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Diagramas de Feynman: a natureza do espaço vazio

Por Frank Wilczek
Publicado na Quanta Magazine

Richard Feynman parecia cansado quando apareceu no meu escritório. Era o fim de um longo dia em Santa Barbara, por volta de 1982. Os eventos incluíram um seminário que também foi uma performance, almoço grelhado por postdocs ansiosos e animados debates com pesquisadores seniores. A vida de um físico famoso é sempre intensa. Mas nosso visitante ainda queria falar de física. Tivemos umas duas horas para conversar antes do jantar.

Eu descrevi para Feynman o que eu achava que eram emocionantes novas ideias especulativas tais como spin fracionário e anyons. Feynman não ficou impressionado, dizendo: “Wilczek, você deve trabalhar em algo real” (anyons são reais, mas isso é assunto para outro post).

Tentando quebrar o silêncio constrangedor que se seguiu, eu perguntei a Feynman a questão mais perturbadora na física, tanto antes quanto agora: “Há outra coisa sobre a qual eu tenho pensado muito: Por que o espaço vazio não tem peso?”

Feynman, normalmente tão rápido e animado, ficou em silêncio. Foi a única vez que eu vi seu olhar melancólico. Finalmente, ele disse com ar sonhador: “Uma vez eu pensei que tinha descoberto. Foi lindo”. E então, animado, ele começou uma explicação e foi aumentando o tom de voz até quase gritar: “A razão para o espaço não ter peso, eu pensei, é porque não há nada lá”!

Para apreciar aquele monólogo surreal, você precisa conhecer os bastidores. Ele envolve a distinção entre vácuo e vazio.

Vácuo, no uso moderno, é o que você tem quando remove tudo o que pode, seja praticamente ou em princípio. Dizemos que uma região do espaço “compreende o vácuo” se ele estiver livre de todos os diferentes tipos de partículas e radiação que conhecemos (incluindo, para este fim, a matéria escura – que nós conhecemos de um modo geral, embora não detalhadamente). Alternativamente, o vácuo é o estado de energia mínima.

O espaço intergalático é uma boa aproximação de um vácuo.

O vazio, por outro lado, é uma idealização teórica. Ele significa o nada: o espaço sem propriedades independentes, cujo único papel, poderíamos dizer, é manter tudo acontecendo no mesmo lugar. O vazio dá a direção das partículas, nada mais.

Aristóteles conhecidamente afirmou que “A natureza abomina o vácuo”, mas eu tenho certeza que uma tradução mais correta seria “A natureza abomina o vazio”. Isaac Newton pareceu concordar quando escreveu:

… um corpo poder agir sobre outro à distância através de um vácuo, sem a mediação de qualquer outra coisa, por e através do qual a sua ação e força pode ser transmitida de um para outro, é para mim um absurdo tão grande, que eu acredito que nenhum homem que tenha feito uma matéria filosófica em uma Faculdade competente do pensamento, jamais pode cair nele.

Mas, na obra-prima de Newton, Principia, os jogadores são corpos que exercem forças uns sobre os outros. O espaço é um recipiente vazio. Ele não tem vida própria. Na física newtoniana, o vácuo é um vazio.

Esse quadro de Newton funcionou brilhantemente por quase dois séculos, enquanto as equações da gravidade de Newton passavam de triunfo em triunfo, e (no início) os análogos de forças elétricas e magnéticas pareciam funcionar bem. Mas, no século 19, à medida que as pessoas pesquisaram mais de perto os fenômenos da eletricidade e magnetismo, as equações de Newton provaram ser inadequadas. Nas equações de James Clerk Maxwell, o fruto desse trabalho, os campos eletromagnéticos – corpos não separados – são os principais objetos da realidade.

A teoria quântica amplificou a revolução de Maxwell. Segundo a teoria quântica, as partículas são apenas bolhas de espuma arremessadas por campos subjacentes. Os fótons, por exemplo, são distúrbios em campos eletromagnéticos.

Quando era um jovem cientista, Feynman achou essa visão demasiadamente artificial. Ele queria trazer de volta a abordagem de Newton e trabalhar diretamente com as partículas que nós realmente percebemos. Ao fazer isso, ele esperava desafiar os pressupostos ocultos e chegar a uma descrição mais simples da natureza – e evitar um grande problema que a transição para campos quânticos havia criado.

II.

Na teoria quântica, os campos têm um monte de atividade espontânea. Eles oscilam em intensidade e direção. E enquanto o valor médio do campo elétrico no vácuo é zero, o valor médio do seu quadrado não é zero. Isso é significativo porque a densidade de energia em um campo elétrico é proporcional ao quadrado do campo. O valor de densidade de energia, de fato, é infinito.

A atividade espontânea dos campos quânticos têm vários nomes diferentes: flutuações quânticas, partículas virtuais, ou movimento do ponto zero. Há diferenças sutis nas conotações dessas expressões, mas todas se referem ao mesmo fenômeno. Seja lá por qual nome você a chame, a atividade envolve energia. Muita energia – na verdade, uma quantidade infinita.

