Por Jon Cohen
Publicado na Science
Vinte dias depois do início do ano, os carros entravam enfileirados em um estacionamento à frente do Petco Park, casa do time de beisebol San Diego Padres. Agitando os braços, os assistentes direcionaram os carros em três linhas, que se dividiram em mais quatro, e gritaram como se o primeiro arremesso já tivesse sido feito. “Vou mandar mais dez e você organiza!”, um atendente gritou para outro.
Mas os Padres não jogam em janeiro.
Em vez disso, o Petco Park foi o local ideal para o drive-thru das vacinações contra a COVID-19 desta cidade. Por 9 dias consecutivos, os profissionais de saúde vacinaram cerca de 5.000 pessoas entre 7h e 19h, sob o comando da médica de doenças infecciosas Shira Abeles, da Universidade da Califórnia de San Diego – apelidada de “czar da vacina” pelas 300 pessoas que ela gerencia na operação. O Petco Park é o maior local de vacinação da cidade, com foco em profissionais de saúde e pessoas com 75 anos ou mais. Os carros passavam por estações onde os profissionais registravam as pessoas, vacinavam e as observavam por pelo menos 15 minutos para se certificar de que não causavam efeitos colaterais imediatos.
O fluxo do tráfego estava lento, mas constante – e ninguém buzinou. Acima de suas máscaras, os olhos dos visitantes sorriam. Se o medo da vacina tinha um oposto, era esse.
No final de janeiro, quase 100 milhões de pessoas em todo o mundo haviam recebido as vacinas contra a COVID-19 e, todos os dias, mais de 1 milhão tomaram vacinas nos Estados Unidos e na China. O esforço estava atrasado na Europa, e enormes desigualdades globais permanecem. A Organização Mundial da Saúde observou em 5 de fevereiro que 75% das vacinações ocorreram em 10 países. Cerca de 130 países ainda não vacinaram alguém contra a COVID-19. Ainda assim, as vacinas, demonstradas em ensaios clínicos por terem eficácia de até 95% contra doenças sintomáticas, finalmente deram ao mundo a perspectiva de uma fuga do longo cerco da COVID-19. “Há muita esperança”, diz Abeles.
Agora, à medida que as campanhas de vacinação ganham velocidade, uma série de perguntas urgentes surgiu: ser imunizado significa que você não vai espalhar o vírus? Quando as campanhas começarão a conter a pandemia e permitir que a vida diária volte ao normal? E o que as novas variantes do SARS-CoV-2, capazes de se espalhar mais rapidamente ou contornar as respostas imunológicas, significam para a promessa de vacinas? “A realidade aqui é que este vírus está evoluindo”, disse Lawrence Corey, virologista da Universidade de Washington, Seattle (EUA), que colidera a rede apoiada pelo governo dos EUA que testa as vacinas contra a COVID-19.
Ainda assim, as respostas estão surgindo.
Em quanto tempo haverá um impacto?
Um mês após o início da campanha de vacinação nos Estados Unidos, Abeles acha que já viu seus efeitos. A partir de meados de dezembro de 2020, cerca de 11.000 funcionários do Centro de Saúde da UC de San Diego começaram a receber a vacina da Pfizer-BioNTech ou da Moderna, ambas contendo RNA mensageiro (mRNA) que direciona as células do corpo para produzir a proteína de superfície do SARS-CoV-2, a spike, a fim de desencadear uma resposta imunológica. Apesar de relatos de profissionais de saúde com medo de receber as vacinas, 96% dos colegas de Abeles aceitaram ser vacinados. A cada semana, esses funcionários são testados para SARS-CoV-2 – que teve uma explosão de casos no condado de San Diego a partir de dezembro – mesmo que estejam se sentindo saudáveis.
No pico da pandemia, o Centro de Saúde da UC de San Diego estava detectando de 20 a 30 infecções por dia em funcionários, muitos assintomáticos. Na terceira semana de janeiro, o número havia caído bastante. Abeles enfatiza que as evidências estão longe de ser conclusivas, mas diz que estão “extremamente esperançosos” de que a ligação entre a queda e a vacinação em massa seja real.
