Por Victor J. Stenger
Publicado na Quantum Quackery
Certas interpretações da mecânica quântica, a teoria revolucionária devolvida no inicio do século XX para explicar o comportamento anômalo da luz e dos átomos, estão sendo deturpadas de forma a implicar que apenas os pensamentos são reais e que o universo físico é o produto de uma mente cósmica à qual a mente humana está ligada através do espaço e do tempo. Essa interpretação tem fornecido uma base aparentemente científica para várias alegações de mente sobre a matéria, da PES à medicina alternativa. O “misticismo quântico” forma também parte do sustentáculo intelectual da asserção pós-moderna de que a ciência não pode dizer nada sobre uma realidade objetiva.
A palavra “quantum” aparece frequentemente na literatura da Nova Era e na mística moderna. Por exemplo, o médico Deepak Chopra (1989) tem promovido com sucesso a noção que ele chama de cura quântica, que sugere que nós podemos curar todos os nossos males pela aplicação de energia mental suficiente.
De acordo com Chopra, esta conclusão profunda que pode ser extraída da física quântica, que ele diz ter demonstrado que “o mundo físico, incluindo nossos corpos, é uma resposta ao observador. Nós criamos nossos corpos como criamos a experiência do nosso mundo”. (Chopra 1993, 5). Chopra também afirma que “crenças, pensamentos e emoções criam as reações químicas que sustentam a vida em cada célula” e “o mundo em que você vive, incluindo a experiência do seu corpo, é completamente ditado por como você aprendeu a percebê-lo” (Chopra 1993, 6). Assim, doença e envelhecimento são uma ilusão, e podemos atingir o que Chopra chama de “corpo sem idade, mente sem tempo” pela livre força da consciência. [1]
Amit Goswami, no Universo Auto Consciente: Como a Consciência Cria o Mundo Material, argumenta que a existência de fenômenos paranormais é apoiada pela mecânica quântica:
“[…] fenômenos físicos, tais como a clarividência e as experiências fora do corpo, são exemplos da operação não localizada da consciência… a mecânica quântica dá sustentáculo a tal teoria fornecendo um apoio crucial para o caso da não-localidade da consciência. (Goswami 1993, 136)”
Uma vez que nenhum indício convincente e reprodutível para os fenômenos paranormais foi descoberto, apesar de 150 anos de esforço, essa é de fato uma base tênue para a consciência quântica. [2]
Embora seja dito que o misticismo existe nos escritos de muitos dos físicos proeminentes do principio do século XX (Wilber 1984), a moda atual da física mística começa na verdade com a publicação, em 1975, do Tao da Física de Fritjof Capra (Capra 1975). Nele, Capra afirma que a teoria quântica confirmou os ensinamentos tradicionais dos místicos orientais: de que a consciência humana e o universo formam um todo interconectado e irredutível. Um exemplo:
“Para o homem esclarecido […] cuja consciência abarca o universo, para ele o universo se torna seu “corpo”, enquanto o corpo físico se torna uma manifestação da Mente Universal, sua visão interior uma expressão da realidade mais elevada, e sua fala uma expressão da verdade eterna e do poder mântrico. Lama Anagarika, Govinda Foundations of Tibetan Mysticism (Capra 1975, 305) [3]
O livro de Capra foi uma inspiração para a Nova Era e “quantum” se tornou o jargão usado para embelezar a espiritualidade modernosa pseudocientífica que caracteriza o movimento. [4]
Dualidade onda-partícula
A mecânica quântica é vista, mesmo por muitos físicos, como sendo cheia de mistérios e paradoxos. Os místicos os buscam para apoiar suas visões. A fonte da maioria dessas alegações pode ser traçada à assim chamada dualidade onda-partícula da física quântica: objetos físicos, em nível quântico, parecem possuir propriedades tanto locais, reducionistas, de partícula, quanto propriedades não-locais, holísticas, de onda, que se tornam manifestas dependendo da medida da posição ou do comprimento de onda do objeto for medida.
