [sete anos mais velho] como tutor. Foi um dos grandes acontecimentos da minha vida, como o primeiro amor. Eu não poderia imaginar que haveria algo tão delicioso no mundo”, escreveu.
Em sua adolescência, as leituras em matemática avançada o levaram a repensar alguns dos princípios fundamentais da religião cristã. Aos 18 anos, ele já rejeitava a vida após a morte e a existência de Deus: converteu-se em agnóstico, um dos princípios que o definiriam até o fim de sua vida. Nessa idade, Russell entrou no Trinity College de Cambridge para começar os estudos em matemática que complementou, anos depois, com os de filosofia. Embora tenha se graduado com honras em ambas as matérias, ele reconheceu, posteriormente, que aprendeu pouco com os seus professores universitários; não tanto com os seus companheiros, mas que o ajudariam a ser menos solene e a adquirir senso de humor.
A descoberta da lógica-matemática
Com a entrada do novo século, houve um evento chave para a sua história. Russell foi para Paris no segundo congresso internacional de matemática, onde conheceu Giuseppe Peano, referência na lógica simbólica. Fascinado por sua apresentação, Russell devorou todas as publicações do italiano. “Durante anos, eu tenho tratado de analisar as noções fundamentais da matemática, tais como a ordem e os números cardinais. De repente, em poucas semanas, eu descobri o que pareciam ser as respostas definitivas para os problemas que me haviam confundido durante anos. E enquanto eu descobria essas repostas, eu conhecia uma nova técnica matemática, graças ao qual, as regiões anteriormente abandonadas à indefinição dos filósofos, foram conquistadas pela precisão das fórmulas exatas”, escreveu.
Nesse mesmo ano, Russell começou a escrever o ensaio Os Princípios da Matemática, chegando a escrever 200.000 palavras em apenas três meses. Sua publicação, em 1903, foi o prelúdio para o trabalho cúpula que o britânico escreveu junto com o Alfred N. Whitehead: Principia Mathematica. Esses três volumes (publicados entre 1910 e 1913) formam um sistema axiomático em que poderia embasar toda a matemática e com a qual os autores pretendiam explicar como ela é, em um sentido importante, redutível à lógica. Eliminando assim qualquer conexão que se possa crer entre os números e o misticismo.
A missão de criar um mundo mais alegre
Durante o resto de sua vida, Russell seguiu escrevendo numerosos tratados filosóficos e sociais que o levaram a passar seis meses na cadeia, em 1918, por sua campanha anti-guerra – onde escreveu a mão o seu Introdução à Filosofia Matemática. Esse amplo acontecimento foi uma das razões pela qual a Academia Sueca decidiu premiar Russell, em 1950, com o Nobel de Literatura: “Em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos em que lutou por ideais humanistas e pela liberdade de pensamento”.
No final de sua autobiografia, Russell reflete sobre a sua vida e conclui que, desde a sua juventude, toda a sua vida “séria” tem sido devido a dois aspectos: “Eu queria, por um lado, descobrir se tudo podia ser conhecido; e, por outro lado, fazer todo o possível para criar um mundo mais feliz”. Os acontecimentos do século XX fizeram diminuir o seu otimismo, mas não o derrotaram: “Eu posso ter pensado que o caminho para fazer um mundo de seres humanos mais livres e felizes era mais curto do que, na realidade, tem mostrado ser. Mas não me equivoquei ao pensar que esse mundo era possível”.