Na maioria dos casos, podemos deixar o infinito perturbador fora de consideração. Somente mudanças na energia são observáveis. E pelo fato do movimento do ponto zero ser uma característica intrínseca dos campos quânticos, as mudanças na energia, em resposta a eventos externos, geralmente são finitas. Podemos calcula-las. Elas dão origem a alguns efeitos muito interessantes, tais como o Desvio de Lamb de linhas espectrais atômicas e a força de Casimir entre placas condutoras neutras, que foram observados experimentalmente. Longe de ser problemático, esses efeitos são triunfos para a teoria quântica de campos.

A exceção é a gravidade. A gravidade responde a todos os tipos de energia, independentemente da forma que a energia pode tomar. Portanto, a densidade de energia infinita associada com a atividade de campos quânticos, presentes mesmo no vácuo, torna-se um grande problema quando se considera o efeito da gravidade.

Em princípio, esses campos quânticos deveriam tornar o vácuo pesado. No entanto, as experiências nos dizem que a força gravitacional do vácuo é muito pequena. Até recentemente pensávamos que ela fosse zero.

Talvez a chave conceitual de Feynman dos campo para as partículas evitaria o problema.

III.

Feynman começou do zero, desenhando figuras cujas linhas mostram ligações de influência entre as partículas. O primeiro diagrama de Feynman publicado apareceu na Physical Review em 1949:

Dois elétrons trocando um fóton. (Olena Shmahalo / Quanta Magazine)
Dois elétrons trocando um fóton. (Olena Shmahalo / Quanta Magazine)

Para entender como um elétron influencia outro, usando os diagramas de Feynman, você tem que imaginar que os elétrons, à medida que se movem através do espaço e evoluem no tempo, trocam um fóton, aqui identificado como “quantum virtual.” Esta é a possibilidade mais simples. É também possível a troca de dois ou mais fótons, e Feynman fez diagramas semelhantes para isso. Esses diagramas contribuem com outra peça para a resposta, modificando a clássica lei da força de Coulomb. Adicionando outra linha, e a deixando se estender livremente para o futuro, você representa como um elétron irradia um fóton. E assim, passo a passo, você pode descrever processos físicos complexos, montados como Tinkertoys a partir de ingredientes muito simples.

Os diagramas de Feynman parecem ser imagens de processos que acontecem no espaço e no tempo, e em certo sentido, eles são, mas eles não devem ser interpretadas literalmente demais. O que eles mostram não são trajetórias geométricas rígidas, mas construções “topológicas” mais flexíveis, refletindo a incerteza quântica. Em outras palavras, você pode ser bastante superficial sobre a forma e a configuração das linhas e rabiscos, contanto que você tenha as conexões certas.

Feynman descobriu que poderia anexar uma fórmula matemática simples em cada diagrama. A fórmula expressa a probabilidade do processo que o diagrama mostra. Ele descobriu que, em casos simples, ele tem as mesmas respostas que as pessoas tinham obtido muito mais laboriosamente usando campos quando eles deixavam espuma interagir com espuma.

Isso é o que Feynman quis dizer quando disse: “Não há nada lá”. Ao remover os campos, ele tinha se livrado da sua contribuição para a gravidade, o que levou à outros absurdos. Ele achou que tinha encontrado uma nova abordagem para as interações fundamentais que não só era mais simples do que o convencional, mas também mais sólida. Foi uma bela nova maneira de pensar sobre os processos fundamentais.

IV.

Infelizmente, a primeira impressão se provou errada. Enquanto se aprofundava nessa questão, Feynman descobriu que sua abordagem tinha um problema semelhante ao que ele tentava resolver. Você pode ver isso nas imagens a seguir. Podemos desenhar diagramas de Feynman que são completamente autossuficientes, sem partículas para iniciar os eventos (ou surgindo deles). Esses chamados gráficos desconectados, ou bolhas de vácuo, são diagramas de Feynman análogos ao movimento do ponto zero. Você pode desenhar diagramas de como quantas virtuais afetam grávitons, e, assim, redescobrir a obesidade mórbida do espaço “vazio”.

Um gráviton encontrando uma flutuação quântica. (Olena Shmahalo / Quanta Magazine)
Um gráviton encontrando uma flutuação quântica. (Olena Shmahalo / Quanta Magazine)

Em termos mais gerais, à medida que ele se aprofundava, Feynman gradualmente percebeu – e, em seguida, provou – que seu método do diagrama não era uma verdadeira alternativa à abordagem de campo, mas sim uma aproximação dela. Para Feynman, isso foi uma amarga decepção.

No entanto, os diagramas de Feynman permanecem sendo um tesouro da física, porque eles muitas vezes fornecem boas aproximações da realidade. Além disso, é fácil (e divertido) trabalhar com eles. Eles nos ajudam a trazer nossos poderes de imaginação visual para suportar mundos que não podemos realmente ver.

Os cálculos que eventualmente me deram um Prêmio Nobel em 2004 teriam sido literalmente impensáveis sem os diagramas de Feynman, embora meus cálculos estabelecessem uma rota para a produção e observação da partícula de Higgs.