Os dois tipos de propriedade, onda e partícula, parecem ser incompatíveis. A medida de uma quantidade geralmente afetará o valor que a outra quantidade vai ter em uma medição futura, portanto, o valor a ser obtido na medição futura é indeterminado, ou seja, é imprevisível, embora a distribuição estatística de um conjunto de medições semelhantes seja previsível. Dessa forma, a mecânica quântica obtém sua qualidade indeterminística, geralmente expressa em termos do princípio da incerteza de Heisenberg. Em geral, o formalismo matemático da mecânica quântica pode prever apenas distribuições estatísticas. [5]
Apesar da dualidade onda-partícula, a imagem da partícula é mantida na maioria das aplicações da mecânica quântica. Átomos, núcleos, elétrons e quarks são todos considerados como partículas em algum nível. Ao mesmo tempo, as “ondas” clássicas como luz e som são substituídas por fótons e fônons, respectivamente, localizados, quando os efeitos quânticos devem ser considerados.
Na mecânica quântica convencional, as propriedades de onda das partículas são representadas formalmente por uma quantidade matemática chamada função de onda, usada para computar a probabilidade de que a partícula será encontrada em uma posição particular. Quando se faz uma medição, e sua posição é então conhecida com grande precisão, diz-se que a função de onda “colapsa”, como ilustrado na Figura 1.
Figura 1. A função de onda colapsa na mecânica quântica convencional. Um elétron é localizado passando através de uma abertura. A probabilidade de que ele será, então, encontrado em uma certa posição é determinada pela função de onda ilustrada à direita da abertura. Quando o elétron é, então, detectado em A, a função de onda instantaneamente colapsa de modo que seja zero em B.
Einstein nunca gostou da noção de que a função de onda colapsa, chamando-a de “ação sobrenatural a distancia”. Na Figura 1, um sinal pareceria se propagar com velocidade infinita de A para B para dizer à função de onda para colapsar a zero em B uma vez que a partícula tenha sido detectada em A. De fato, o sinal precisa se propagar a velocidade infinita através do universo uma vez que, antes da detecção, o elétron poderia em princípio ter sido detectado em qualquer lugar.
Isso certamente viola a afirmação de Einstein de que nenhuma mensagem pode se mover mais rapidamente que a velocidade da luz.
Embora eles geralmente não sejam tão explícitos, os místicos quânticos parecem interpretar a função de onda como algum tipo de vibração de um éter holístico que preenche o universo, tão “real” quanto a vibração do ar que chamamos de onda sonora. O colapso da função de onda, no ponto de vista deles, acontece instantaneamente através do universo por um ato de vontade da consciência cósmica.
Em seu livro O Universo Consciente, Menos Kafatos e Robert Nadeau identificam a função de onda com “O Próprio Ser”:
Pode-se então concluir que o Ser, em seu análogo físico pelo menos, foi “revelado” na função de onda… Toda sensação que temos de uma unidade profunda com o cosmos… poderia ser entendida como correlata com a ação da função de onda determinística…. (Kafatos and Nadeau 1990, 124)
Assim, seguem Capra ao imaginar que a mecânica quântica une a mente com o universo. Mas o nosso senso interno de “profunda unidade com o cosmos” é dificilmente um indício científico.
A interpretação convencional da mecânica quântica, promulgada por Bohr e ainda mantida pela maioria dos físicos, não diz nada sobre consciência. Ela se preocupa apenas com o que pode ser medido e que predições podem ser feitas sobre como as distribuições estatísticas de conjuntos de medições futuras. Como notado, a função de onda é simplesmente um objeto matemático usado para calcular probabilidades. Construções matemáticas podem ser tão mágicas quanto qualquer outro fragmento da imaginação humana — como a nave estelar Enterprise ou o desenho do Papa-léguas. Em lugar algum a mecânica quântica implica que a matéria real ou mensagens viajem a velocidades mais rápidas do que a da luz. Na verdade, foi provado ser impossível a propagação de mensagem superluminal em qualquer teoria consistente com a relatividade convencional e com a mecânica quântica (Eberhard e Ross, 1989).
Interpretações românticas
Nem todos ficaram satisfeitos com a interpretação convencional da mecânica quântica, que não oferece explicação alguma para o colapso da função de onda. O desejo de consenso sobre uma interpretação ontológica da mecânica quântica levou a centenas de propostas através dos anos, nenhuma ganhando nem mesmo uma maioria simples de apoio entre os físicos ou filósofos.
