Publicado no Observatório da Imprensa
As universidades brasileiras precisam desenvolver rotinas de comunicação mais efetivas para que a sociedade desenvolva o hábito de se informar sobre os resultados das pesquisas científicas realizadas por seus professores e estudantes. Para isso, além do empenho dos gestores, das assessorias de imprensa e dos próprios pesquisadores, é preciso uma verdadeira mudança de paradigma sobre o papel das universidades na divulgação científica de sua produção acadêmica.
Em uma análise preliminar para o desenvolvimento do portal Brasil Ciência, nossa equipe de pesquisadores e estudantes visitou as seções de notícias nos sites das quase trezentas instituições de ensino superior públicas do Brasil — incluindo federais, estaduais e municipais. Em linhas gerais, observamos que, com poucas exceções, a maioria das informações é direcionada exclusivamente para o público interno.
Entre notícias sobre aquisição ou manutenção de equipamentos, anúncios de acordos e convênios, listas de candidatos matriculados, datas de colação de grau, informes sobre editais, chamadas para inscrições para congressos, além de notícias sobre professores, estudantes e autoridades que participam de eventos e solenidades, são raríssimas as informações sobre as pesquisas e os projetos de extensão realizados de forma rotineira nos cursos de graduação e nos programas de pós-graduação. Eventualmente, quando uma banca de mestrado ou doutorado é noticiada, o foco recai sobre o evento em si, e não sobre os resultados e os benefícios científicos e sociais da pesquisa.
Além disso, observamos que as iniciativas de divulgação científica propriamente ditas estão não apenas descentralizadas, mas desarticuladas e, na prática, ocultas sob camadas intrincadas de links embaralhados e frequentemente desatualizados. Em muitos casos, os próprios centros, departamentos, programas de pós-graduação ou grupos de pesquisa publicam suas notícias em subdomínios praticamente inacessíveis ao público não especializado. Em outros casos, talvez para driblar algum empecilho técnico ou burocrático, pesquisadores preferem criar sites e blogs temporários em domínios externos oferecidos por plataformas gratuitas. A regra geral é que, em poucos anos, esses blogs acabam abandonados e esquecidos pelas próprias equipes.
Suspeitamos que um princípio equivocado fundamenta essa opção deliberada pelo amadorismo: trata-se da ilusão de que basta publicar na internet que os interessados vão chegar. E que, se as pessoas não chegam, o problema é delas. Ou seja, mais do que ignorar procedimentos básicos que buscam, por exemplo, hierarquizar os conteúdos e melhorar o posicionamento das informações nas ferramentas de busca, este labirinto parece meticulosamente arquitetado para intimidar os não-iniciados. Ao desdenhar das Ciências da Comunicação, portanto, cientistas das mais diversas áreas imaginam que é eficiência aquilo que não passa de uma vaidosa inutilidade: um blog de divulgação científica para ninguém.
Interesse da universidade ou interesse público?
Ao lado da ênfase quase exclusiva na comunicação interna — que exige do público externo um verdadeiro exercício de mineração para encontrar informações relevantes no meio de uma infinidade de notas de interesse exclusivo da comunidade acadêmica — parte do problema está no próprio paradigma que orienta o trabalho das assessorias de comunicação. Frequentemente, seja por hábito, seja por determinação dos próprios dirigentes, as assessorias se condicionaram a veicular conteúdos de interesse da universidade. Algumas vezes, isso não passa de uma forma mal disfarçada de justificar a veiculação de conteúdos de interesse da reitoria. Como se trata de um cargo que alia dimensões administrativas e políticas, não é incomum observar a instrumentalização de assessorias que se dedicam a propagandear o prestígio dos dirigentes e da instituição, em vez de priorizar os esforços para informar o público com conteúdos verdadeiramente relevantes para as suas vidas. Compreendo a importância de reitores e reitoras prestarem contas de suas atividades. Contudo, é nítido o desequilíbrio das estratégias das assessorias de imprensa, que, ao atender as demandas da comunicação interna, evitam assumir a responsabilidade de comunicar ciência para a sociedade.
Por isso, vale a pena insistir: quando nos referimos às necessidades do público externo, é um equívoco direcionar o esforço da assessoria de imprensa no sentido de produzir notícias de interesse da universidade. É preciso, em vez disso, produzir notícias de interesse público. Para ir direto ao ponto: em vez de veicular publicidade autocongratulatória em busca de aplausos de uma sociedade carente de oportunidades, a comunicação das universidades precisa servir à sociedade com informações úteis para o dia a dia das pessoas. E, para isso, não se deve confundir divulgação científica com o mero registro factual de eventos, méritos e honrarias individuais.
