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Como inteligência artificial está realmente sendo aplicada?

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Muitas pessoas, quando ouvem o termo Inteligência Artificial (IA), logo lembram de um robô humanoide com um desejo de aniquilar a espécie humana. Mas as inteligências artificiais não são robôs humanoides com uma tendência psicopata dos filmes de ficção, como Exterminador do Futuro e Ex Machina. O tema vem aparecendo cada vez mais nos meios de comunicação, mas ainda deixa muitas pessoas confusas sobre o que, de fato, ela é, inclusive muitos têm medo equivocado do que ela pode vir a se tornar.

Isso é reforçado quando figuras públicas dão declarações sensacionalistas e com intenções não muito claras. Recentemente, Elon Musk declarou que “a inteligência artificial ameaça a existência da nossa civilização” e que “até as pessoas não vejam robôs matando gente na rua não se entenderão os perigos da inteligência artificial”. O famoso físico Stephen Hawking também fez declarações sobre os perigos da IA. Em contraponto, o fundador do facebook, Mark Zuckerberg falou em uma transmissão ao vivo que as declarações do Musk sobre um futuro apocalíptico com IA é bastante irresponsável, deturpando a visão do público sobre o investimento na tecnologia, que está trazendo incontáveis benefícios e tem potencial para muito mais. Já Linus Torvalds, criador do linux, ao ser perguntado sobre as predições apocalípticas, chegou a perguntar “que drogas estas pessoas usam?”.

“Espero uma versão maior (e muito melhor) da Inteligência Artificial direcionada, ao invés de algo parecido com um ser humano. Reconhecimento de linguagens, reconhecimento de padrões, coisas assim. Mas não consigo imaginar uma situação na qual você tem uma crise existencial porque seu lava-louças começa a discutir Sartre”, disse Torvalds.

Quem estuda ou trabalha na área, sabe que todo este alarmismo midiático é exagerado e equivocado. Em um artigo o Ph.D em Ciência da Computação Tim Oates, pesquisador da área, explica o porquê não devemos temer a Inteligência Artificial. Segue um trecho do texto:

“(…) alunos de pós-graduação, por exemplo, desenvolveram métodos para prever a necessidade de transfusões de sangue e cirurgias de emergência para pacientes com traumatismo crânio-encefálico com base em algumas horas de gravação contínua de sinais vitais. Outros têm explorado determinar o estado das salas de operação com base nos vídeos, digitalizando formulários em papel para que trabalhadores da área da saúde no terceiro mundo possam ter os dados para análise rápida e assim gerar textos com a descrições de pessoas em imagens de triagem para ajudar entes queridos a achar vítimas de desastres.

O que estamos vendo de novo e de novo são pensadores futuristas aplicando a IA em situações onde o que precisamos é velocidade: identificação de especificidades com base em modelos estatísticos complexos, compreensão e processamento de enormes quantidades de dados para resolver problemas impossíveis de serem solucionados de outra forma. Inteligência Artificial não é o ‘demônio’ que fazem parecer; inerentemente ela é útil e vai nos permitir fazer progressos como nunca antes.”

Mas o propósito deste texto não é dizer quem está certo ou errado nesta briga, mas sim mostrar onde a IA está sendo realmente aplicada. E não, não é em robôs assassinos. Na verdade, a gigantesca maioria das aplicações de inteligência artificial nem mesmo envolve robôs, mas sim são implementadas em softwares, aplicativos, entre outras coisas. Eu vejo a IA como uma extensão humana que nos ajuda a superar nossas limitações, assim como qualquer tecnologia. A aplicação de IA hoje pode ser resumida em processar uma grande quantidade de dados e traduzir em formato que é compreensível para nós, então podemos tomar alguma decisão com estes resultados.

Usamos a Inteligência Artificial no nosso dia a dia

Toda vez que há uma indicação de vídeo no Youtube, tem uma playlist montada no Spotify, quando você vê anúncios personalizados em um blog, quando Facebook te recomenda adicionar uma pessoa ou quando você adiciona um efeito em uma foto do Snapchat, você está usando inteligência de máquina para fazer estas coisas.

