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A equação que explodiu o cosmos?

Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio

Há 100 anos, enquanto a Europa estava enterrada na escuridão da Grande Guerra, Albert Einstein escreveu a equação que mudou para sempre a maneira como entendemos o espaço, o tempo e a matéria.

Em grande medida, a equação também mudou, de repente, a forma como entendemos a nós mesmos, a partir de suas circunvoluções matemáticas dobradas, o próprio universo tornou-se uma entidade dinâmica, evoluindo, dotado de uma história. Dentro desta história, o nascimento e a morte de estrelas, e a criação dos elementos químicos e sua reunião em compostos complexos em planetas nascentes, tornaram-se uma característica persistente. A vida se desenvolveu aqui, tal como poderia ocorrer em outros lugares, como parte deste grandioso drama cósmico no qual somos atores integrais. O Big Bang, buracos negros, deformação no espaço-tempo, buracos de minhoca, máquinas do tempo, até mesmo os nossos dispositivos de GPS, todos dependem de alguma forma da criação notável de Einstein, uma nova maneira de descrever a gravidade.

Eu não consigo resistir em escrever a equação: Rmn – ½ gmnR = 8pG Tmn. O leitor, sem dúvida, reconhece o sinal de igual que separa os dois lados. Os símbolos de aparência misteriosa do lado esquerdo descrevem a geometria do espaço e o fluxo do tempo; o Tmn à direita descreve como a energia e a matéria estão distribuídas no espaço, estejam elas em movimento ou não. (G é a constante gravitacional que já apareceu na teoria da gravitação de Newton de 1686). Em outras palavras, a equação refere-se a geometria do espaço e ao fluxo do tempo – agora quantidades maleáveis, passíveis de distorções – para a distribuição da matéria no espaço. Como o grande físico John Archibald Wheeler escreveu certa vez, a matéria diz ao espaço como se curvar, e o espaço diz à matéria como se mover. Esta é a essência da teoria da relatividade geral de Einstein, uma teoria que muitos físicos consideram a mais bela já concebida.

Einstein estava convencido de que sua teoria estava correta, mesmo antes de ter sido testada. Um jornalista perguntou-lhe o que ele faria se a teoria estivesse errada. Sua resposta se tornou famosa: “Então eu sentiria pena do bom Deus. A teoria está correta”.

Felizmente para o bom Deus e para Einstein, a teoria está correta. As previsões surpreendentes de Einstein a partir da teoria foram confirmadas com alta precisão: a luz de estrelas distantes se curva quando passa próxima de outras estrelas em seu caminho até a Terra; o tempo desacelera em fortes campos gravitacionais; a órbita de Mercúrio sofre lentamente uma precessão, como um pião oscilando, devido à sua proximidade com o sol. Em outras palavras, uma grande concentração de matéria (e, portanto, energia, devido à fórmula E=mc² , outra das criações de Einstein, sendo esta de 110 anos atrás) dobra a geometria do espaço e afeta o fluxo do tempo de maneiras mensuráveis.

Einstein, sem dúvida, ficaria feliz em saber que sua teoria não está completa. Ao comemorarmos 100 anos da teoria da relatividade geral em todo o mundo, muitas questões permanecem em aberto, as quais, sem dúvida, surpreenderiam Einstein.

Por exemplo, se aplicarmos a sua teoria ao universo, ela prevê, conforme voltamos ao início dos tempos, que o espaço se contrai até um ponto com volume zero e energia infinita. Claramente, uma situação tão absurda não pode representar o modo como o universo começou sua história. Quando uma teoria tão robusta demonstra tais “singularidades”, sabemos que algo está errado. O problema aqui é que não podemos aplicar a teoria da gravidade de Einstein muito próxima do início dos tempos, também conhecido como o Big Bang. Precisamos de algo mais, presumivelmente uma teoria que não tenha medo de enfrentar distâncias pequenas, como a teoria quântica, que descreve o comportamento dos átomos e partículas subatômicas. Mas nós ainda não sabemos como lidar com esse casamento do quântico com a relatividade de Einstein.

Em 1998, outro mistério cósmico veio à tona com a descoberta de que o universo não está apenas se expandindo, mas faz isso de maneira acelerada. Esta fase aparentemente começou há cerca de 5 bilhões de anos ou mais, por razões que permanecem obscuras. O que surpreende é que algo em torno de 70% do material que preenche o cosmos está atuando para alimentar essa aceleração cósmica – e não temos ideia do que é este material, chamado de energia escura. Alguns dizem que é um novo campo com propriedades bizarras; outros afirmam que a teoria de Einstein precisa ser revisada e não pode ser a palavra final.

Da melhor forma possível, a bela teoria de Einstein leva a belas experiências que testam sua validade – e belos modelos que tentam estender sua validade para reinos distantes das experiências atuais. A teoria de Newton inspirou um magnífico trabalho sobre a dinâmica celeste que vem alimentando a imaginação de físicos e matemáticos há mais de 300 anos. Vivemos agora sob o feitiço de Einstein, no cosmos bizarro que emergiu da sua teoria. Estamos apenas começando a explorar tudo o que está escondido dentro desses símbolos misteriosos.

Einstein, que não gostava de buracos negros, ficaria horrorizado se soubesse que praticamente cada galáxia tem um desses gigantescos no seu centro. Mas ele certamente ficaria muito satisfeito com a revolução que começou, uma fonte de admiração e inspiração para esta geração e muitas outras que virão.

Feliz centenário de aniversário, teoria da relatividade geral!

Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser

Appleton Professor of Natural Philosophy at Dartmouth College, USA. Professor of Physics and Astronomy at Dartmouth College, USA. Writer, blogger, public lecturer.