Por Stephanie Pappas
Publicado na Live Science
Um crânio da Idade da Pedra encontrado em uma caverna espanhola carrega as marcas de uma cirurgia cerebral que deu errado e de decapitação post mortem.
O crânio, que pode ter pertencido a uma mulher adulta, data de entre aproximadamente 4800 a.C. e 4550 a.C. Os arqueólogos encontraram o crânio nas profundezas da caverna Dehesilla na Península Ibérica, ao lado de um segundo crânio adulto – talvez de um homem – e os restos de uma cabra jovem, como relatado na revista científica PLOS ONE.
A descoberta mórbida e incomum levanta a possibilidade de que os ossos tenham sido trazidos para a caverna para algum tipo de ritual religioso, escreveu o autor do estudo Daniel García-Rivero, arqueólogo da Universidade de Sevilha, na Espanha. Um ou os dois indivíduos podem ter sido vítimas de sacrifício humano.
Sepultura estranha
A Caverna Dehesilla é um conjunto de cavernas nas Montanhas do Sistema Baético da Espanha. Artefatos da Idade da Pedra foram encontrados perto da entrada da caverna na década de 1970, mas a nova descoberta vem da Sala 4, uma das cavernas mais profundas do sistema.
Lá, uma escavação de 2017 revelou dois crânios sem mandíbula, enterrados ao lado de ferramentas de pedra, pedaços de cerâmica e grande parte do esqueleto de uma ovelha ou cabra que provavelmente tinha menos de 10 dias de vida quando morreu. A caverna também continha um altar de pedra e um círculo cheio de cinzas, aparentemente os restos de uma fogueira de 7.000 anos.
É difícil determinar o sexo de um indivíduo apenas pelo crânio, mas o tamanho e a forma dos crânios sugeriam que um poderia ser feminino e o outro masculino. Ambos eram adultos, mas não foi possível determinar suas idades de forma precisa.
No lado superior esquerdo do crânio possivelmente feminino, os arqueólogos encontraram algo estranho: uma perfuração ou cavidade, com cerca de 19 milímetros de largura, mostrando sinais de crescimento ósseo e de recuperação óssea posteriores. Não havia rachaduras irradiando desse buraco, levando os pesquisadores a concluir que a mulher havia sido submetida a uma cirurgia no cérebro comum da Idade da Pedra chamada trepanação. Trepanação era a prática de perfurar ou abrir um buraco no crânio chegando até o cérebro; centenas de crânios da Idade da Pedra foram encontrados com orifícios de trepanação. Cirurgiões modernos, às vezes, removem partes do crânio após uma lesão cerebral para aliviar a pressão do inchaço, e é possível que cirurgiões antigos tiveram as mesmas razões para fazer a trepanação. Mas eles também podem ter feito a cirurgia porque acreditavam que ela libertava espíritos malignos.
Seja qual for o motivo, a trepanação realizada no crânio foi incompleta; o buraco não atravessou completamente o crânio. A pessoa provavelmente viveu por anos após o procedimento, escreveram os pesquisadores, e a trepanação pode não ter nada a ver com o estranho destino post mortem da mulher. Marcas de cortes no crânio indicam que sua cabeça foi removida do corpo logo após a morte, enquanto ainda havia carne nos ossos.
Era desconhecida
A cena na caverna sugere algum tipo de ritual, talvez até um ritual de sacrifício, escreveram os pesquisadores. Aquele povo antigo provavelmente matou a cabra para o ritual, mas não está claro se eles também sacrificaram os dois humanos. Eles podem ter morrido naturalmente, ou um pode ter morrido naturalmente e o outro pode ter sido um sacrifício humano enterrado com ela e a cabra. Ou ambos podem ter sido mortos deliberadamente.
“Esta descoberta abre novas linhas de pesquisa e novos cenários antropológicos”, disse García-Rivero em um comunicado. Nesses cenários, o sacrifício de humanos e animais pode ter sido parte dos rituais de cultos dedicados à ancestralidade ou parte de festas de comemoração, disse ele.
Muito pouco se sabe sobre as práticas de sepultamento do Neolítico Médio, a época que esses crânios foram colocados na caverna. A nova descoberta também é uma oportunidade para comparar as práticas dos povos da Idade da Pedra no sul da Península Ibérica com os de seus vizinhos mais a leste, disse García-Rivero.
“Esta descoberta é de grande importância não só pela sua peculiaridade, mas também porque constitui um local de ritual intacto e fechado, o que é uma grande oportunidade para obter uma visão mais detalhada dos comportamentos funerários e rituais dos povos que habitaram a Península Ibérica no Neolítico”, disse ele.