Impulsionados pela insistência de Einstein de que a mecânica quântica é uma teoria incompleta, que “Deus não joga dados”, tem-se buscado teorias subquânticas envolvendo “variáveis ocultas” que deem lugar a forças que jazem abaixo dos níveis atuais de observação (Bohm e Hiley, 1993). Embora tais teorias sejam possíveis, não se encontrou ainda nenhum indício para forças subquânticas. Além disso, foram feitos experimentos que tornam quase certo que nenhuma dessas teorias, se determinística, deverá envolver conexões superluminais. [6]
Mesmo assim, os místicos quânticos saudaram a possibilidade de haver variáveis ocultas, holísticas, não-locais com o mesmo entusiasmo que mostraram para a função de onda consciente. Da mesma forma, abraçaram um terceiro ponto de vista: a interpretação de muitas palavras de Hugh Everett (Everett, 1957).
Everett mostrou, de forma útil, como era possível eliminar formalmente o colapso da função de onda em uma teoria quântica das medidas. Everett propôs que todos os caminhos possíveis continuam a existir em universos paralelos que se dividem cada vez que é feita uma medição. Isso deixou aberta a porta para os místicos quânticos alegarem que a mente humana age como um tipo de “seletor de canais” para o caminho que é seguido por um universo individual enquanto existe em todos os universos (Squires, 1990). Desnecessário dizer, a ideia de universos paralelos tem atraído seu próprio círculo de proponentes entusiastas, em todos os universos, provavelmente.
Não-localidade efetiva
O mundo quântico é admitidamente diferente do mundo da experiência cotidiana que obedece às regras da mecânica clássica Newtoniana. Algo além do senso comum normal e a física clássica é necessário para descrever os processos fundamentais dentro dos átomos e núcleos. Em particular, deve ser dada uma explicação para a não-localidade aparente, o “salto quântico” instantâneo, que tipifica a natureza incomum dos fenômenos quânticos.
Apesar da alegação muito ouvida de que as partículas quânticas não seguem caminhos bem definidos no espaço-tempo, os físicos de partículas elementares têm utilizado exatamente esse quadro por cinquenta anos. Como isso é conciliado com o salto quântico que parece caracterizar as transições atômicas e fenômenos similares? Podemos ver, agora, no diagrama do espaço-tempo mostrado na Figura 2.
Figura 2. Não-localidade efetiva. Como um “salto quântico” aparentemente instantâneo pode ser feito entre dois pontos no espaço. Um par elétron-pósitron é criado em C por uma flutuação quântica do vácuo. O pósitron aniquila um elétron em A, desfazendo a flutuação original do vácuo de modo que há mudança zero de energia. O elétron, portanto, parece ter feito um salto quântico instantâneo de A para B. A distancia AB é comparável ao comprimento de onda associado com a partícula, assim um comportamento de onda “holístico” acontece.
À esquerda, um elétron (e-) está se movendo ao longo de um caminho bem definido. Um ar elétron-pósitron é produzido no ponto C por uma flutuação quântica do vácuo, permitida pelo princípio da incerteza. O pósitron aniquila o elétron original no ponto A enquanto o elétron do par continua além do ponto B. Uma vez que todos os elétrons são indistinguíveis, parece como se o elétron original tivesse saltado instantaneamente de A para B.
Na Figura 2, todas as partículas envolvidas seguem caminhos definidos. Nenhuma se move mais rapidamente que a velocidade da luz. Ainda assim, o que se observa é operacionalmente equivalente a um elétron se movendo a uma velocidade superluminal, desaparecendo em A e aparecendo simultaneamente em um ponto distante B. Nenhum experimento pode ser executado no qual o elétron à esquerda possa ser distinguido daquele à direita. Um cálculo simples mostra que a distancia AB é da ordem do comprimento de onda (de Broglie) da partícula. Desse modo, a natureza de onda “holística” das partículas pode ser entendida de um modo que não requer movimento superluminal e certamente nenhuma intervenção da consciência humana.
Além disso, uma vez que o salto quântico é aleatório, nenhum sinal de outro efeito causal é transmitido superluminalmente. Por outro lado, uma teoria determinística baseada em forças subquânticas ou variáveis ocultas é necessariamente superluminal.
Assim, a mecânica quântica, como praticada convencionalmente, descreve os saltos quânticos sem um salto quântico drasticamente além do bom senso. Certamente nenhuma alegação mística é justificada por quaisquer observações relacionadas aos processos quânticos.
