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Como as aves desenvolveram asas? Podemos ter encontrado o ‘elo perdido’ em fósseis de dinossauros

Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert

Fósseis de dinossauros com braços com uma dobra peculiar no cotovelo e no pulso podem sugerir a presença de um tendão não preservado que sustenta todo o voo moderno das aves.

Se os pesquisadores da Universidade de Tóquio estiverem certos, essa postura pode fornecer pistas sobre o caminho que os vertebrados voadores da Terra seguiram para chegar aos céus.

A evolução de asas poderosas o suficiente para levantar um vertebrado do chão é um dos maiores mistérios da paleontologia.

Os pterossauros são famosos por serem os primeiros vertebrados conhecidos a alcançar a verdadeira decolagem há quase 200 milhões de anos. No entanto, esses enormes répteis antigos não eram dinossauros, deixando os ancestrais diretos das aves para descobrir toda a arte de voar por conta própria.

Os dinossauros aviários só evoluiriam muito mais tarde a partir de terópodes com penas e duas patas – 80 milhões de anos ou mais depois que os pterossauros já haviam alcançado o voo motorizado.

Apesar dessas histórias de origem muito diferentes, as aves usam uma estrutura notavelmente semelhante aos pterossauros para se manter no ar, que, como as penas, parece ter evoluído muito antes do próprio voo.

Chamado de propatágio, é uma membrana presente em todos os vertebrados vivos que hoje batem asas, incluindo aves e morcegos. Alguns mamíferos planadores até têm uma estrutura semelhante presente em seus membros superiores semelhantes a pára-quedas.

A melhor maneira de imaginar um propatágio é estender o braço para o lado com o cotovelo e o pulso dobrados. Agora imagine um tendão se estendendo do seu ombro até a sua mão, criando uma ponte, ou a ‘borda dianteira‘ de uma asa.

Essa ‘ponte’ permite que as aves voadoras flexionem e estendam o pulso e o cotovelo de maneira uníssona durante um movimento de bater as asas. A estrutura essencialmente dá sustentação ao voo de uma ave, permitindo que o animal controle duas articulações ao mesmo tempo.

Sistema musculoesquelético da asa esquerda aviária. O propatágio (propatagium) é destacado na figura A. (Créditos: Yurika Uno e Tatsuya Hirasawa, Zoological Letters, 2023)

Para os pterossauros, seu papel é menos claro, mas o propatágio parece ter controlado a decolagem e o pouso do voo alterando o fluxo de ar sobre a superfície superior da asa.

Sem o tendão presente, alguns cientistas acham que aves, morcegos e dinossauros nunca teriam saído do chão.

“Não é encontrado em outros vertebrados e também desapareceu ou perdeu sua função em aves que não voam, uma das razões pelas quais sabemos que é essencial para o voo”, explicou o paleontólogo Tatsuya Hirasawa, da Universidade de Tóquio.

“Portanto, para entender como o voo evoluiu nas aves, devemos saber como evoluiu o propatágio”.

O problema é que o propatágio é um tecido mole, o que significa que raramente é preservado no registro fóssil. Além do mais, esse tendão é tão fino que não deixa muita marca nos ossos aos quais se liga.

Felizmente, Hirasawa e seu colega, Yurika Uno, descobriram uma maneira de “ver” o tendão, mesmo quando ele não está mais lá. A pista é saber como o propatágio restringe os movimentos de um animal.

Quando uma ave moderna morre, por exemplo, essa membrana naturalmente mantém o punho e o cotovelo do animal em flexão.

Comparando o ângulo conspícuo do cotovelo com a curvatura dos braços em fósseis de terópodes não aviários, os pesquisadores encontraram evidências de que uma estrutura semelhante a um propatágio provavelmente se estendia pelo ombro e pulso de vários dinossauros terrestres.

Por exemplo, os ângulos observados nos fósseis de muitos ‘maniraptoranos‘ (que incluem os velociraptores) eram ligeiramente maiores do que os observados nas aves modernas, mas ainda sugeriam a presença de uma estrutura semelhante ao propatágio.

Comparação de como o propatágio evoluiu nos braços dos terópodes e nas asas das aves. (Créditos: Yurika Uno e Tatsuya Hirasawa, Zoological Letters, 2023)

Para apoiar essas previsões, os pesquisadores também identificaram restos de tecidos moles do que pode ser um propatágio inicial em dois fósseis maniraptoranos: o Caudipteryx do tamanho de um peru e o microraptor de quatro asas.

Caudipteryx provavelmente não poderia voar, e ainda se discute se o microraptor poderia. No entanto, esses dois dinossauros claramente possuíam as estruturas que mais tarde se tornariam necessárias para o voo motorizado.

Evidência de tecidos moles que se assemelham a um propatágio (PPT) em fósseis de dinossauros A) microraptor B) Caudipteryx e C) uma imagem ampliada de uma região de B. (Créditos: Yurika Uno e Tatsuya Hirasawa, Zoological Letters, 2023)

O velociraptor é outro maniraptorano que provavelmente não poderia voar, mas mais pesquisas serão necessárias para ver se seus fósseis contêm pistas de um propatágio perdido.

Com base nos resultados recentes, no entanto, pesquisadores da Universidade de Tóquio acreditam que o propatágio pode ser ancestral de todos os maniraptoranos, uma linhagem que remonta a cerca de 150 milhões de anos.

Uma possível linhagem evolutiva do propatágio (propatagium). Tradução da imagem: terópodes (theropods), maniraptoranos (maniraptorans), aves (birds), aves modernas (modern birds), evolução das penas (evolution of feather) e evolução do voo (evolution of flight). (Créditos: Yurika Uno e Tatsuya Hirasawa, Zoological Letters, 2023)

A única exceção é o Archaeopteryx, que é difícil de colocar na árvore dos dinossauros, mas pode ou não ser considerado um maniraptorano. Se o famoso dinossauro emplumado poderia voar é muito debatido, com alguns especulando que o animal usava seus membros simplesmente para planar.

O ângulo de seu pulso e cotovelo em fósseis certamente não sugere que ele tinha uma estrutura semelhante a um propatágio.

“Portanto”, escreveram os autores da nova pesquisa, “o Archaeopteryx provavelmente era incapaz de executar a cinemática do voo motorizado das aves modernas”.

Talvez se o Archaeopteryx tivesse um propatágio, seus ancestrais ainda estariam voando hoje.

O estudo foi publicado na Zoological Letters.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.