Por Peter Dockrill
Publicado na Science Alert
Os cientistas identificaram um vírus enigmático cujo genoma parece ser quase inteiramente novo para a ciência, povoado por genes desconhecidos que nunca haviam sido documentados em pesquisas virais.
O chamado Yaravírus, em homenagem a Yara – a rainha das águas na mitologia brasileira -, foi encontrado no Lagoa da Pampulha, um lago artificial em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Embora o Yaravírus (Yaravirus brasiliensis) possa não ser algo sobrenatural, o vírus pode ser tão misterioso quanto a mitologia da ninfa da água.
Isso ocorre porque o vírus constitui “uma nova linhagem de vírus amebal com origem e filogenia intrigantes”, explica a equipe de pesquisa em um novo artigo sobre a descoberta.
Dois dos membros seniores dessa equipe – os virologistas Bernard La Scola, pesquisador da Universidade Aix-Marselha, na França, e Jônatas S. Abrahão, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais – devem saber do que estão falando.
Há dois anos, a dupla ajudou a descobrir outra novidade viral que habita a água: o Tupanvírus, um vírus gigante encontrado em habitats aquáticos extremos.
Os vírus gigantes, em oposição à variedade comum, são chamados dessa forma por causa de seus enormes capsídeos (invólucros de proteínas que encapsulam virions – partículas de vírus).
Essas formas virais muito maiores só foram descobertas neste século, mas não são apenas notáveis por seu tamanho. Eles também possuem genomas mais complexos, dando a eles a capacidade de sintetizar proteínas e, portanto, executar coisas como reparo de DNA, além de replicação, transcrição e tradução de DNA.
Antes da descoberta, pensava-se que os vírus não podiam fazer coisas assim, sendo consideradas entidades relativamente inertes e não-vivas, capazes apenas de infectar seus hospedeiros.
Agora, sabemos que os vírus são muito mais complexos do que se pensava, e nos últimos anos, os cientistas descobriram outros tipos de formas virais que desafiam de maneira semelhante nosso pensamento sobre como os vírus podem se espalhar e funcionar.
A nova descoberta, Yaravírus, não parece ser um vírus gigante, pois é composto por pequenas partículas do tamanho de 80 nm. Mas o que é notável é o quão aparentemente único é o seu genoma.
“Muitos dos vírus conhecidos da ameba compartilham muitas funções que eventualmente levaram os autores a classificá-los em grupos evolutivos comuns”, escrevem os autores.
“Ao contrário do que é observado em outros vírus isolados da ameba, o Yaravírus não é representado por uma partícula grande/gigante e um genoma complexo, mas, ao mesmo tempo, carrega um número importante de genes que anteriormente não haviam sido descritos”.
Em suas investigações, os pesquisadores descobriram que mais de 90% dos genes do Yaravírus nunca haviam sido descritos, constituindo o que são conhecidos como genes órfãos (também conhecidos como ORFans).
Apenas seis genes encontrados apresentavam uma semelhança distante com genes virais conhecidos, documentados em bancos de dados científicos públicos, e uma pesquisa em mais de 8.500 metagenomas publicamente disponíveis não deu pistas sobre o que o Yaravírus pode estar intimamente relacionado.
“Utilizando protocolos padrão, nossa primeira análise genética não conseguiu encontrar nenhuma sequência reconhecível de capsídeo ou outros genes virais clássicos no Yaravírus”, explicam os pesquisadores.
“Seguindo os atuais protocolos metagenômicos para detecção viral, o Yaravírus nem seria reconhecido como um agente viral”.
Quanto ao que é o Yaravírus, os cientistas só podem especular por enquanto, mas sugerem que pode ser o primeiro caso isolado de um grupo desconhecido de vírus amebal, ou potencialmente um tipo distante de vírus gigante que, de alguma forma, pode ter evoluído para uma forma menor.
De qualquer forma, está claro que ainda temos muito a aprender, dizem os pesquisadores.
“A quantidade de proteínas desconhecidas que compõem as partículas de Yaravírus reflete a variabilidade existente no mundo viral e o potencial de novos genomas virais que ainda precisam ser descobertos”, concluem os autores.
Os resultados foram publicados no bioRxiv.