Por Kentaro Mori
Publicado no Ceticismo Aberto
Um dos primeiros a divulgar amplamente a ideia de que podemos ter mantido contato com civilizações extraterrestres na Antiguidade foi curiosamente um dos mais conhecidos céticos. No livro “Vida Inteligente no Universo” (1966) o astrônomo Carl Sagan, em colaboração com o colega soviético Iosif Shklovsky, dedica um capítulo inteiro para defender seriamente a possibilidade de um contato em eras passadas.
A dupla indicou um possível deus astronauta: o enigmático personagem da mitologia suméria, Oannes. Quimera metade peixe, diz a lenda que a criatura surgiu no Golfo Pérsico por volta de 4.000 AC e ensinou várias artes e ciências aos homens. Seriam os ecos longínquos do contato com um alienígena benevolente?
Talvez, apenas talvez. A dupla de cientistas foi sóbria e cautelosa ao deixar claro que eram apenas especulações sem comprovação. E é aqui que reside a diferença entre especulação e a enganação. Logo depois um hoteleiro suíço venderia exatamente as mesmas ideias como se fossem fatos comprovados, e o resto, como dizem, é história. Ou melhor, ficção vendida como história.
As supostas evidências que permitiriam o pulo de especulação para fato já foram exaustivamente exploradas ao longo das últimas décadas, e seria impossível abordar todas em detalhe neste espaço. Cada uma delas é um caso específico em que traficantes de mistérios nunca contam toda a história. Fiquemos, então, com a que, segundo o próprio cético Sagan, seria uma das melhores evidências concretas de contatos na antiguidade.
São os rituais e lendas do povo Dogon na África. Coincidência ou não, essa tribo distante também fala da chegada de uma quimera peixe-serpente, chamada Nummo, vinda diretamente do sistema estelar de Sírio. Não apenas o mito faz referência astronômica ao sistema estelar, ele inclui alguns detalhes que só foram confirmados pela ciência no século passado. A especulação se torna subitamente sólida quando as “lendas” possuem elementos que apenas grandes telescópios – ou viajantes extraterrestres – poderiam conhecer. Então, esse seria o caso perfeito? Pelo menos é o que enganadores vendem.
O que nunca contam é que a história não para aí. Há algo muito estranho quando descobrimos que os Dogon acreditam que o Nummo foi crucificado e ressuscitou, e que deve retornar uma segunda vez à Terra. Soa familiar? Demasiadamente, familiar. De fato, as lendas astronômicas Dogon mais extraordinárias têm uma única fonte, o antropólogo Marcel Griaule, que manteve contato com a tribo nos anos 1930 e 40. Outros antropólogos em contato com a mesma tribo antes e depois falharam em confirmar as extraordinárias lendas.
Não se suspeita que Griaule inventou as histórias, mas é revelador que os supostos mitos ancestrais espelhem os mitos e conhecimentos do próprio europeu. Os supostos conhecimentos astronômicos Dogon também contêm alguns erros, idênticos aos da astronomia europeia no início do século passado. Pelo visto a tribo Dogon não devia estar tão isolada dos europeus, e como Sagan notou, a civilização alienígena com conhecimentos astronômicos sofisticados em contato com os Dogon que o antropólogo descobriu era… sua própria civilização.
O melhor caso a apoiar a ideia de “deuses astronautas” revela-se frágil quando informação crucial é adicionada. Infelizmente, é assim com todos os outros casos que já conheci. O pilar de ferro de Délhi está sim enferrujado, a Grande Pirâmide possui o nome do faraó Quéops inscrito várias vezes em câmaras interiores seladas desde sua construção, o mapa de Piri Reis não é mais acurado que outros mapas da época…
A possibilidade de que tenhamos sido contatados persiste e deve ser tomada a sério. O pulo do possível para o provável, e deste para o comprovado, no entanto, ainda não foi dado.