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Erupções gigantes antigas podem ter semeado nitrogênio necessário para a vida

Erupções vulcânicas podem gerar muitos raios. Esses raios dividem as moléculas de nitrogênio no ar, permitindo que os átomos de nitrogênio reajam com outros elementos para formar compostos que os organismos vivos possam usar. (Martin Bernetti/AFP via Getty Images)

Traduzido por Carlos Germano
Original de Bas den Hond para o Science News

Milhões de anos atrás, erupções vulcânicas gigantes no que hoje é a Turquia e o Peru depositaram, cada uma, milhões de toneladas métricas de nitrato na Terra. Esse nutriente pode ter surgido de raios vulcânicos, relataram pesquisadores em uma reunião da União Europeia de Geociências, em Viena.

A descoberta acrescenta evidências à ideia de que, no início da história da Terra, os vulcões poderiam ter fornecido alguns dos materiais que possibilitaram o surgimento da vida, diz o vulcanólogo Erwan Martin, da Universidade Sorbonne, em Paris.

O nitrogênio é um ingrediente essencial para as moléculas biológicas, a exemplo das proteínas e DNA. Compõe cerca de 78% da atmosfera. Mas as moléculas de nitrogênio no ar consistem em dois átomos de nitrogênio fortemente ligados. Somente quando esses átomos forem separados, eles reagirão com outros elementos e criarão formas de nitrogênio úteis à vida, como o nitrato.

Alguns micróbios podem separar as moléculas de nitrogênio e fornecer “nitrogênio fixo” para plantas e fungos. Os químicos também podem fazer isso, criando fertilizantes. Mas antes que a vida pudesse começar, algum processo não biológico deve ter ocorrido.

Lightning é o candidato óbvio, diz Martin. Essas descargas elétricas extremamente energéticas podem separar os átomos de nitrogênio, que se combinam com o oxigênio para formar óxidos de nitrogênio e, eventualmente, nitrato.

Os raios das trovoadas, provocados pela colisão e cargas de partículas de gelo, separam moléculas de nitrogênio diariamente, mas em taxas baixas e espalhadas por grandes áreas. Plumas vulcânicas (cinza vulcânica emitida), nas quais as partículas de poeira colidem e carregam, podem fornecer relâmpagos em intensidades surpreendentes. Durante um dia da erupção, em 2022, do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai na Indonésia, por exemplo, houve cerca de 400.000 descargas.

Apesar da abundância de raios, só é criada uma quantidade relativamente pequena de nitrato. No entanto, erupções raras e enormes, do tipo que acontecem apenas a cada 100.000 anos, podem criar muito mais. A ideia de que tais eventos poderiam produzir e depositar muito nitrato não é nova, diz Martin, mas até agora ninguém havia realmente analisado o conteúdo de nitrogênio dos depósitos vulcânicos dessas erupções.

Seu grupo coletou amostras de afloramentos na Turquia e no Peru ligados a 10 erupções explosivas que aconteceram entre 20 milhões e um milhão de anos atrás. O clima seco de suas localizações ajuda a garantir que qualquer nitrato formado há muito tempo, que seja solúvel em água, não tenha sido lixiviado.

O nitrato que os pesquisadores descobriram contém átomos de oxigênio com massas diferentes, em proporção semelhante à dos três átomos de oxigênio que compõem cada molécula de ozônio no ar. Isso mostra que os nitratos foram formados na atmosfera e não por algum processo no solo, diz a equipe.

Com base em sua amostragem, os pesquisadores estimam que cada erupção depositou em média cerca de 60 milhões de toneladas de nitrato.

A vida pode ter começado há cerca de 3,7 bilhões de anos, muito antes das erupções que Martin e seus colegas estudaram. Mas os primeiros anos da Terra foram repletos de vulcanismo extremo. Alguns pesquisadores acreditam que os raios sobre as ilhas vulcânicas, em particular, desempenharam um papel importante no surgimento da vida, antes mesmo de os continentes estarem totalmente formados. Na Terra jovem, quantidades semelhantes de nitrato, estimadas no novo estudo, poderiam ter sido produzidas nessas ilhas, há muito tempo submersas, diz Martin.

O conceito do estudo é interessante, diz o químico marinho Jeffrey Bada do Scripps Institution of Oceanography, em La Jolla, Califórnia. Mas ele acha que os pesquisadores deveriam ter abordado a diferente composição da atmosfera na época em que a vida apareceu pela primeira vez.

“No mundo de hoje, raios em ilhas vulcânicas produzem grandes quantidades de óxidos de nitrogênio”, diz Bada. “Mas na Terra primitiva, quando a atmosfera tinha pouco oxigênio, o produto provavelmente seria amônia”. Como o nitrato, a amônia é uma forma de nitrogênio biologicamente utilizável.

Em uma pluma vulcânica, há muita água e outros compostos de oxigênio provenientes do magma, que podem ter fornecido parte desse oxigênio. E naqueles primeiros dias, diz Martin, “talvez não fosse nitrato, mas amônia – ainda é nitrogênio disponível para a vida. Ainda são coisas que precisam ser avaliadas.”

Carlos Germano

Carlos Germano

carlosgermanorf@gmail.com