Traduzido de matéria publicada por Elizabeth Hammock, professora adjunta da Florida State University, no portal Spectrum, em 9 de julho de 2019. Imagem: John Hersey
Uma grande quantidade de pesquisas sustenta uma participação do hormônio vasopressina no comportamento social. Também conhecida como “hormônio antidiurético”, a vasopressina é um pequeno peptídeo que regula uma variedade de funções, como sede, balanço hídrico, pressão sangüínea e comportamento social.
Por causa de seus efeitos sobre o comportamento social, a vasopressina pode levar a novas terapias que aliviem os deficit sociais no autismo. Dois estudos clínicos publicados este ano mostraram resultados promissores.
Um estudo, publicado em maio na Science Translational Medicine, sugeria que a administração nasal de vasopressina aumenta os escores de comportamento social em crianças autistas[1]. O outro, no mesmo periódico e edição, revelou que o bloqueio da vasopressina com uma pílula chamada balovaptan melhora modestamente as habilidades sociais e de comunicação em adultos autistas[2].
À primeira vista, isso representa um enigma. Como manipulações aparentemente opostas – uma que imita a vasopressina e uma que a bloqueia – induzem resultados semelhantes?
Diferenças metodológicas entre os dois estudos fornecem algumas pistas e possíveis explicações. Analisar os estudos como um todo também oferece novas perguntas a se explorar a respeito do tópico da vasopressina e do comportamento social.
Diferença de idade
A idade dos participantes nos estudos é diferente: um estudo foi em crianças e o outro em adultos. Crianças não são simplesmente adultos em miniatura, e não podemos supor que os medicamentos tenham os mesmos efeitos em todas as idades. De fato, tratar crianças com vasopressina intranasal produziu um grande efeito sobre o comportamento social, enquanto o tratamento de adultos com um bloqueador oral de vasopressina produziu uma mudança reduzida.
Talvez o sistema da vasopressina desempenhe um papel durante o desenvolvimento – de tal forma que as crianças precisem de mais sinalização de vasopressina para o comportamento pró-social – e um papel bem diferente na idade adulta.
Outra possível explicação é que os compostos, conforme administrados nos estudos, atuaram em partes diferentes do corpo. A administração intranasal de vasopressina pode agir localmente ou pode atravessar para o cérebro. Nossa pesquisa inédita [Nota do tradutor: pesquisa ainda não publicada pela autora desta matéria] em roedores mostra que receptores de vasopressina estão presentes na boca e no nariz e podem transmitir informações até o cérebro.
Em contraste, o medicamento balovaptan, administrado oralmente, é absorvido na corrente sanguínea e distribuído por todo o corpo, incluindo o cérebro. Geralmente pensamos nos efeitos comportamentais dos medicamentos como sendo mediados pelo cérebro; entretanto, a vasopressina tem ações conhecidas nos tecidos periféricos, o que poderia influenciar o comportamento indiretamente. Por exemplo, ficou claro que o hormônio atua na periferia para induzir sentimentos de excitação[3].
No geral, ainda não está claro se medicamentos à base de vasopressina, administrados perifericamente, afetam o comportamento atuando na periferia, no cérebro ou em ambos.
Ações indiretas
Os dois tratamentos também podem diferir em como eles interagem com os quatro tipos de receptores que se ligam à vasopressina e transmitem sua mensagem[4]. Três dos receptores, V1a, V1b e o receptor da oxitocina, têm papéis conhecidos na regulação do comportamento social (o quarto, chamado de V2, regula a função renal). Assim como a vasopressina produzida no corpo, a vasopressina administrada por via intranasal pode se ligar a todos esses quatro receptores.
Em contraste, o bloqueador de vasopressina balovaptan liga-se seletivamente a apenas um receptor de vasopressina – o V1a. Talvez bloquear um tipo de receptor force a vasopressina normalmente circulante a atuar em outros receptores para promover efeitos pró-sociais. Neste cenário, o balovaptan aumentaria indiretamente a atividade geral da vasopressina nos três receptores restantes.
Como próximo passo, os pesquisadores precisam replicar estes estudos iniciais. Eles também precisam se certificar de que estes tratamentos são seguros, observando os efeitos colaterais em testes clínicos mais abrangentes e elaborados.
Os pesquisadores também precisam determinar como a vasopressina afeta o comportamento social em diferentes estágios do desenvolvimento e em diferentes contextos comportamentais. Precisamos determinar os papéis das áreas no cérebro e periferia nas ações da vasopressina e quais tipos de receptores medeiam os efeitos pró-sociais da vasopressina. Por exemplo: O que acontece se o receptor da vasopressina V1a for bloqueado ao mesmo tempo que se administra vasopressina extra?
Uma melhor compreensão sobre como a vasopressina age no nosso corpo pode levar a melhores tratamentos.
Referências:
- Parker K.J. et al. Sci. Transl. Med. 11, eaau7356 (2019) PubMed
- Bolognani F. et al. Sci. Transl. Med. 11, eaat7838 (2019) PubMed
- Leng G. et al. Ann. N.Y. Acad. Sci. Epub aguardando publicação (2019) PubMed
- Song Z. and H.E. Albers Front. Neuroendocrinol. 51, 14-24 (2018) PubMed