Provas mais convincentes, embora ainda preliminares, vêm de Israel, lar da campanha de imunização mais robusta e mais bem estudada do mundo até agora. Um país de 9 milhões de habitantes, Israel tem assistência médica universal fornecida principalmente por meio de quatro organizações de manutenção da saúde com excelentes registros médicos eletrônicos. O governo israelense negociou com a Pfizer para começar rapidamente a aplicar suas doses de mRNA em troca de compartilhamento de dados sobre seu impacto com a empresa. Entre 19 de dezembro e 4 de fevereiro, 39% dos israelenses receberam pelo menos uma dose da vacina. Per capita, é uma cobertura muito maior do que em qualquer outro país com exceção de nações igualmente pequenas como os Emirados Árabes Unidos (36%).
Nacionalmente, os casos de COVID-19 e hospitalizações parecem estar caindo mais rapidamente entre as pessoas com 60 anos ou mais, as primeiras a receber as vacinas, do que entre o segmento de 40 a 60 anos. E em um comunicado de imprensa de 1º de fevereiro, o Centro de Pesquisa e Inovação da Maccabi Healthcare Services – um segmento de uma das quatro organizações de manutenção da saúde – observou que havia rastreado 132.015 de seus membros com mais de 60 anos que receberam uma dose de vacina nos primeiros 9 dias da campanha de imunização. As infecções diagnosticadas por SARS-CoV-2 naquele grupo atingiram o pico cerca de 10 dias após o início das imunizações. No dia 28, quando a maioria das pessoas recebeu sua segunda dose de reforço, os diagnósticos caíram em dois terços, e a hospitalização relacionada a COVID-19 caiu de uma média diária de sete pessoas para uma. Na população em geral, observa a equipe, os casos relatados caíram muito mais lentamente.
Impacto inicial
O vacinação em massa contra a COVID-19 em Israel teve como alvo primeiro os idosos, e uma análise de 132.015 pessoas com 60 anos ou mais que receberam sua dose inicial no final de dezembro de 2020 sugere que as vacinas já começaram a reduzir o número de vítimas da pandemia naquele país logo no primeiro mês.
Essa descoberta constitui “evidência persuasiva do benefício real da vacinação no mundo, especialmente porque as restrições comportamentais anteriores em Israel não pareciam proteger seletivamente as pessoas com mais de 60 anos”, disse Roby Bhattacharyya, especialista em doenças infecciosas do Hospital Geral de Massachusetts (EUA).
Nos Estados Unidos, as pessoas que vivem em instituições de longa permanência, a maioria delas idosas, e a equipe das instituições foram colocadas na linha de frente das vacinas. Esses residentes são responsáveis por cerca de 40% das mortes por COVID-19 do país, então o impacto das vacinações em sua hospitalização e mortalidade provavelmente será visto “dentro de um ou dois meses, certamente”, disse Ira Longini, bioestatístico da Universidade da Flórida (UF).
O efeito pode já ter se tornado visível. Os casos de COVID-19 estão diminuindo em todo o país desde dezembro, inclusive em lares de idosos. Outras intervenções além das vacinas explicam parte da queda. Mas uma comparação em todo o condado das instalações que receberam suas primeiras doses de 18 a 27 de dezembro e aquelas que não receberam, mostraram que a queda nos casos diários foi duas vezes maior nas instalações que vacinaram antes (uma redução de 48% contra 21%).
Reduzir os casos de COVID-19 em todo o país é um longo desafio, no entanto, especialmente em um país como os Estados Unidos, onde o começo da vacinação não foi tão rápido ou uniforme como em Israel. “Temos um grande país. Temos muita transmissão”, disse Longini. “Não acho que veremos um grande impacto no número de casos” das vacinas até o verão no hemisfério norte (21 de junho a 23 de setembro).
A vacinação impedirá que você espalhe o vírus?
Se as vacinas criassem o que é conhecido como imunidade esterilizante o tempo todo, nenhuma pessoa vacinada transmitiria o vírus. Os avós vacinados podiam brincar com segurança com seus netos não imunizados. Os países poderiam receber visitantes que tivessem comprovação de vacinação, sem medo de introduzir novas variantes virais ou reacender surtos.
Esse nível de segurança é uma tarefa difícil. Poucas vacinas, para quaisquer doenças infecciosas, criam imunidade esterilizante – mesmo as mais eficazes. A vacina de poliovírus inativado desenvolvida por Jonas Salk fez pouco para bloquear a infecção ou transmissão do vírus, mas preveniu fortemente a poliomielite paralítica. Em 1961, 6 anos após sua licença, apenas 54% da população dos Estados Unidos havia recebido a vacina, embora os casos de pólio paralítica tenham caído em mais de 90%.
