Em primeiro lugar, a Teoria da Evolução é uma explicação científica para fatos reais, ou seja, o processo de transformação, surgimento e extinção das espécies. No entanto, uma parcela significativa da população não a compreende como um fato, mas como uma mera especulação. Isso se deve, essencialmente, a um combate sistemático por parte de setores religiosos à explicação científica para a diversidade da vida na Terra. Sendo assim, que evidências poderíamos citar para demonstrar que a evolução é um fato?
1. Designs imperfeitos
Quando pensamos em uma criação seja ela um prédio, um carro ou um “universo com todos seus habitantes” é de se esperar que haja um planejamento antes de como será aquela obra. Por exemplo, quando é construído um prédio, os operários não saem colocando tijolos aleatoriamente na esperança que de surja um prédio a partir de seu improviso. Pelo contrário, eles executam passo a passo as orientações pré-estabelecidas já planejadas por engenheiros (as) e assim esperam que ao final da obra tenham um prédio bem-acabado. Contudo, se o planejamento foi feito por engenheiros (as) desastrados (as) é de esperar que encontremos nesse prédio recém construído uma série de “bizarrices arquitetônicas.”
Todavia, quando observarmos os seres vivos somos tentados a ter uma leve sensação de que eles são fruto de uma criação perfeita, já que sua anatomia e interação com o meio ambiente “aparentam perfeição”. Porém, com uma análise mais detalhada podemos observar uma série de “bizarrices arquitetônicas” na anatomia dos seres vivos. O que nos faz indagar que talvez não fossemos fruto de uma criação, mas, sim, o resultado de um longo processo evolutivo.
Uma expressão categórica de um design imperfeito é o nervo laríngeo recorrente. Esse nervo se insere na laringe onde regula funções como vocalização, deglutição e controle respiratório. O nervo laríngeo recorrente é uma ramificação do nervo vago, um nervo craniano, que emerge do crânio pelo forame jugular. Pois bem, qual seria o trajeto que faria mais sentido de um nervo que emerge do crânio e se insere na laringe? Se ele sai do crânio e precisa se inervar na laringe, obviamente um “bom arquiteto” optaria pelo caminho mais curto e econômico. No entanto, o caminho percorrido pelo nervo laríngeo recorrente deixaria até mesmo o pior arquiteto envergonhado.
Ao invés do nervo laríngeo recorrente (em roxo na imagem abaixo) se ramificar do nervo vago (em amarelo) logo que o nervo vago sai do crânio e se inserir na laringe, como deveria se esperar de um bom design, ele apresenta um trajeto no qual ele se ramifica próximo da artéria aorta. Depois de se separar do nervo vago, o nervo laríngeo recorrente ao invés de voltar e se inserir na laringe ele passa por baixo da aorta, para aí sim, se inserir no seu destino.
Esse é um caso típico de mau design, mas o que explicaria essa estranha anatomia? Os tetrápodes (anfíbios, répteis, aves e mamíferos) surgiram acerca de 395 milhões de anos, no Período Devoniano, e evoluíram a partir de peixes de nadadeira lobada, o Sarcopterygii¹. Os peixes atuais apresentam uma estrutura anatômica similar ao Sarcopterygii.
Nos peixes modernos, o nervo vago se estende pela coluna dorsal, ramificando-se em outros nervos. O nervo que dá origem ao nervo laríngeo recorrente corresponde ao sexto ramo que se inerva no sexto arco branquial.
À medida que os animais conquistaram o ambiente terrestre, características até então inexistentes nos peixes passaram a surgir no decorrer do processo evolutivo, como por exemplo, o pescoço. Já outras desapareceram como as brânquias.
Esses rearranjos vieram acompanhados de inúmeros outros, como modificação das artérias, os nervos que até então inervavam as brânquias seguirem o rearranjo dos vasos sanguíneos, ficam reféns do balé anatômico impulsionado pelas mudanças anatômicas do sistema circulatório.
Isso ajudaria explicar o porquê do nervo laríngeo recorrente adotar esse trajeto curioso. A evolução de estruturas é um processo contínuo, onde surgimentos de uma nova estrutura não acontecem a partir do nada, mas sim resultadas das transformações de estruturas já existentes, ou seja, as novas estruturas são adaptações de estruturas anteriores.
Justamente por esse aspecto é que encontramos inúmeros outros casos de “mau design”. Isso demonstra que de fato não existe um projetista consciente que projetou todas espécies. Pelo contrário, as estruturas dos seres vivos são resultados de um processo evolutivo a partir de outras estruturas preexistentes.
2. Estruturas vestigiais
Os ambientes que os organismos vivem estão em constante transformações ou muitas vezes os organismos passam a colonizar outras áreas a fim de buscar novas oportunidades de sobrevivência e reprodução.
