Por Klaus Ziegler
Publicado no El Espectador
Feliz devem estar a comunidade New Age na Colômbia com a visita anunciada de seu guru, Deepak Chopra. Nem todos, contudo, terão acesso a escutar da boca do mais célebre discípulo de Maharishi Mahesh Yogi as suas extraordinárias teorias quânticas para deter o envelhecimento ou para alcançar o bem-estar físico, emocional e espiritual, se tivermos em conta que o custo da bilheteria oscila entre 50 e 250 dólares.
Mas, qualquer pessoa na posse de uma fórmula para deter a passagem inexorável do tempo merece reivindicar somas ainda maiores. O problema é cobrar quando o mesmo inventor desse elixir da eterna juventude aparece velho e de cabelos grisalhos. Aparentemente, nem a meditação transcendental e a fitoterapia ayurvédica foram benéficas ao vigoroso autor de Corpos Sem Idade, Mentes Sem Tempo.
Poucos como Chopra conseguiram explorar tão bem o analfabetismo científico e a credulidade popular na hora de recauchutar antigas teorias da medicina pré-científica cobrindo-as sob o disfarce de ciência moderna. Em uma época em que se fala do Bóson de Higgs, de supersimetrias, branas, transcrição genética, sínteses de proteínas, medicina molecular… torna-se difícil construir discursos convincentes para explicar a doença, referindo-se a espíritos malignos, demônios ou maldições. Por outro lado, a história banal dos chakras e o Qi tem sido sobreexplorado, e era necessário buscar uma ideia diferente. Chopra recorre a uma fonte infalível de mistério e esoterismo: a mecânica quântica. A ideia não é original, porque, na realidade todo esse palavreado quântico-esotérico, tem sua origem no clássico de Fritjof Capra, O Tao da Física, referência obrigatória para os religiosos da Nova Era. É ali onde se encontra a fórmula seminal para criar pseudociência assimilando misticismos antigos com teorias físicas contemporâneas.
O discurso de Chopra é eloquente: se a física quântica nos ensina que as partículas podem existir em um estado físico de superposição, por tempo indeterminado, até o momento de realizar-se uma medição, então é o observador que em última análise determina a realidade. É por isso que para Chopra, até mesmo a existência de eventos passados poderia depender de ações futuras. O médico hindu assume uma posição filosófica altamente controversa ao atribuir ao observador consciente o seu papel de agente responsável pelo chamado “colapso da função de onda”. A questão, em palavras familiares, assemelha-se ao velho dilema chinês da árvore que cai de uma maneira retumbante em um bosque solitário. Ela faz barulho ao cair, mesmo que ninguém a tenha ouvido, ou a pergunta carece de sentido por esta mesma razão?
Embora a discussão possa ser de interesse para alguns epistemólogos, o problema com Chopra é diferente. Porque ele não hesita em utilizar como trampolim uma ideia controversa para dar um gigantesco “salto quântico”, distorcendo noções precisas da mecânica quântica, abusando da terminologia, extrapolando os conceitos de maneira grosseira para criar um jargão da qual as metáforas se convertem em suporte lógico para sua teoria. É a clássica fórmula para criar pseudociência, para fabricar um discurso de aparência coerente, mas que se resulta em vazio quando se analisa com rigor.
Apenas um homem com a confiança em si mesmo e a arrogância de Chopra é capaz de reclamar-se na cara de cientistas de renome mundial, que se seus discursos lhes resultam em vazio, é porque carecem de preparação para compreendê-lo, quando o que há por trás é palavreria, pareidolia verbal ao melhor estilo de um pós-moderno esotérico. Aqui temos um bom exemplo: “Somos campos localizados de energia e informação com loops de retroalimentação cibernética que interagem com campos nos locais de energia e informação”. A fórmula se repete na literatura pseudocientífica, com o seguinte texto, desta vez de um “especialista em hipnose e medicina poliédrica”: “O corpo humano possui um campo eletromagnético que o rodeia (corpo biolplásmico): auras, chakras: centros de energia… Quando a doença aparece se altera esse campo, a vibração diferente vai anunciar que o dano físico vai aparecer, ou que já existe uma lesão”. As analogias com ondas e vibrações fascinam os bioenergéticos, e Chopra não fica atrás. Em certa ocasião manifestou que o vírus da AIDS poderia ser tratado utilizando o “som primordial ayurvédico”. O problema, suponho eu, é conseguir um instrumento que o produza.
Chopra construiu uma “teoria” na qual fala de curas quânticas, de consciência cósmica, da unidade indissolúvel mente-corpo. O fio lógico é o seguinte: se a consciência assume dois estados, corpo e mente, então uma mudança em um “modo de consciência” (a mente) traz mudanças no outro, ou seja, em nosso corpo. Então ele deduz a possibilidade de curar-nos com a vontade, com o pensamento. Como pode ter passado desapercebido um corolário semelhante a todos os físicos quânticos durante quase um século?
Talvez Chopra tenha razão ao pensar que as nossas mentes constroem a realidade, se com isso ele se refere ao enorme poder da linguagem como um instrumento para criar miragens, para construir fantasias linguísticas onde cabem os conceitos mais absurdos e incompreensíveis. De outra maneira, como entendemos que os humanos são capazes de “metabolizar o tempo”? Em um debate recente com o biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, Chopra oferece-nos o seguinte silogismo: “Somos feitos de estrelas, e temos consciência, portanto, a matéria exibe esta propriedade de que não somos outra do que poeira estelar”.
Mas não é tudo o que Chopra escreve possa sempre passar essa ilusória aura de profundidade. Às vezes, seu discurso é elementar, direto, abertamente falacioso, como quando atribui alergias aos problemas de má digestão ou quando recomenda enxaguar-se os olhos com uma mistura preparada a base de cuspe e raspagem de língua para prevenir a catarata, ou até mesmo revertê-las.
E se acreditarmos na enterrada teoria dos humores, é conveniente saber que através da aromaterapias, o doutor Chopra nos promete restabelecer o equilíbrio da Vata, Pitta e Kapha, os três humores da medicina ayurvédica. E como tantos outros médicos alternativos, o guru hindu não requer caros equipamentos de diagnósticos: basta avaliar o pulso de seus pacientes para saber se suas energias vitais se encontram “desbalanceadas”.
Alguns se perguntaram se o mais célebre praticante da medicina ayurvédica vive na Índia dedicando a por seus conhecimento a serviço dos doentes, pobres e desamparados. Até onde conheço, ele vive em La Jolla, Califórnia, em uma mansão onde escreve seus sucessos literários. E enquanto nos prega sobre os perigos de levar uma vida materialista, longe da espiritualidade, o grande Guru passa sua vida viajando ao redor do mundo, não precisamente visitando hospitais de caridade, mas nos ombros de ricos e famosos, promovendo o seu negócio milionário.