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A busca por uma teoria final: um Santo Graal?

Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio

Imagine um dia quando os humanos chegarem a uma explicação completa dos componentes fundamentais da matéria, as partículas elementares que compõem tudo o que existe. (Se forem partículas…). Essa teoria das teorias, a materialização do sonho reducionista, é conhecida como a Teoria Final. Isto pode realmente acontecer? A física pode se desenvolver até um ponto onde a descrição completa dos fenômenos materiais se tornará possível? Ou a busca por uma explicação final é um sonho impossível, um Santo Graal?

Isaiah Berlin, o historiador das grandes ideias e filósofo da Universidade de Oxford, chamou as explicações finais que envolvem declarações como “tudo é isso” ou “tudo é aquilo” de Falácia Jônica. Berlin se referiu aos jônios, o primeiro grupo de filósofos pré-socráticos que viveram em Jônia, uma região da Grécia Antiga, atualmente parte da costa ocidental da Turquia. Ali, na cidade mercantil de Mileto, Thales foi o primeiro a propor que toda matéria brotava de uma única substância, isto é, que toda matéria era uma só. Thales propôs que aquela substância unificadora seria água, inspirado, sem dúvida, pela sua extraordinária capacidade de se transformar e se adaptar a diferentes situações e ambientes. A água é dinâmica e é a essência da vida, duas coisas que se encaixavam muito bem na crença de Thales de que a natureza era uma entidade orgânica e dinâmica, infinitamente em um estado de fluidez.

Esta descrição monística da natureza está na essência da crença de uma Teoria Final. Para o conceito jônio, devemos acrescentar a concepção de duas realidades de Platão, a do mundo dos sentidos e a do mundo da mente. Para Platão, a verdade só podia ser encontrada através dos pensamentos puros. Os sentidos enganam e não são confiáveis. Apenas a mente, especialmente através do raciocínio matemático, poderia construir verdades eternas, além da natureza efêmera do mundo material, que está em constante união e dissolução. No topo da cadeia estava Demiurgo, a mente divina de Platão, o arquiteto da realidade. Dizem que, na entrada da academia de Platão, em Atenas, havia a seguinte inscrição: “Deus sempre geometriza”. Essa divindade, a matemática suprema e arquiteta do mundo, eventualmente vai se misturar com o Deus judaico-cristão. Na época do Renascimento, compreender o mundo era compreender a “mente de Deus”, uma noção que é ecoada frequentemente nos dias atuais por muitos cientistas, como Stephen Hawking e outros, mesmo que apenas metaforicamente.

O objetivo da física de partículas elementares é obter uma descrição da matéria em sua forma mais fundamental. Essas partes indivisíveis de coisas têm determinadas propriedades, tais como massa e carga elétrica, e podem interagir através de quatro forças: gravidade, eletromagnetismo, e duas que só se manifestam em distâncias nucleares, as forças forte e fraca. Uma Teoria Final unificaria essas quatro forças em uma única, mostrando que, em energias muito altas como aquelas predominantes próximas do Big Bang, essas quatro forças eram somente uma. Conforme o universo se expandiu e esfriou, essa força gradualmente se dividiu, até se tornarem as quatro forças que conhecemos hoje: a unificação se dissolve através da história cósmica. Atualmente, as teorias das supercordas são as melhores candidatas para essa unificação, embora estejam longe de alcançar esse objetivo. Essas teorias vão além da noção das partículas elementares: as entidades fundamentais movimentam cordas de energia que se movem em nove dimensões espaciais: como cordas de violão, diferentes modos de vibração carregando diferentes cargas de energia, cada uma identificável com uma partícula elementar de matéria.

As teorias finais desse tipo seriam a realização final do sonho platônico, a construção geométrica da natureza de baixo para cima. Podemos realmente chegar lá? Se representarmos tudo o que sabemos como dentro de um círculo, o que não sabemos ficaria do lado de fora. Uma Teoria Final implica que não existe o lado de fora, pelo menos quando se trata da física de partículas (Essas teorias unificadas não têm nada a ver com fenômenos complexos, como o clima, como a Terra surgiu ou o que é a vida). A noção de que podemos realmente chegar à totalidade do conhecimento, para mim, é absurda. (Veja também as publicações do meu companheiro de blog, Stuart Kauffman). Nunca poderemos saber o que está além, mesmo que possamos suspeitar. Pode haver outra força, ou forças, ou fenômenos completamente inesperados espreitando nas sombras da nossa ignorância. A natureza é muito mais inteligente do que nós. Outro desafio é que a Teoria Final, derivada do ideal platônico, se baseia na simetria matemática. O código oculto da realidade é organizado em uma estrutura matemática onde tudo é reunido em uma enorme operação simétrica. O problema é que não temos nenhuma indicação de que esse é o caso. O que vemos são assimetrias e imperfeições que levam a produzir as estruturas do mundo, da matéria até a própria vida. Para mim, parece muito mais natural abandonar nossos sonhos de uma Teoria Final e abraçar a imperfeição e a incerteza de tudo. Dessa forma, o mundo se torna o nosso lar, e o que fazemos e as ações que tomamos definem o nosso futuro. É hora de parar de tentar abraçar a mente de Deus e começar a abraçar as nossas limitações, aceitando que nós fazemos o melhor que podemos para entender a realidade em que vivemos.

Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser

Appleton Professor of Natural Philosophy at Dartmouth College, USA. Professor of Physics and Astronomy at Dartmouth College, USA. Writer, blogger, public lecturer.