A medida que os organismos passam a colonizar novas áreas ou o meio se modifica, novas pressões seletivas são impostas para aqueles seres. O resultado imediato dessas mudanças é que estruturas que inicialmente cumpriam um papel decisivo para a sobrevivência dos organismos num determinado momento passam a não cumprir nenhuma função ou até mesmo serem prejudiciais funcionalmente.
Após a diversificação dos tetrápodes no ambiente terrestre algumas espécies fizeram o caminho inverso e passaram a colonizar novamente o ambiente aquático. Um caso bastante emblemático é o das baleias, que são mamíferos e pertencentes a superclasse dos tetrápodes. Os mamíferos irradiaram no ambiente terrestre, mas a baleia, assim como outros mamíferos passou a viver em ambientes aquáticos até que se tornou um ser exclusivamente marinho.
Para se adaptar a esse novo ambiente, as patas dianteiras das baleias passaram por profundas transformações, se adaptando para formaras nadadeiras. Já as patas traseiras, à medida que elas perdiam sua funcionalidade foram se atrofiando até que desaparecessem. No entanto, ossos da pata inferior ainda estão presentes nas baleias como o fêmur, ílio e tíbia
Isso é uma forte evidência da origem terrestre das baleias, à medida que elas se adaptavam ao ambiente aquático a função principal dos ossos dos membros inferiores ia tendo sua funcionalidade reduzida e à medida que esse organismo se adaptava mais a vida aquática ter patas passava a ser um grande empecilho funcional. Assim, a seleção natural passou a selecionar positivamente animais com patas mais curtas. Durante milhões de anos o resultado que podemos observar é um ser sem patas, mas com resquícios evolutivos que mostram que as baleias evoluíram a partir de animais de quatro patas.
3. Registro fóssil
Quando questionado sobre o que colocaria abaixo a Teoria da Evolução, o biólogo J. B. S. Haldane afirmou “fósseis de coelho no pré-cambriano”. As espécies não são estáticas, ou seja, elas se transformam ao longo do tempo, são extintas assim como surgem novas espécies. Por esse caráter dinâmico dos seres vivos podemos encontrar padrões de espécies bem específicas em cada tempo geológico.
Ou seja, espécies fósseis comuns no cambrianos não são encontradas, por exemplo, no cretáceo, assim como fósseis de espécies que surgiram no holoceno não são encontrados no jurássico. Por exemplo, se por ventura encontrasse fósseis de humanos no Triássico seria uma evidência importante que todas as espécies foram criadas simultaneamente, pois afinal elas viveram juntas. No entanto, as espécies não foram criadas juntas, quiçá criadas de alguma forma.
Grande diversificação dos mamíferos e a sua localização no topo da cadeia alimentar só foi possível após a extinção dos dinossauros. Enquanto os dinossauros estavam habitando a Terra, os mamíferos estavam destinados a “viver sobre suas sombras”. Nesse sentido, não haveria como existir ursos, leões, humanos e baleias vivendo de forma concomitantemente com os dinossauros. Por isso, não são encontrados fósseis de humanos e dinossauros no mesmo tempo geológico, afinal esses dois organismos viveram em tempos diferentes.
Isso, por si só, é uma evidência poderosa da evolução. Além disso, o registro fóssil pode mostrar importantes nós de diversificação de grandes grupos, evidenciando transições evolutivas. Um desses fósseis é o do Tiktaalikroseae, no qual representa a transição evolutiva entre vertebrados aquáticos (peixes, naquele momento) e vertebrados terrestres. Esse fóssil foi encontrado em 2004, é uma importante peça do quebra cabeça evolutivo.
4. Evolução diante nossos olhos
Muitas vezes quando discutimos processos evolutivos somos remetidos a analisar uma escala de tempo profunda. Como os humanos vivem pouco é difícil ter uma dimensão de escalas temporais que abrangem milhões de anos. Assim, não conseguimos “ver” a evolução com nossos próprios olhos. Porém, existiriam casos onde a evolução das espécies seria possível ser vista em “tempo real”?
Alguns organismos tem um ciclo de vida muito veloz. As bactérias por exemplo, em condições ideais, podem se duplicar a cada 20 minutos. Por isso, 30 anos para uma bactéria representaria um número gigante de gerações, sofrendo mutações nas quais estariam sendo selecionadas pela seleção natural. Por isso, as bactérias são um ótimo modelo para analisarmos a evolução diante de nossos olhos.
As bactérias estabelecem uma relação muito intima com a humanidade e longe de serem um organismo que nos causa apenas mal, a nossa relação com as bactérias pode nos trazer inúmeros benefícios. No entanto, muitas podem ser prejudiciais a nossa espécie. No início do século XX, por exemplo, um mero arranhão poderia ser letal, resultado de uma infecção bacteriana. Todavia, com a descoberta dos antibióticos o combate as bactérias patológicas foram possíveis, trazendo uma melhoria significativa na nossa expectativa de vida.