Por razões práticas, os recentes ensaios de eficácia das vacinas contra a COVID-19 avaliaram principalmente a frequência da doença sintomática, normalmente detectada depois que os participantes se sentiram mal e fizeram testes para o vírus. É mais difícil identificar todas as infecções por SARS-CoV-2, que permanecem invisíveis se não causarem sintomas. No entanto, os modelos sugerem que os casos assintomáticos são responsáveis por cerca de metade da transmissão, portanto, rastreá-los entre os receptores da vacina é fundamental. “Existem maneiras fáceis e difíceis de encarar a transmissão”, disse Ruth Karron, que dirige o Centro de Pesquisa de Imunização da Universidade Johns Hopkins (EUA).
Uma abordagem, disse John Mascola, que dirige o Centro de Pesquisa de Vacinas do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID) dos EUA, é perguntar: “Se você for vacinado, você poderia ter o vírus no nariz e espalhá-lo?” É assim que pesquisadores que estudam a vacina da AstraZeneca-Universidade de Oxford recentemente tentaram analisar a transmissão. Em um ensaio de eficácia do Reino Unido com essa vacina, os participantes fizeram swabs nasais semanais em casa. Os resultados mostraram que a vacinação reduziu as infecções assintomáticas em 49,3%. Os dados sugerem, mas não provam, que a vacina impede a propagação viral; várias notícias enganosas alegaram que a vacina cortou a transmissão em dois terços. A Moderna também relatou um declínio semelhante nas infecções assintomáticas após apenas uma dose de sua vacina de mRNA em um subconjunto de seu grande ensaio de eficácia, que concluiu que, em geral, a vacina tinha 94% de eficácia contra casos leves.
Vários estudos de vacinas contra a COVID-19 optaram por uma abordagem mais simples, embora menos precisa, do problema. Eles coletaram repetidas amostras de sangue de pessoas nos grupos de placebo e de vacinados em diferentes momentos. Os testes testaram os anticorpos contra a proteína N viral, que são desencadeados pela infecção, mas não pela maioria das vacinas. Se o grupo de placebo tiver mais testes de anticorpos N positivos do que o grupo vacinado, isso sugeriria que a vacina cortou infecções assintomáticas – e, portanto, a transmissão. Nenhum grupo relatou resultados dessas “pesquisas serológicas”.
Os primeiros dados de Israel indicam que as pessoas vacinadas que, no entanto, foram infectadas com SARS-CoV-2 têm níveis reduzidos do vírus, o que pode torná-las menos contagiosas. Uma equipe de pesquisa do grupo da Maccabi e do Instituto de Tecnologia de Israel mediu as cargas virais em amostras nasais coletadas de mais de 1000 pessoas que foram infectadas entre 12 a 28 dias após a primeira dose, período em que a imunidade começa a aumentar. A quantidade de vírus encontrada foi significativamente menor do que em um grupo semelhante de israelenses infectados não vacinados, relatou o grupo em 8 de fevereiro em uma pré-publicação no bioRxiv.
Myron Cohen, um clínico de doenças infecciosas da Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill (EUA), e colegas da Rede de Prevenção Contra a COVID-19 têm uma proposta no NIAID para estudar a questão em estudantes universitários. Um grupo receberia a vacina imediatamente e uma população de controle a receberia semanas depois. Ambos os grupos de alunos fariam o swab nasal diariamente para avaliar se há diferenças na taxa de infecções assintomáticas por SARS-CoV-2 e nos níveis do vírus. Reter a vacina seria eticamente duvidoso se as doses fossem abundantes, mas a maioria dos estudantes universitários ainda não é elegível para a vacinação e é menos provável de desenvolver a forma grave da COVID-19 do que adultos mais velhos. Cohen está confiante de que o estudo receberá as aprovações éticas necessárias.
Saber se as vacinas interrompem a transmissão pode não importar para os funcionários do governo. “Nos próximos 6 meses, provavelmente teremos um cardápio de vacinas e cada uma terá características relacionadas à resfriação, número de doses necessárias, reatogenicidade e eficácia”, observa Karron. “Vamos tomar decisões políticas sobre o uso com base em todas essas características. Não acho que alguma forma superimprecisa de transmissão seja uma das coisas que entram em nosso cálculo”.
Mas Cohen afirma que vale a pena fazer esses estudos difíceis para avaliar se as pessoas imunizadas espalham o vírus. “A menos que respondamos a esta pergunta, somos uma sociedade mascarada. Precisamos resolver isso para nos livrar das máscaras”.