As buscas no Google, por exemplo, funcionam tão bem porque é usado machine learning para ranquear as páginas. O aprendizado de máquina também é usado no reconhecimento de rostos em aplicativos como Facebook, para sugerir palavras quando você está trocando mensagens e também como para classificar se e-mails são promoções, finanças ou spam. O fato é que se tornou tão natural que, nas palavras de John McCarthy (considerado um dos pais de IA), “assim que foi criada, ninguém mais a chamou de Inteligência Artificial”.

Inteligência Artificial não é algo novo

Desde 1960 pesquisas na área de Inteligência Artificial vêm sendo financiadas, tendo um grande salto de publicações na década de 1990 e outro ainda maior depois da virada do século, como é demonstrado pelo índice de citação científica (SCI-Expanded). A partir de então, IA é amplamente utilizada para logística, mineração de dados, diagnóstico médico, indústrias, finanças entre muitas outras áreas.

O motivo de aplicações da IA estar aumentando é porque nunca antes tivemos tantos dados, assim como nunca tivemos tanto poder de processamento computacional como temos hoje, e é exatamente disso que IA se alimenta: processamento de dados.

Apesar disso, a IA ainda está dando seus passos iniciais daquilo que alguns chamam de a próxima revolução industrial. O professor Andrew Ng, também ex-cientista chefe da corporação chinesa Baidu Inc. (cargo que deixou há pouco tempo) e co-fundador da plataforma de ensinos à distância Coursera, disse em uma entrevista que “assim como há cerca de 100 anos a eletricidade mudou as grandes indústrias, acho que estamos na fase em que a IA vai mudar praticamente todas as grandes indústrias”.

Inteligência Artificial é um termo muito abrangente, existem muitas formas e tipos de IA com incontáveis aplicações. Enquanto uma IA aprende a escrever o seu próprio código roubando de outros programas outro utiliza de deep learning para jogar xadrez ou poker. Programas como a Netflix e Amazon, aprendem com os dados e histórico dos usuários para oferecerem um serviço customizado, fazendo propaganda de séries, livros, músicas e/ou produtos baseado nas preferências e gostos pessoais. O sucesso da série Stranger Things, por exemplo, é fruto da coleta de dados das preferências de seus usuários.

Machine learning — O estado da arte

A área de maior destaque atualmente é Machine learning (aprendizado de máquina).

  • Arthur Samuel (1959) Machine Learning: Campo de estudo que dá aos computadores a habilidade de aprender sem ser explicitamente programado.
  • Tom Mitchell (1998) Well-posed Learning Problem: Se diz que um programa de computador aprende pela experiência E com respeito a uma tarefa T e uma performance P, se sua performance nas tarefas em T, medidas por P, melhoram com a experiência E.

Machine learning é um área que tem crescido também fora do campo de inteligência artificial, sua capacidade de aprender com o e está fazendo impacto em outras áreas, como nas ciências naturais (como biologia computacional, física, neurociência), engenharia, medicina, indústrias e comércio.

O fato de Machine Learning ter alavancado nos últimos anos se dá ao fato da expansão da internet que gera um grande volume de dados. Empresas de tecnologia armazenam o máximo de informações possíveis dos internautas. Um exemplo disso é a coleta de clickstream data  —  dados de quais páginas o usuário visita, em que ordem, etc — , a partir de então são usadas técnicas de mineração de dados e algoritmos de aprendizado que processam, filtram, organizam e classificam dados com o objetivo de entender melhor os usuários e poder lhes oferecer uma melhor experiência. Ou então usar estes dados para vender informações com objetivos comerciais, como anúncios na internet, que é uma forte base da receita de empresas que disponibilizam serviços gratuitos, como Google e Facebook.

Na era da informação, a quantidade de dados que está sendo criada e armazenada a nível global é praticamente inconcebível, no qual se torna necessário um tratamento específico e diferenciado das metodologias tradicionais, foi daí que foi concebido o termo big data.

Estas grandes quantidades de dados já não podem ser analisadas ou programadas da forma tradicional. O que torna o uso de machine learning ainda mais pertinente, pois as máquinas não se limitam a fazer apenas aquilo pela qual foram programadas, mas também usam as informações injetadas para um aprimoramento contínuo por meio do aprendizado pela experiência.

Isso tudo abre uma janela para incontáveis aplicações de inteligência de máquinas na sociedade.

