Traduzido por Julio Batista
Original de Ann Gibbons para a Science
A caverna Estatuas, no norte da Espanha, era um centro de extensa atividade há 105.000 anos. Artefatos mostram seus habitantes neandertais com ferramentas de pedra e cervos-vermelhos massacrados, além da possibilidade deles terem feito fogueiras. Eles também derramaram, sangraram e excretaram pistas mais sutis no chão da caverna: seu próprio DNA. “Você pode imaginá-los sentados na caverna fazendo ferramentas, massacrando animais. Talvez eles se cortem ou seus bebês acabam fazendo cocô”, disse o geneticista populacional Benjamin Vernot, pós-doutorado no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva (MPI-EVA), cuja perspectiva pode ter sido baseada pelo choro de seu próprio bebê durante uma chamada do Zoom. “Todo aquele DNA se acumula no chão de terra.”
Ele e o geneticista do MPI-EVA Matthias Meyer relatam hoje na Science que a poeira de Estatuas rendeu um tesouro molecular: o primeiro DNA nuclear de um ser humano arcaico a ser coletado de sedimentos. Estudos anteriores relataram descobrir DNA mitocondrial humano (mtDNA) menores e mais abundantes em chãos de cavernas, mas o DNA nuclear, antes disponível apenas de ossos e dentes, pode ser muito mais informativo. “Agora, parece que é possível extrair DNA nuclear da poeira, e temos muita poeira em sítios arqueológicos”, disse a arqueóloga Marie Soressi, da Universidade de Leiden (Países Baixos).
“Este é um belo paper”, concorda o geneticista populacional Pontus Skoglund, do Instituto Francis Crick. As sequências revelam a identidade genética e o sexo dos antigos habitantes de cavernas e mostram que um grupo de neandertais substituiu outro na caverna espanhola há cerca de 100.000 anos, talvez depois de um resfriamento do clima. “Eles podem ver uma mudança nas populações de Neandertais no mesmo local, o que é muito bom”, disse Skoglund.
Até o momento, os paleogeneticistas conseguiram extrair DNA antigo dos ossos ou dentes de apenas 23 humanos arcaicos, incluindo 18 Neandertais de 14 sítios na Eurásia. Em busca de mais informações, a equipe de Vernot e Meyer coletou amostras de sedimentos de camadas bem datadas em três cavernas onde se sabe que os humanos arcaicos viveram: as cavernas Denisova e Chagyrskaya na Sibéria e as cavernas Estatuas em Atapuerca, Espanha.
No que Skoglund chama de “uma demonstração técnica incrível”, eles desenvolveram novas sondas genéticas para identificar o DNA de hominídeo, permitindo-lhes ignorar as sequências abundantes de plantas, animais e bactérias. Em seguida, eles usaram métodos estatísticos para localizar o DNA exclusivo dos neandertais e compará-lo com os genomas de referência dos neandertais em uma árvore filogenética.
Todos os três sítios produziram DNA nuclear e mtDNA de Neandertal, com a maior surpresa vindo da pequena quantidade de DNA nuclear de vários Neandertais na caverna Estatuas. O DNA nuclear de um homem Neandertal na camada mais profunda, datado de cerca de 113.000 anos atrás, o ligou aos primeiros Neandertais que viveram há cerca de 120.000 anos na caverna Denisova e em cavernas na Bélgica e na Alemanha.
Mas duas mulheres de Neandertal que viveram na caverna de Estatuas posteriormente, cerca de 100.000 anos atrás, tinham DNA nuclear mais parecido com o de Neandertais “clássicos” posteriores, incluindo aqueles que viveram há menos de 70.000 anos na caverna Vindija na Croácia e de 60.000 a 80.000 anos atrás, na caverna Chagyrskaya, disse o coautor e paleoantropólogo Juan Luis Arsuaga, da Universidade Complutense de Madrid.
Ao mesmo tempo, o mtDNA mais abundante da caverna Estatuas mostra a diversidade em declínio. Neandertais na caverna 113.000 anos atrás tinham pelo menos três tipos de mtDNA. Mas os Neandertais da caverna 80.000 e 107.000 anos atrás tinham apenas um tipo. O DNA antigo existente de ossos e dentes de Neandertal também apontou para uma queda na diversidade genética no mesmo período.
Arsuaga sugere que os neandertais prosperaram e se diversificaram durante o período interglacial quente e úmido que começou há 130.000 anos. Mas cerca de 110.000 anos atrás, as temperaturas na Europa caíram repentinamente com o início de um novo período glacial. Logo depois, todas as linhagens de neandertais, exceto uma, desapareceram. Membros da linhagem sobrevivente repovoaram a Europa durante períodos posteriores, relativamente quentes, com alguns se abrigando na caverna Estatuas.
Esses sobreviventes e seus descendentes incluem o que Arsuaga chama de Neandertais clássicos “famosos”, como crânios de Vindija e La Ferrassie na França. Ele observa que eles tinham cérebros maiores – até 1750 centímetros cúbicos (cm3) – do que os neandertais anteriores, cujas capacidades cranianas não eram maiores que 1400 cm3. Arsuaga disse que isso reflete um padrão semelhante em humanos modernos na África, que também sofreram um aumento no tamanho do cérebro e múltiplas substituições de população com o início da era do gelo.
“Esse padrão – talvez de dispersão por longas distâncias e reposição ou mistura de populações – é aquele que encontramos em quase todos os lugares que olhamos”, em humanos ou outros mamíferos, disse Beth Shapiro, bióloga molecular da Universidade da Califórnia, Santa Cruz (EUA).
O DNA da poeira da caverna provavelmente trará mais pistas. A paleogeneticista Viviane Slon, coautora do artigo da Science que agora trabalha na Universidade de Tel Aviv, disse que ela e a equipe do MPI-EVA estão analisando DNA antigo de sedimentos em dezenas de sítios em todo o mundo. “Esperançosamente, em breve, começaremos a ter uma visão em alta resolução e em escala fina dos humanos arcaicos e quem estava onde e quando”, disse ela.