A notícia de que um professor apresentou um trabalho em um congresso no exterior é mais condizente com uma coluna social do que com uma editoria de ciência. Na melhor das hipóteses, esse tipo de conteúdo pode até cumprir a função tática de reafirmar o prestígio do pesquisador e da instituição. Mas, além de não promover a educação científica, ainda fomenta uma imagem idealizada do pesquisador, de modo que a natureza de seu trabalho acaba sendo, na prática, ocultada e, em última instância, mistificada.
Vou escrever uma obviedade: ninguém lê uma notícia que não o interessa. Quem quer saber se um reitor foi homenageado pela câmara de vereadores? Talvez o próprio reitor e o vereador que o homenageou, assim como suas famílias e os bajuladores habituais, motivados por seus próprios interesses. Mas a sociedade não se interessa por esse tipo de notícia, porque essa informação não tem qualquer utilidade prática para melhorar nenhum aspecto de suas vidas. Esbanjam vaidade aqueles que imaginam que há interesse público sobre aspectos pessoais de sua trajetória profissional. Do mesmo modo, quem se interessa pelo fato de um diretor ter discursado em uma solenidade? Ou pelo fato de um “eminente” cientista ter “abrilhantado” um evento acadêmico?
Por outro lado, famílias que cuidam de crianças autistas estão em busca permanente de informações científicas que as auxiliem nos mais diversos aspectos de seu desafio diário. Gestores públicos precisam de dados atualizados para planejar políticas sociais com eficiência. De agricultores a empresários e industriais, todos estão em busca de técnicas cientificamente comprovadas para melhorar aspectos de sua atividade. Pessoas que sofrem de doenças crônicas estão sempre ansiosas por pesquisas que comprovem a eficácia de novas alternativas de tratamento ou de controle. Por isso mesmo, muitos se tornam particularmente vulneráveis à pseudociência e ao charlatanismo que se dissemina de forma lucrativa na internet, empregando precisamente as técnicas de comunicação que as universidades negligenciam.
Divulgação científica
O conjunto monumental de pesquisas científicas realizadas nos programas de pós-graduação nas mais diversas áreas do conhecimento oferece resultados que podem transformar efetivamente a qualidade de vida de milhões de brasileiros. Contudo, para que isso se concretize, é preciso também que os próprios pesquisadores assumam uma nova responsabilidade. A tese defendida — ou, em última instância, o livro ou o artigo publicado — não pode ser considerado o objetivo final do trabalho acadêmico. Essas são etapas indispensáveis, pois a ciência precisa de seu sistema de avaliação por pares para que os resultados sejam validados. Contudo, o trabalho científico só deve ser considerado concluído quando os resultados, depois de validados, são compartilhados com a sociedade — seja através de produtos ou serviços, seja por meio de políticas públicas nos mais diversos campos, incluindo a educação científica. Pesquisadores não podem mais mentir para si mesmo, supondo que o ato de publicar um artigo em periódico acadêmico já cumpre este último objetivo.
Nesse contexto de ameaças à educação pública, tem sido comum observar manifestações episódicas de professores e estudantes que, em defesa das universidades, vão às ruas para falar de suas pesquisas. Isso é ótimo! Contudo, o entusiasmo da resistência precisa evoluir para uma rotina consistente de divulgação científica. E um dos caminhos mais efetivos é institucionalizar essas práticas. Para isso, as pró-reitorias podem, por exemplo, incluir e pontuar iniciativas de divulgação científica em seus mais variados editais de bolsas e financiamento à pesquisa. Além disso, professores e estudantes podem desenvolver o hábito de informar as assessorias de imprensa quando publicarem artigos em periódicos importantes. Os próprios gestores, é claro, podem assumir um papel decisivo ao estabelecer políticas de uso em páginas institucionais e estimular rotinas de atualização. Há muitas outras iniciativas sendo formuladas. O fato é que as universidades não podem perder a oportunidade que essa crise oferece para mudar seu paradigma e, enfim, transformar sua comunicação institucional em um serviço permanente de utilidade pública em favor da educação científica de toda a sociedade.