Por Jesse Singal
Publicado na The British Psychological Society
Uma história política acalorada nos Estados Unidos no último final de semana ilustra perfeitamente como a política tribal pode sobrecarregar uma fraqueza humana que os psicólogos vêm estudando há algum tempo – nossa profunda tendência a aceitar evidências que apoiem nossas crenças existentes e ignorar as evidências que as contradizem.
Houve um conflito perto do Lincoln Memorial, onde havia um punhado de israelitas negros e um grande grupo de adolescentes, em sua maioria brancos – inclusive alguns com chapéus do Donald Trump –, que estavam na cidade para uma marcha antiaborto. E havia também um pequeno grupo de manifestantes ameríndios (nativos americanos), um dos quais se viu no meio dos colegiais.
Seguindo os relatos iniciais do que aconteceu, e estimulados por um pequeno vídeo e fotos dramáticas, sugerindo que os adolescentes haviam cercado e confrontado o manifestante nativo americano em um aparente ato de intimidação, houve uma condenação generalizada dos adolescentes, pedidos para que eles fossem suspensos ou expulsos da escola, expostos e assim por diante. Mas o que aconteceu é que, quando novos detalhes surgiram, mais notavelmente o surgimento de um vídeo mais longo mostrando que era o manifestante que tinha entrado no meio dos adolescentes (porque, disse ele mais tarde, ele queria acabar com o conflito entre eles e os negros israelitas), e, o que também complicou outros aspectos da narrativa, muitos comentaristas continuaram a interpretar os eventos de acordo com suas próprias inclinações políticas. Na verdade, a cacofônica discussão online sobre o que aconteceu só pareceu explodir em volume quando o vídeo mais longo foi lançado. De qualquer modo, mais informações não resolveram as coisas.
Como o professor da Universidade de Georgetown, Jonathan Ladd, explanou tão bem no Twitter: “Sobre o incidente no Lincoln Memorial”, ele escreveu, “é fascinante ver o raciocínio motivado em tempo real ao longo de um período de 24 horas. Apesar de vários vídeos, todas as interpretações agora correspondem ao partidarismo das pessoas”.
Estas ginásticas cognitivas politicamente motivadas são o tema de um novo artigo importante, de autoria de Anup Gampa e Sean P. Wojcik, que acaba de ser disponibilizado como pré-impressão. Especificamente, Gampa e Wojcik, trabalhando com uma equipe que inclui o defensor da ciência aberta Brian Nosek, decidiram testar os efeitos do raciocínio politicamente motivado usando silogismos lógicos, um tipo de argumento lógico no qual premissas são consideradas verdadeiras e argumentos prosseguem de lá.
O silogismo que os pesquisadores usam como exemplo no topo de seu artigo mostra bem como esse tipo de coisa funciona:
Todas as coisas feitas de plantas são saudáveis. [premissa]
Cigarros são feitos de plantas. [premissa]
Portanto, cigarros são saudáveis. [conclusão]
Pelas regras da lógica e do conceito de silogismos lógicos esse argumento é logicamente correto (mesmo que factualmente incorreto). Mas como “cigarros são saudáveis” clama alto contra as crenças das pessoas sobre o mundo, algumas delas rejeitam esse silogismo como falso, mesmo depois de terem explicado as regras lógicas dos silogismos. Este exemplo não é uma questão particularmente política – ninguém acha que os cigarros são saudáveis neste momento. O que os pesquisadores queriam saber era se silogismos politicamente válidos ou inválidos (pertencentes ao aborto, por exemplo) seriam mais provavelmente interpretados como falsos ou verdadeiros, respectivamente, com base nas crenças políticas dos leitores, mesmo que essas crenças sejam irrelevantes para interpretar a solidez lógica dos silogismos.
Assim, em uma série de estudos com milhares de visitantes do YourMorals.org e do Project Implicit e uma amostra nacionalmente representativa de americanos, Gampa e Wojcik perguntaram a um grupo de participantes sobre suas crenças políticas e, em seguida, apresentou-os com uma série de silogismos projetados para explorar os sentimentos liberais ou conservadores, ou nenhum desses sentimentos – às vezes apresentados na estrutura silogística tradicional, formal, e às vezes na linguagem mais cotidiana. A tarefa dos participantes era simplesmente determinar quais silogismos eram válidos e quais eram inválidos.
Como pesquisas anteriores sobre esse assunto sugeriram, no primeiro estudo tanto liberais quanto conservadores eram mais propensos a avaliar erroneamente silogismos cujas conclusões colidiam com suas políticas.
Os pesquisadores descobriram um padrão semelhante em seu segundo estudo, que tratou de argumentos apresentados em linguagem mais comum, e em um terceiro desenho de uma amostra americana maior – embora naquele “o efeito fosse um pouco menos pronunciado”.
Resumindo as coisas, escrevem os pesquisadores, “os participantes avaliaram a estrutura lógica de argumentos inteiros com base em se eles acreditavam ou concordavam com as conclusões dos argumentos. Embora esses efeitos fossem modestos em magnitude, eles eram persistentes: observamos esses vieses nas avaliações de ambos os silogismos lógicos classicamente estruturados e argumentos políticos emoldurados em conversações, através de uma variedade de questões políticas polarizadas e em grandes amostras de internet e representações nacionais”.
Como o furor sobre os eventos recentes no Lincoln Memorial ilustra, esta é uma descoberta interessante que é refletida constantemente, ainda que de forma diferente e mais sutil, no mundo real: as pessoas rotineiramente rejeitam argumentos perfeitamente sólidos que lhes causariam desconforto cognitivo ao ameaçar suas crenças políticas ou seu senso de si mesmos como membros em boa posição dentro de sua tribo política, e assim por diante. Como regra geral, quanto mais laços políticos e emocionais e sociais tivermos com uma ideia, isto é, quanto mais uma ideia interessa, de maneira profunda, ao nosso senso de nós mesmos, menor será a probabilidade de que a deixemos passar mesmo diante de fortes evidências de que ela é falsa.
Este estudo não pode contribuir para o debate sobre se os liberais ou conservadores são mais propensos a cometer tais erros, escrevem os pesquisadores, porque os estímulos não foram construídos para serem igualmente polarizadores para os dois “lados” (embora algumas pesquisas anteriores sugerem que ambas as tribos são igualmente vulneráveis). Também não nos diz o que pode ser feito sobre esse tipo de raciocínio mal formado. Embora Gampa, Wojcik e seus colegas tenham algumas ideias: “A partir desta pesquisa pode ser que as pessoas comecem a se esforçar para serem epistemologicamente humildes. Se o raciocínio lógico serve como antídoto para o veneno do impasse partidário, devemos começar por reconhecer que ele não serve meramente à nossa objetividade, mas também aos nossos preconceitos”.