Machine learning trará grandes avanços nos resultados e redução de custos da saúde. Através da análise de dados dos pacientes, dos dados de pacientes com condições similares assim como a análise de eficácia dos tratamentos, o potencial para melhorar diagnósticos, reduzir erros e agilizar o processo de descoberta de fármacos é emocionante. Além disso os dados podem ser usados para detectar doenças precocemente e para personalizar os planos de tratamento. As empresas farmacêuticas e de biotecnologia podem usar algoritmos de aprendizagem para descobrir de forma rápida e eficiente novas drogas, além de testar suas eficácias em cada tipo diferente de biótipo humano.

Este tratamento personalizado e direcionado para se adaptar a cada grupo de pacientes que partilham características genéticas e/ou físicas (que também pode ser personalizado individualmente) vai impulsionar o crescimento da medicina de precisão. Em 2015, o então presidente dos EUA Barack Obama anunciou um financiamento mais de US$ 200 milhões para pesquisas em medicina de precisão.

A indústria de IoT (sigla em inglês para Internet das Coisas) ainda está no começo e já é um mercado de de 12 bilhões de dólares. De acordo com uma pesquisa global da Genpact com 173 altos executivos, apenas 25% têm uma estratégia de IoT. Esses executivos estão apostando no aprendizado de máquinas para soluções que melhorem as taxas de produção, reduzam os níveis de estoque e de produtos acabados, gerando economia de custos e aumentando as chances de lucro.

A tecnologia também está revolucionando a indústria financeira e está tornando obsoleta muitas práticas bancárias antiquadas. O maior banco dos EUA, JPMorgan Chase & Co., que lançou no ano passado seu próprio serviço de computação em nuvem chamada Gaia, começou usar recentemente a máquina de aprendizagem chamada COIN (Contract Intelligence) para fazer a tarefa maçante de interpretar acordos de empréstimos comerciais, que antes consumia 360 mil horas de trabalho por ano de advogados e agentes de crédito. O software revê os documentos em segundos, é menos propenso a erros e nunca pede férias. O investimento para automatizar tarefas recorrentes e criar novas ferramentas para banqueiros e clientes significou um aumento de US$ 9,6 bilhões do orçamento da companhia em tecnologia.

Um exemplo da aplicação da tecnologia também são os empréstimos peer-to-peer que usam a web para promover encontros entre investidores e aqueles que buscam por investimento, neste modelo as aprovações de empréstimo são encurtadas para horas ao invés de semanas nos bancos tradicionais. Os empréstimos online nos EUA, que em 2015 chegou a US$ 20 bilhões, deverá chegar a US$ 120 bilhões até o final da década.

Empresas de capital de risco injetaram, ao todo, mais de 17 bilhões de dólares em startups fintech em 2016. No ano passado, a China ultrapassou os EUA como o principal destino para o investimento fintech. Cingapura sozinho tem mais de 100 startups fintech. Nos mercados de capitais, como a Goldman Sachs Group e o Banco da Inglaterra estão experimentando para ver se blockchain, a base de dados pública disponível que sustenta a moeda digital bitcoin, pode substituir os métodos existentes de transmissão de ativos e moedas. Que também está simplificando a forma como os títulos são negociados, liquidados e registrados.

Com a expansão dos dados, muitos modelos antes apenas disponíveis para profissionais do mundo financeiro, agora estão mais acessíveis para qualquer pessoa com acesso à internet. A partir disso iniciou o surgimento de sistemas inteligentes e automatizados que dão conselhos para seus usuários a partir da análise das suas finanças e fazendo sugestões baseados nas suas preferências e metas. Estes sistemas terão grande impacto na alfabetização financeira dos usuários, além de os auxiliar a manter a saúde financeira.

Através da análise dos históricos de seguros, machine learning pode ajudar seguradoras a entregar produtos mais direcionados com menos custos. Por exemplo, seguradoras podem usar dados comportamentais para definir preços individualmente ou usar uma detecção de fraude e prevenir perdas. A empresa de consultoria KPMG explica como machine learning vai mudar as companhias de seguro.

Algo que também está crescendo bastante são chatbots. Eles já são realidade, atualmente muitos serviços de suporte já estão automatizados. Assistentes pessoais, como Siri da Apple, Google Now, Cortana da Microsoft conversam, atendem comando de voz e se adaptam ao perfil do usuário do smartphone ou computador.