Quando vamos voltar ao normal?
Isso depende da definição de normal. Para muitas pessoas agora, significa imunidade coletiva, na qual uma alta porcentagem da população foi vacinada ou infectada naturalmente, deixando poucos hospedeiros suscetíveis para que um vírus continue a se espalhar. “É um conceito tão claro e bonito, a ideia do ponto de inflexão, que se pudermos simplesmente chegar lá, o vírus irá embora e, então, poderemos continuar nossos negócios como se tudo tivesse acabado”, disse Longini. “É uma espécie de conceito fantástico que é muito, muito atraente”.
A ideia de imunidade de rebanho, um termo importado de veterinários, tornou-se mais atraente à medida que enormes faixas de populações em partes do mundo se recuperam de infecções por SARS-CoV-2, deixando-as com algum grau de imunidade. Na Índia, por exemplo, pesquisas sorológicas encontraram anticorpos para o vírus em cerca de metade das pessoas na cidade de Delhi e em todo o estado de Karnataka. E embora ninguém afirme que isso atende ao limite de imunidade do rebanho, novos casos recentemente caíram vertiginosamente.
Ainda não está claro qual porcentagem de uma população precisa ser vacinada ou recuperada de COVID-19 antes que a imunidade de rebanho seja acionada. As previsões iniciais estavam entre 60% e 70% e aumentaram para 90%, mas tudo isso é baseado em modelos ou mesmo adivinhação. Anthony Fauci, que dirige o NIAID, foi criticado por mudar suas próprias estimativas. Recentemente na CNN, Fauci reconheceu que: “Acho que todos temos que ser honestos e humildes. Ninguém sabe ao certo”.
Desenvolvimentos recentes têm sido preocupantes. As vacinas contra a COVID-19 que circulam são altamente eficazes contra hospitalização e morte, mas seu sucesso contra sintomas leves e moderados despenca quando confrontado com variantes virais que podem contornar os anticorpos desencadeados pela vacina. E a imunidade coletiva, mesmo que surgisse, poderia facilmente diminuir à medida que a imunidade diminuísse ou surgissem novas variantes.
No entanto, há um reconhecimento crescente de que, mesmo que a vacinação generalizada não consiga deter a disseminação do vírus, ela promete um grande passo de volta ao normal. Prevenir doenças graves e morte em idosos e pessoas com comorbidades como obesidade e hipertensão – as mais vulneráveis - ainda é uma vitória retumbante sobre o vírus, dizem muitos epidemiologistas.
Grande parte da população ainda pode ser infectada e desenvolver casos leves ou infecções assintomáticas. Essa perspectiva preocupa alguns cientistas e médicos, que observam que mesmo os casos leves podem levar ao fenômeno de “COVID prolongada” de sintomas persistentes. Os hospitais, porém, não ficarão sobrecarregados com casos de emergência e as mortes se tornarão cada vez mais raras.
Para Corey, essas métricas são as mais relevantes. “Quando a UTI vai se acostumar e ver que há uma queda acentuada para que estejamos no ponto em que, sim, poderemos meio que tolerar isso?”, ele pergunta.
“Não vamos desligar esse vírus e acabar com a transmissão”, concorda Nicole Lurie, consultora da Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias. “Temos que tomar uma decisão como sociedade sobre o quanto podemos aguentar e conviver”. Afinal, a sociedade convive com a gripe, que continua endêmica apesar de uma vacina. Mas Lurie enfatiza que a gripe não é um modelo atraente. Ela mata até 60.000 pessoas por ano apenas nos Estados Unidos – um registro que ela não gostaria de aceitar para a COVID-19.
Ainda assim, a imunologista Brigitte Autran, membro do Comitê Científico da França para Vacinas da COVID-19, diz que a imunidade coletiva não é necessária para restaurar a normalidade. “O primeiro objetivo é ter proteção individual e, ao somar as proteções individuais, ter uma proteção da sociedade que permita aos países voltar a uma vida quase normal”.
Qual ameaça os mutantes virais representam para a imunidade?
