Por Josh Jones
Publicado na Open Culture
Noam Chomsky sempre teve tendências irascíveis – quando ele não gosta de algo, ele nos permite saber, sem nunca levantar a voz e, geralmente, com muitas notas de rodapé. É uma qualidade que fez do professor emérito do MIT e famoso linguista um crítico tão poderoso do império americano durante meio século, denunciando vigorosamente a Guerra do Vietnã, a Guerra do Iraque e a possibilidade de uma guerra catastrófica com a Coreia do Norte. Chomsky não é um historiador profissional ou filósofo político; esses são os hobbies que ele assumiu para reforçar seus argumentos. Mas esses argumentos são fortalecidos pela sua vontade de se envolver com fontes primárias e levá-las a sério.
No entanto, quando se trata de sua disputa muito divulgada com o “pós-modernismo”, um termo que ele usa às vezes e liberalmente para descrever quase toda a cultura intelectual francesa pós-guerra, Chomsky raramente enfrenta seus oponentes utilizando termos que estes costumam usar. Isso é em grande parte porque, como disse em muitas ocasiões, ele não consegue identificar sentido nesses termos. Não é exatamente uma crítica original. Os mandarins do pensamento francês como Jean-François Lyotard, Jacques Lacan e Jean Baudrillard foram acusados por décadas, e não sem razão, de conscientemente promover besteiras para um público francês que espera, como Michel Foucault admitiu uma vez, uma fala que seja obrigatoriamente “dez por cento incompreensível” (o sociólogo Pierre Bourdieu afirma que o número é muito maior).
Mas a crítica de Chomsky vai mais longe, em uma direção que não recebe quase tanta pressão quanto suas acusações de obscurantismo e uso excessivo de jargões isolados. Chomsky afirma que, longe de oferecer modos novos e radicais de conceber o mundo, o pensamento pós-moderno serve como um instrumento de estruturas de poder opressivas. É uma afirmação interessante, dado alguns argumentos recentes de que a “pós-verdade” pós-moderna é responsável pelo aumento do movimento autodenominado “alt-right” e a rápida disseminação de informações falsas como ferramenta para a perpetuação do poder do partido governante nos Estados Unidos:
Não só existe “muita recompensa material”, diz Chomsky, que vem da superestrutura acadêmica que muitos filósofos franceses de alto nível conquistaram espaço, mas suas posições – ou a falta de uma posição clara – “permitem assumir posturas muitos radicais, (…) mas a de serem completamente dissociados de tudo o que está acontecendo.” Chomsky dá um exemplo acima de uma crítica pós-moderna anônima que classificou uma palestra que ele deu como “ingênua” por sua discussão ligada a “coisas antiquadas do Iluminismo” como tomar decisões morais e se referir a tal coisa como “verdade”. Em sua breve discussão sobre “a estranha bolha dos intelectuais franceses” no topo da postagem, Chomsky é mais específico.
A maioria dos filósofos franceses pós-guerra, ele alega, foram stalinistas ou maoístas (ele usa o exemplo de Julia Kristeva) e abraçaram de forma acrítica o comunismo estatal autoritário apesar de seus crimes e abusos documentados, ao mesmo tempo que rejeitam outros modos de pensamento filosófico, como o positivismo lógico, que aceitam a validade do método científico. Isso pode ou não ser uma crítica justa: as orientações políticas mudam com o tempo (e às vezes aceitamos o trabalho de um pensador, rejeitando completamente suas políticas pessoais). E a crítica pós-moderna do discurso científico como forma de poder opressivo é uma crítica séria que não precisaria implicar numa rejeição completa da ciência.
Existem pensadores pós-estruturalistas que Chomsky admira? Embora ele faça uma pequena menção a Michel Foucault no clipe acima, ele e o teórico francês tiveram alguns debates frutíferos, “em questões reais”, diz Chomsky, “e usando uma linguagem perfeitamente compreensível – ele falando francês, eu inglês.” Isso não é uma surpresa. Os dois pensadores, apesar da imensa diferença em seus estilos e quadros de referência, se envolvem fortemente com fontes históricas primárias e ambos, consistentemente, escrevem histórias de ideologia.
É em parte através da interação entre as ideias de Foucault e Chomsky que podemos encontrar uma síntese do pensamento marxista pós-estruturalista francês e da filosofia política anarquista estadunidense. Ao invés de vê-los como astros da luta-livre profissional no ringue, com o pós-moderno como vilão e manchetes como “Chomsky destrói o pós-modernismo“, poderíamos procurar complementaridades e pontos de concordância, e genuinamente ler, por mais difícil que possa ser, vários argumentos dos filósofos franceses pós-modernos (e talvez tentar ler também essa defesa do obscurantismo) antes de decidir com um sinal arrebatador que nenhum deles fazem sentido.