Por Edzard Ernst
Publicado na Spectator
Por mais de duas décadas, estive em contato constante com profissionais que oferecem esta ou aquela terapia alternativa. Sempre que os advirto que talvez haja boas razões para duvidar do valor de suas intervenções, eles me dizem: “Não me interessa como funciona, desde que ajude meus pacientes.” O que querem dizer é bastante óbvio. Todos os dias veem pacientes que melhoram após receber seus tratamentos e acham que é errado duvidar de suas experiências. Para eles, a prova do pudim é o ato de comê-lo.
À primeira vista, a essa linha de raciocínio parece razoável, lógica e correta. Seria tolo, talvez até antiético, rejeitar um tratamento útil simplesmente por falhar em entender o exato mecanismo que o torna benéfico. Isso não seria pragmático nem gentil e não é o que geralmente ocorre em medicina: a aspirina, por exemplo, foi largamente utilizada e ajudou muitos pacientes bem antes que entendêssemos como ela funcionava. No entanto, uma vez que analisamos a maneira como essa noção é empregada para defender o uso de terapias não comprovadas ou já refutadas, o que vemos é falacioso.
Esse argumento combina dois assuntos fundamentalmente diferentes que deveriam ser tratados em separado: 1) o mecanismo de ação da terapia (“como funciona”) e 2) sua efetividade clínica (“ajuda meus pacientes”).
A questão se torna mais clara se não discutirmos sobre abstrações, mas em relação a um exemplo concreto: Florais de Bach. Assim como os preparados homeopáticos, florais são tão diluídos que não contem qualquer ingrediente ativo (no entanto diferem dos homeopáticos por não seguir o princípio de “cura pelo igual”). Diversos experimentos clínicos sobre florais já foram publicados e, coletivamente, seus resultados mostram que seus efeitos clínicos em nada diferem de um placebo.
Os princípios por trás dos florais são cientificamente implausíveis e mesmo seus terapeutas admitem não ter ideia de como os remédios funcionam. Cientistas acrescentam que o mecanismo de ação de remédios tão diluídos não é apenas desconhecido, mas impossível de ser conhecido: simplesmente não há uma maneira de explicar cientificamente a ação de florais; qualquer explicação racional tornaria necessário reescrever seções inteiras nos livros de física e química.
Sendo assim, a situação é bastante clara: Florais de Bach não são eficazes e não há um mecanismo de ação plausível. Ainda assim muitos pacientes se sentem melhores após consultar-se com um terapeuta floral (ou após se automedicar com florais) e estes clientes satisfeitos insistem: “Eu não ligo para como eles funcionam, desde que me ajudem”.
Essas pessoas se esquecem, é claro, que sintomas podem melhorar por um vasto número de razões que não tem relação com qualquer efeito terapêutico: o histórico natural da condição, regressão a média, efeito placebo – apenas para mencionar as três razões mais óbvias. Somente experimentos rigorosamente controlados podem nos dizer se a terapia ou outros fatores causaram determinado resultado clínico; nossa percepção sozinha frequentemente falha em identificar causa e efeito corretamente e assim somos facilmente ludibriados por nossas experiências.
O fato de milhares de pacientes defenderem os Florais de Bach, não constitui prova de sua eficácia. Não é difícil explicar a discrepância entre as impressões geradas por nossas experiências e os resultados de testes clínicos: o empático encontro com um terapeuta e/ou o efeito placebo e/ou o histórico natural da condição são percebidos como melhoras sintomáticas, ao passo que os florais não tem qualquer efeito específico.
Entusiastas de florais provavelmente alegariam que o efeito placebo também constitui um mecanismo de ação plausível. “Com certeza”, diriam, “isso significa que Florais de Bach são úteis e devem ser empregados em larga escala.” O que eles esquecem é que não precisamos de um placebo para gerar o efeito placebo.
Isso soa paradoxal, mas é tão simples quanto verdadeiro: um tratamento efetivo ministrado com o devido tempo, compaixão e empatia irá, claro, também gerar um efeito placebo – e, ainda melhor, também geraria um efeito terapêutico específico. Assim sendo, Florais de Bach – e outras terapias placebo – são incomparavelmente inúteis. Visto por essa perspectiva, raramente há uma boa justificativa para o uso de placebos no protocolo clínico.
Minha conclusão a respeito disso tudo é bastante direta: aqueles que defendem medicina alternativa com frequência tentam justificar o uso de tratamentos não comprovados ou refutados dizendo: “Não me importa como funciona, desde que ajude.” Isso pode soar razoável, mas sob um escrutínio mais rigoroso mostra-se falacioso e equivocado. Ademais, isso é perigoso por promover charlatanismo. O uso de tais terapias na rotina clínica não é justificável e não serve aos interesses dos pacientes.