Essa preocupação mudou rapidamente do mundo teórico para o real quando estudos em vários países revelaram recentemente que várias vacinas eram menos eficazes contra a COVID-19 sintomática na África do Sul. É lá que 95% das infecções agora derivam de uma variante viral que, em estudos em tubos de ensaio, poderia evitar anticorpos contra a proteína viral. A vacina à base de proteína da Novavax passou de 89,3% de proteção no Reino Unido, onde a variante é rara, para 49,4% na África do Sul. E a África do Sul até suspendeu o início planejado da vacinação com o imunizante da AstraZeneca-Oxford, que consiste em um “vetor” viral inofensivo carregando o gene para a proteína spike, depois que um pequeno ensaio lá indicou que a vacina tinha 22% de eficácia.
Ainda assim, as respostas imunológicas desencadeadas pelas vacinas podem ajudar, o suficiente para prevenir sintomas graves. Uma terceira vacina, da Johnson & Johnson, também falhou contra casos leves na África do Sul, mas preveniu quase todos os casos graves – sem hospitalizações ou mortes. (Os estudos da AstraZeneca-Oxford e da Novavax eram muito pequenos para abordar o impacto dos casos graves.)
Uma explicação poderia ser que o nível de anticorpos para a proteína spike, aqueles capazes de “neutralizar” a infectividade do SARS-CoV-2, se elevou de forma tão alta após a vacinação que havia um atenuamento do impacto viral: embora vários laboratórios relatassem que a variante na África do Sul reduziu o impacto dos anticorpos induzidos pela vacina em até nove vezes, se esses combatentes imunológicos subirem a níveis altos o suficiente, eles ainda podem ter força suficiente para impedir casos graves.
Outras partes do sistema imunológico menos afetadas pelas mutações na variante provavelmente contribuem para a proteção. A Pfizer e a BioNTech demonstraram que sua vacina de mRNA desencadeia um aumento acentuado nas células T essenciais. Um conjunto, que carrega o receptor CD8, tem como alvo e destrói células que o SARS-CoV-2 consegue infectar. Ressaltando a importância dessas células, a Pfizer e a BioNTech descobriram que, embora os níveis de anticorpos neutralizantes desencadeados por sua vacina fossem mínimos nos 21 dias entre a primeira e a segunda dose, ela ainda deu 52,4% de proteção contra doenças durante o período. “As respostas de células T induzidas por vacinas são importantes para as vacinas contra a COVID-19, particularmente para variantes resistentes que podem contornar parcialmente os anticorpos neutralizantes”, sugere Dan Barouch, da Harvard Medical School, cujo laboratório documentou a importância das células CD8+ para proteger macacos da reinfecção por coronavírus.
Misturar e combinar vacinas contra a COVID-19 também pode aumentar as respostas de anticorpos e células T para níveis mais elevados, criando maiores atenuações do impacto viral. Estudos de várias combinações já começaram.
As variantes mudarão o curso da pandemia?
Esse é o campo de estudo de modeladores como Longini. Frequentemente, eles restringem suas análises a áreas geográficas restritas, o que torna mais fácil acumular dados de alta qualidade e contabilizar variáveis que podem alterar os resultados. Portanto, Longini e Thomas Hladish, também da UF, criaram um modelo para seu estado natal que extrapola os números reais de casos para COVID-19 e pressupõe uma implementação rápida, começando com pessoas com mais de 65 anos, de vacinas que são 60% eficazes na prevenção de infecções. Assumindo que o vírus não evolui, eles descobriram que uma campanha de vacinação atingindo metade da população reduziria as doenças sintomáticas e a morte em 30% até agosto.
Surpreendentemente, o modelo deles na Flórida mostra que os casos de COVID-19 diminuiriam continuamente, mesmo sem vacinação. Isso ocorre porque o número reprodutivo do estado para SARS-CoV-2 – quantas outras pessoas cada caso de COVID-19 infecta – caiu para menos de 1. “É principalmente máscaras, distanciamento social e o lento acúmulo de imunidade natural na população”, disse Longini. Na verdade, como em muitos estados dos EUA, os casos da Flórida começaram a cair drasticamente em janeiro.
Mas esse declínio pode reverter rapidamente se uma cepa mutante aparecer e ser 50% mais infecciosa, como a cepa variante B.1.1.7 que resultou numa explosão de casos primeiro no Reino Unido e depois chegou aos Estados Unidos, incluindo na Flórida [No Brasil, ela foi confirmada no final de dezembro de 2020]. “Teremos uma epidemia muito maior que começa a acontecer agora”, disse Longini. Mas, com mais disseminação viral, o impacto da vacinação seria maior, evitando o dobro de casos sintomáticos e mortes.
