Por Dennis Normile
Publicado na Science
A missão Chang’e-5 da Administração Espacial Nacional da China, planejada para levar rochas lunares à Terra nessa semana, ganhou manchetes pelo mundo.
Mas a outra agência espacial da China, o Centro Nacional de Ciências Espaciais da Academia Chinesa de Ciências, está rendendo notícia por conta própria: na quinta-feira, logo depois das 4 da manhã, horário local, lançou o seu equipamento de Imageadores de Contraparte All-sky para Ondas Gravitacionais Eletromagnéticas de Alta Energia (GECAM, na sigla em inglês) do Centro de Lançamento de Satélites de Xichang na província de Sichuan.
Os dois pequenos satélites do GECAM – 130 centímetros de altura e 150 quilogramas – estão agora em órbitas idênticas a 600 quilômetros de altura, mas em lados opostos da Terra. Dessas alturas, eles observarão as erupções de raios gama que emanam da fusão de objetos ultra densos, eventos que também geram ondas gravitacionais – ondulações no espaço-tempo. Em 2017, astrônomos testemunharam esse show de luz celestial, quando um par de estrelas de nêutrons, núcleos mortos remanescentes de explosões de supernovas, se fundiram e expeliram detritos brilhando em vários comprimentos de onda. Acredita-se que a fusão de uma estrela de nêutrons e um buraco negro possa gerar ondas de luz e gravitacionais. Mas se a fusão de dois buracos negros deve produzir qualquer tipo de luz é uma questão em aberto, diz Xiong Shaolin, astrofísico do Instituto de Física de Altas Energias do Academia Chinesa de Ciências e principal investigador do GECAM. “A maioria dos teóricos acredita que a resposta é não, mas cada vez mais pessoas acreditam que em algumas circunstâncias pode produzir emissões eletromagnéticas, incluindo erupções de raio gama.
Trabalhando juntos, os dois satélites podem monitorar todo o céu, rastreando a origem de uma erupção de raios gama em um local específico. Os observatórios de raios gama existentes, como o Observatório Neil Gehrels Swift da NASA e o Telescópio Espacial Fermi de raios gama, têm apenas vistas parciais do céu e às vezes são bloqueados pela Terra, diz Gemma Anderson, astrônoma da Universidade Curtin (Austrália). “O GECAM cobre todo o céu”, diz ela. Além disso, o Swift e o Fermi são otimizados para capturar as erupções de raios gama mais longas e de alta energia que resultam do colapso de estrelas massivas. A faixa de energia observacional do GECAM se estende até 6 kiloeletronvolts, menor do que Swift e Fermi, o que pode ser uma vantagem em detectar as erupções de raios gama “mais suaves” associadas às ondas gravitacionais, diz Xiong.
Por outro lado, as duas missões da NASA, depois de localizar uma erupção com seus monitores de campo amplo, podem ser ampliadas com instrumentos de campo estreito para estudar o brilho residual das erupções em raios gama e em outros comprimentos de onda. Com apenas seu monitor celeste, o GECAM alertará rapidamente outros instrumentos terrestres e espaciais para que eles possam observar o brilho residual.
Péter Mészáros, astrofísico teórico da Universidade Estadual da Pennsylvania (EUA), diz que o GECAM é algo que podemos ter grandes expectativas. Swift e Fermi estão envelhecendo. O Swift foi lançado em 2004 para uma missão planejada de 2 anos; o Fermi, em órbita desde 2008, deveria fornecer de 5 a 10 anos de serviço. Ter outro detector de erupção de raios gama em órbita é importante, diz Mészáros, porque o GECAM “também deve continuar operando após a eventual morte de Swift.”
O GECAM foi montado rapidamente depois que Xiong e seus colegas perceberam uma oportunidade. Eles propuseram o GECAM em 2016, 1 mês depois que os detectores de ondas gravitacionais nos Estados Unidos fizeram sua descoberta histórica de uma fusão de um buraco negro. A missão dá à China um papel emergente no que é chamado de astronomia multimensageira, que se baseia na coleta de informações complementares transportadas por fótons, ondas gravitacionais, neutrinos e raios cósmicos que podem ser emitidas simultaneamente por eventos cósmicos. No caso de ondas gravitacionais, por exemplo, os sinais eletromagnéticos adicionais podem ajudar a distinguir fusões de estrelas de nêutrons de combinação de buracos negros e estrelas de nêutrons, diz Anderson.
A equipe de Xiong ganhou financiamento sob um plano de 5 anos no valor de 4 bilhões de yuans (US$ 610 milhões, ou cerca de R$ 3,1 bilhões na atual cotação) através do qual a Administração Espacial Nacional da China está apoiando quatro missões de ciência espacial. Além do GECAM, a Administração Espacial Nacional da China está desenvolvendo a Sonda Einstein, que investigará o céu em busca de raios-X de baixa energia associados a fenômenos cósmicos violentos; o Observatório Solar avançado baseado no espaço, para monitorar o campo magnético do Sol e observar as erupções solares; e o Solar wind Magnetosphere Ionosphere Link Explorer, uma missão conjunta da Academia Chinesa de Ciências e da Agência Espacial Europeia para obter imagens da magnetosfera da Terra. As datas de lançamento não foram finalizadas.