Também temos os smart speakers como Amazon Echo e Google Home, que atendem a comandos de voz e podem se integrar com outros dispositivos e serviços. Recentemente aconteceu uma situação inusitada nos EUA, quando Alexa (serviço de voz do Amazon Echo) chamou a polícia após o namorado ameaçar a namorada de morte. Todos eles ainda têm suas limitações, mas como o aprendizado é contínuo, estes assistentes e chatbots se tornarão os nossos melhores amigos quando tivermos uma dúvida, quando precisarmos de ajuda ou apenas quando queremos fazer uma coisa sem precisar levantar, como pedir para um assistente virtual desligar ou acender as luzes ou então falar para o assistente ligar sua Smart TV na sua série favorita.

Em seu livro Homo deus, o historiador Yuval Harari, comenta como um dia os seres humanos vão se fundir com os computadores, algoritmos e dispositivos bioquímicos que tornam nossas vidas melhores. Em um trecho da entrevista com Derek Thompson (que você pode acessar aqui), ele discorre um pouco sobre o que ele chama de mundo pós-humano:

“Harari: Eu gosto de começar com as coisas simples. Olhe para os aplicativos GPS, como Waze e Google Maps. Cinco anos atrás, você ia a algum lugar no seu carro ou a pé. Você se guiava com base em seu próprio conhecimento e intuição. Mas hoje todo mundo está cegamente seguindo o que Waze está dizendo. A habilidade básica de navegarem sozinhos foi perdida. Se algo acontecer com o aplicativo, estarão completamente perdidos.

(…)

Thompson: Isso é fascinante, porque agora acho que esses algoritmos estão me deixando mais próximo de mim mesmo. Se uma pulseira fitness me incentiva a correr mais ou um algoritmo de entretenimento descobre uma música que eu amo, eu fico mais feliz. E eu prefiro estar feliz.”

Na entrevista Harari também comenta sobre sensores biométricos, tais sensores, quando integrados, analisam e processam seus dados bioquímicos e conseguem prover informações sobre qual seria a sua alimentação adequada para o dia, ou recomendar uma quantidade assertiva de quanto tempo você deve dormir para se sentir melhor. E apesar disso parecer um pouco futurista demais, a invenção de sensores biométricos está cada vez mais sofisticada e está começando a ser implementada.

Por exemplo, na CES technology trade em junho deste ano (2017) foram apresentados veículos com IA e/ou sensores biométricos. As tecnologias pretendem tornar a viagem mais agradável, aumentar a segurança ou manter os condutores envolvidos quando o carro está no modo de auto-direção, em casos onde a intervenção humana pode ser necessária.

“A inteligência artificial permitirá carros totalmente autônomos muito mais rápido do que o possível”, disse Karl Brauer, editor executivo da Autotrader e Kelley Blue Book. “A inteligência artificial é mais do que um componente da tecnologia de auto-condução, é realmente um requisito para cumprir a promessa de um transporte pessoal mais seguro e eficiente”.

O fornecedor de automóveis alemão Continental AG apresentou em junho um novo sistema de ignição que usa um scanner de impressão digital para autenticar um motorista e dar a ignição.

O sistema pode ser conectado a uma câmera interior, que reconhece o rosto do driver e ajusta automaticamente a posição do assento e do espelho, música, temperatura e navegação.

E isso é apenas uma parte das aplicações de inteligências artificiais. O processamento de dados e aprendizado de máquina estão trazendo inúmeros avanços nas mais variadas áreas, está tornando dispositivos e softwares que usamos mais customizados para o nosso perfil; está automatizando tarefas repetitivas; está tornando serviços — que antes dependiam do fator humano — instantâneos, automáticos e mais precisos; está se adaptando às necessidades de cada um; tornando a experiência do uso de tecnologias mais agradável e mais eficiente.

Considero que declarações sensacionalistas e exageradas como as que Elon Musk fez, mesmo que tenha sido com boas intenções, prestam um desserviço ao progresso tecnológico e ao desenvolvimento de aplicações que implementam inteligências artificiais. Na verdade, as declarações deram a impressão de que ele tem interesses privados ao reivindicar estas regulações.

A regulação neste momento, ao meu ver, só inibiria a inovação, tornando mais burocrático uma área que está em constante evolução e que depende da liberdade de desenvolvimento de software para progredir. E convenhamos, o desenvolvimento em IA hoje é, resumidamente, algoritmos que tratam dados.


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Euclécio J. R.

Euclécio J. R.

Engenheiro de software na Codenation