Porém o uso de antibióticos passou a ser uma força seletiva significativa atuando na evolução das bactérias. Isso porque os antibióticos matavam as bactérias mais suscetíveis ao medicamento mas selecionavam positivamente aquelas características de resistência aos antibióticos. Isso provocou uma corrida evolutiva entre a produção de antibióticos e as bactérias, um respondendo as mudanças do outro.
Quando os antibióticos foram criados a expectativa é que venceríamos de vez as infecções bacterianas. Porém o cenário apesar de ser melhor do que o início do século XX, hoje estamos muito distantes daquela previsão já que as bactérias evoluíram em resposta aos antibióticos.
Isso se deve ao fato do uso de antibióticos selecionar positivamente os genes que conferem resistência aos próprios antibióticos. E hoje um novo grupo de bactérias conhecidas como “superbactérias” extremamente resistente a antibióticos vem causado milhares de mortes no mundo. Recentemente a bactéria Neisseriagonorrhoeaque, que causa gonorréia, derivou uma variante super-resistente a antibióticos e incurável até o momento. A OMS alerta sobre o risco de disseminação mundial dessa nova bactéria.²
Ou seja, a resistência aos antibióticos são outro exemplo categórico da evolução. Se a vida não evoluísse não faria nenhum sentido desenvolver novos antibióticos, já que as bactérias de 1970 seriam as mesmas dos dias atuais, mas a realidade nos mostra o contrário. Elas seguem evoluindo e se adaptando ao meio. Esse processo ocorre também com vírus em resposta a vacinas e insetos que evoluem a medida que são expostos inseticidas e passam a se tornar resistentes ao veneno.
5. Distribuição geográfica
A distribuição das espécies no globo também pode ser uma evidência da evolução, por exemplo, a inexistência de anfíbios ou peixes de água doce endêmicos em ilhas oceânicas. As ilhas oceânicas, diferentemente das ilhas continentais nunca foram ligadas aos continentes, elas surgiram a partir do leito marinho. Alguns exemplos de ilhas oceânicas são: Havaí, Galápagos e Santa Helena. Em todas essas ilhas não existem espécies endêmicas de peixes de água doce e anfíbios, isso porque na maior parte dos casos esses animais não toleram a alta salinidade da água e, portanto, não poderiam migrar do continente para essas ilhas.
Diferentemente das ilhas oceânicas, as ilhas continentais apresentam uma vasta gama de anfíbios e peixes de água doce. Mas que criador teria um capricho de colocar anfíbios apenas em ilhas continentais e não em ilhas oceânicas? Alguém poderia argumentar que as ilhas oceânicas não seriam um bom habitat para anfíbios e, portanto, eles não sobreviveriam nessas ilhas. No entanto, existem experiências de introdução de anfíbios em ilhas oceânicas. Em 1932 foi introduzido no Havaí o sapo-boi a fim de controlar o besouro da cana de açúcar, no entanto, seu sucesso adaptativo foi tamanho que o sapo-boi se transformou em uma praga na ilha.
Outro padrão interessante envolvendo ilhas está relacionado aos tipos de espécies que elas apresentam. Ilhas continentais que se separaram recentemente do continente tendem a apresentar faunas e floras similares ao do continente na qual elas faziam parte. Já ilhas que se separaram há muito tempo do continente tendem a apresentar um padrão de espécie muito atípicos.
Isso porque a medida que a ilha se separa do continente, o fluxo gênico entre espécies que até então estavam unidas se interrompe. E a partir de então essas espécies passam a evoluir de forma separadas. Quanto maior o tempo de interrupção do fluxo gênico maior será a divergência genética entre as espécies e, portanto, mais separadas evolutivamente.
A Inglaterra se separou do continente europeu a cerca de 300 mil anos (pouco tempo do ponto de vista evolutivo) e a fauna e flora inglesa apresenta um padrão similar a da fauna e flora Europeia. No entanto, Madagascar se separou a 160 milhões do continente e pode ser considerado um caldeirão evolutivo. 70% das formas de vida de Madagascar são encontradas somente lá. Em Madagascar podemos encontrar lêmures,Cobra Malagaxe Nariz-de-Folha, besouro girafa e as arvores abobas, dentre outras espécies fascinantes.
Existem outras centenas de exemplos que poderíamos citar e a cada dia que passa as evidências aumentam. Compreender a evolução, além de possibilitar o entendimento da diversidade da vida na Terra, tem implicações práticas no manejo de espécies ameaçadas de extinção e também no tratamento para doenças. Hoje, infelizmente, existem setores sociais na linha de frente do combate à razão em detrimento do charlatanismos religioso.
Referencias
-
Clack, Jennifer A. Gaining ground: the origin and evolution of tetrapods. Indiana University Press, 2012.
- Gallagher, James. Sexo oral e relações sem camisinha estão disseminando supergonorreia, diz OMS. BBC, 2017.
Leitura complementar
-
Coyne, Jerry A. Why evolution is true. Oxford University Press, 2010.