Conclusão
A mecânica quântica, a peça central da física moderna, é mal-interpretada como se implicasse que a mente humana controla a realidade e que o universo é um todo conectado que não pode ser entendido pela mera redução às partes.
Entretanto, nenhum argumento ou indício decisivo requer que a mecânica quântica tenha uma papel central na consciência humana ou que forneça conexões holísticas instantâneas através do universo. A física moderna, incluindo a mecânica quântica, permanece completamente materialista e reducionista na medida em que é consistente com todas as observações científicas.
O comportamento aparentemente holístico e não-local dos fenômenos quânticos, como exemplificado por uma partícula parecendo estar em dois lugares ao mesmo tempo, pode ser entendido sem se descartar o bom senso da noção das partículas seguindo caminhos definidos no espaço e no tempo ou exigindo que sinais viagem mais rapidamente que a luz.
Nenhum movimento ou sinalização superluminal foi alguma vez observado, em concordância com o limite definido pela teoria da relatividade. Ademais, as interpretações dos efeitos quânticos não precisam demolir a física clássica ou o bom senso para tornarem-se inoperantes em todas as escalas — especialmente na escala macroscópica na qual os humanos funcionam. A física Newtoniana, que descreve com sucesso virtualmente todos os fenômenos macroscópicos, segue suavemente o limite de muitas partículas da mecânica quântica. E o bom senso continua a se aplicar na escala humana.
Notas
[1] Para um exame da medicina alternativa, incluindo “medicina quântica”, veja Douglas Stalker and Clark Glymour, eds., Examining Holistic Medicine (Amherst, N.Y.: Prometheus Books, 1985).
[2] Para uma discussão mais ampla e referências, veja Victor J. Stenger, Physics and Psychics: The Search for a World Beyond the Senses (Amherst, N.Y.: Prometheus Books, 1990).
[3] L. A. Govinda, Foundations of Tibetan Mysticism (New York: Samuel Weiser, 1974), p. 225, como citado em Capra 1975, p. 305.
[4] Veja, por exemplo, Marilyn Ferguson, The Aquarian Conspiracy: Personal and Social Transformation in the 1980s (Los Angeles: Tarcher, 1980).
[5] É claro, em alguns casos essas distribuições podem ser altamente marcadas e assim um resultado pode ser previsto com alta probabilidade, ou seja, com certeza para todos os fins práticos. Na verdade, isso é precisamente o que acontece no caso de sistemas de muitas partículas, tais como os objetos macroscópicos. Esses sistemas então tornam-se descritíveis pela mecânica clássica determinística como o limite de muitas partículas da mecânica quântica.
[6] Para uma discussão mais ampla e referências, ver Victor J. Stenger, The Unconscious Quantum: Metaphysics in Modern Physics and Cosmology (Amherst, N.Y. : Prometheus Books, 1995).
Referências
Bohm D., and B. J. Hiley. 1993. The Undivided Universe: An Ontological Interpretation of Quantum Mechanics. London: Routledge.
Capra, Fritjof. 1975. The Tao of Physics. Boulder, Colorado: Shambhala.
Chopra, Deepak. 1989. Quantum Healing: Exploring the Frontiers of Mind/Body Medicine. New York: Bantam.
_____. 1993. Ageless Body, Timeless Mind: The Quantum Alternative to Growing Old. New York: Random House.
Eberhard, Phillippe H., and Ronald R. Ross. 1989. Quantum field theory cannot provide faster-than-light communication. Found. Phys. Lett. 2: 127-149.
Everett III, Hugh. 1957. “Relative state” formulation of quantum mechanics. Rev. Mod. Phys. 29: 454-462.
Goswami, Amit. 1993. The Self-Aware Universe: How Consciousness Creates the Material World. New York: G. P. Putnam’s Sons.
Kafatos, Menas, and Robert Nadeau. 1990. The Conscious Universe: Part and Whole in Modern Physical Theory. New York: Springer-Verlag.
Squires, Euan. 1990. Conscious Mind in the Physical World. New York: Adam Hilger.
Wilber, Ken, ed. 1984. Quantum Questions: Mystical Writings of the World’s Great Physicists. Boulder, Colorado: Shambhala.