Vacinas versus variante
Os modelos sugerem que o impacto das vacinações contra a COVID-19 em San Diego será atenuado pela variante B.1.1.7 de rápida disseminação, que já responde por 5% das infecções por SARS-CoV-2 lá. Se outros esforços de prevenção forem relaxados, uma onda de casos irá sobressair os ganhos com a vacinação.
A modeladora Natasha Martin e sua equipe da Universidade da Califórnia, San Diego, observaram a interação de variantes e vacinas em uma área ainda menor: seu condado de origem. O sequenciamento de casos de COVID-19 no condado de San Diego mostrou que a variante B.1.1.7 altamente transmissível tem uma prevalência de 5% até agora – 10 vezes mais alta do que a estimada recentemente para o país. O modelo de Martin mostra que se a variante se tornar a principal, como muitos pesquisadores esperam, as campanhas massivas de vacinação nos próximos 3 meses ainda reduzirão o número de casos pela metade. Mas se o condado baixar a guarda e as pessoas se tornarem negligentes em relação aos esforços de prevenção, os casos de COVID-19 triplicarão mesmo com a vacinação rápida. “Estamos em um momento crítico da epidemia, onde nosso progresso em termos de redução de casos pode ser rapidamente revertido conforme a cepa B.1.1.7 se expande”, diz Martin. “Temos as ferramentas de que precisamos para combater a disseminação desse vírus: máscara, distanciamento social, vacinação. Agora é a hora de vacinar o máximo de pessoas o mais rápido possível para reduzir as máscaras e o distanciamento”.
Com que rapidez podemos adaptar as vacinas às novas variantes?
Os desenvolvedores de vacinas provaram em 2020 que podem passar de conceito de vacina à vacina candidata, pronta para teste em pessoas, em apenas 2 meses. Alterar o código genético usado em uma vacina baseada em mRNA ou vetor, ou fazer uma nova preparação de vírus inativado, deve ser pelo menos tão rápido. (Uma proteína geneticamente modificada, como a vacina Novavax, leva mais tempo.)
Mas, de longe, o maior desperdício de tempo e despesa para colocar as vacinas contra a COVID-19 em uso foram os testes de eficácia em grande escala, que levaram cerca de 4 meses. Isso precisaria ser repetido para cada vacina atualizada? Não, disse Peter Marks, que chefia a divisão de vacinas da Food and Drug Administration dos EUA. Tudo o que a agência provavelmente exigiria, disse ele, é um estudo de “tamanho modesto” em humanos, mostrando que as respostas imunológicas provocadas pela nova vacina se assemelham às desencadeadas pela original e que provavelmente são protetoras.
Afinal, as vacinas contra a gripe são atualizadas anualmente para acompanhar o vírus da gripe em constante mutação e são rapidamente aprovadas. Os fabricantes podem retirar componentes da vacina antiga e substituí-los por novos. Os reguladores exigem evidências mínimas sobre o produto revisado – muitas vezes apenas estudos em animais mostrando que ele tem um desempenho tão bom quanto o modelo do ano anterior.
Mas com as vacinas contra a COVID-19, ninguém sabe quais respostas imunológicas se correlacionam com a proteção. Muitos especialistas em vacinas presumem que os anticorpos neutralizantes para a proteína spike são o fator de proteção mais importante. Para provar isso, no entanto, os pesquisadores precisam comparar as respostas imunológicas entre pessoas vacinadas infectadas por vírus que “quebraram” sua proteção e pessoas vacinadas que não foram infectadas. Uma análise de “peneira” mais aprofundada dos casos analisados refina os correlatos de proteção, observando a genética das variantes que surgem. Esses estudos estão em andamento, mas as vacinas Moderna e Pfizer-BioNTech, as primeiras aprovadas, funcionaram tão bem que era difícil descobrir as respostas imunológicas protetoras. “Haviam poucas pessoas vacinadas infectadas”, explica Mascola, que está ajudando a coordenar as análises.
Ainda assim, Marks antecipa que quando os fabricantes de vacinas formularem novas preparações para combater as variantes e testá-las em pequenos estudos em humanos, as principais respostas imunológicas terão se tornado claras. “Podemos muito bem ter o correlato confirmado até março, quando for realmente necessário”, disse ele. Isso poderia abrir o caminho para uma rápida aprovação e implantação de reforços projetados para acompanhar a evolução do vírus – e garantir que qualquer progresso conquistado com esforço contra a pandemia não seja desfeito.