Uma maneira que a partícula de Higgs pode ser produzida e depois decair em partículas filhas. (Olena Shmahalo / Quanta Magazine)
Uma maneira que a partícula de Higgs pode ser produzida e depois decair em partículas filhas. (Olena Shmahalo / Quanta Magazine)

Nesse dia, em Santa Barbara, citando esses exemplos, eu disse a Feynman quão importante seus diagramas tinham sido para mim no meu trabalho. Ele parecia satisfeito, embora dificilmente poderia ter sido surpreendido com a importância de seus diagramas. “Sim, essa é a parte boa, ver as pessoas os usando, os vendo em todos os lugares”, ele respondeu com uma piscadela.

V.

A representação do diagrama de Feynman de um processo é mais útil quando alguns diagramas relativamente simples fornecem a maior parte da resposta. Isso é o que os físicos chamam de “ligação fraca”, onde cada linha adicional é relativamente rara. Isso é quase sempre o caso dos fótons na eletrodinâmica quântica (QED), a aplicação que Feynman originalmente tinha em mente. A QED cobre a maior parte da física atômica, química e ciência dos materiais, por isso é uma conquista incrível capturar sua essência em alguns rabiscos.

Como uma abordagem para a força nuclear forte, no entanto, esta estratégia falha. Aqui a teoria dominante é a cromodinâmica quântica (QCD). Os análogos QCD dos fótons são partículas chamadas glúons de cor, e sua ligação não é fraca. Geralmente, quando fazemos um cálculo na QCD, uma série de complicados diagramas de Feynman – enfeitados com muitas linhas de glúons – fazem importantes contribuições para a resposta. É impraticável (e, provavelmente, impossível) adicionar todos eles.

Por outro lado, com computadores modernos, podemos voltar para as equações de campo verdadeiramente fundamentais e calcular as flutuações dos campos de quarks e glúons diretamente. Esta abordagem dá belas fotos de um outro tipo:

Atividade do glúon em um vácuo. (Cortesia de animação: Derek Leinweber)

Nos últimos anos, esta abordagem direta, realizada em bancos de supercomputadores, levou a cálculos de sucesso das massas de prótons e nêutrons. Nos próximos anos ela vai revolucionar nossa compreensão quantitativa da física nuclear.

VI.

O quebra-cabeça que Feynman pensou que tinha resolvido ainda está conosco, embora tenha evoluído em muitos aspectos.

A maior mudança é que as pessoas já mediram a densidade do vácuo mais precisamente, e descobriram que ele não desaparece. É a chamada “energia escura” (a energia escura é essencialmente – até um fator numérico – a mesma coisa que Einstein chamou de “constante cosmológica”). Se você medi-la ao longo de todo o Universo, você vai descobrir que a energia escura é cerca de 70% da massa total do Universo.

Isso soa impressionante, mas para os físicos o grande quebra-cabeça que  permanece é o porquê de sua densidade ser tão pequena. Por um lado, você vai se lembrar, que se supunha que ela era infinita, devido à contribuição de campos flutuantes. Um pouco de progresso é possível agora que sabemos uma maneira de escapar desse infinito. Acontece que para uma classe de campos – tecnicamente, os campos associados com partículas chamadas bósons – a densidade de energia é positivamente infinita, enquanto que para outra classe de campos – aqueles associados com partículas chamadas férmions – a densidade de energia é negativamente infinita. Então, se o Universo contém uma mistura artisticamente equilibrada de bósons e férmions, as infinidades podem se cancelar. Teorias supersimétricas, que também têm várias outras características atraentes, atingem esse cancelamento.

Outra coisa que aprendemos é que, além de campos flutuantes, o vácuo contém campos não-flutuantes, muitas vezes chamados “condensados”. Um desses condensados é o chamado condensado sigma; outro é o condensado de Higgs. Esses dois estão firmemente estabelecidos; pode haver muitos outros ainda a serem descobertos. Se você quiser pensar em um análogo familiar, imagine o campo magnético ou gravitacional da Terra, elevado a proporções cósmicas (e libertado da Terra). Estes condensados também devem pesar alguma coisa. Inclusive, as estimativas simples de sua densidade dão valores muito maiores do que a da energia escura observada.

Ficamos com uma estimativa da energia escura como sendo finita (talvez), mas mal determinada teoricamente e, em face disso, exagerada demais. Presumivelmente, existem cancelamentos adicionais que nós não conhecemos. A ideia mais popular, neste momento, é que a pequena dimensão da energia escura é um tipo de raro acidente, que ocorre no nosso canto particular do multiverso. Embora pouco provável, a priori, é necessário para a nossa existência e, portanto, o que nós estamos fadados a observar.

Essa história provavelmente não é tão elegante como o “Não há nada lá!” de Feynman. esperamos encontrar uma melhor.

Para quem estiver interessado em aprender mais sobre diagramas de Feynman e eletrodinâmica quântica, o autor recomenda o livro de Feynman QED: The Strange Theory of Light and Matter.

Jessica Nunes

Jessica Nunes

Um universo inteiro a ser descoberto por ele mesmo. Apaixonada por astronomia desde pequena e fascinada por exatas desde o berço.