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Esta imagem clássica que todo mundo usa para ilustrar a evolução é bem errada

Por Jordi Paps e Cristina Guijarro-Clarke
Publicado no The Conversation

A evolução explica como todos os seres vivos, incluindo nós, surgiram. Seria fácil assumir que a evolução funciona adicionando continuamente recursos aos organismos, aumentando constantemente sua complexidade.

Alguns peixes evoluíram pernas e caminharam para a terra. Alguns dinossauros desenvolveram asas e começaram a voar. Outros desenvolveram úteros e passaram a dar à luz sem precisar de ovos.

No entanto, esse é um dos equívocos mais predominantes e frustrantes sobre a evolução. Muitos ramos bem-sucedidos da árvore da vida permaneceram simples, como bactérias, ou reduziram sua complexidade, como parasitas. E eles estão indo muito bem.

Em um estudo recente publicado na Nature Ecology and Evolution, comparamos os genomas completos de mais de 100 organismos (principalmente animais), para estudar como o reino animal evoluiu no nível genético.

Nossos resultados mostram que as origens de grandes grupos de animais, como o que inclui os seres humanos, estão ligadas não à adição de novos genes, mas a enormes perdas de genes.

O biólogo evolucionista Stephen Jay Gould foi um dos oponentes mais fortes da “marcha para o progresso“, a ideia de que a evolução sempre resulta em maior complexidade. Em seu livro Lance de Dados (1996), Gould usa o modelo do andar  de um bêbado.

Um bêbado deixa um bar e vai até uma estação de trem e desajeitadamente caminha para frente e para trás sobre a plataforma, cambaleando ora em direção ao bar, ora em direção aos trilhos do trem. Em determinado momento, o bêbado cairá nos trilhos e ficará preso lá.

A plataforma representa uma escala de complexidade, o bar sendo a menor complexidade e os trilhos, a maior. A vida surgiu saindo do bar, com a menor complexidade possível.

Às vezes, tropeça aleatoriamente em direção aos trilhos (evoluindo de uma maneira que aumenta a complexidade) e outras vezes em direção ao bar (reduzindo a complexidade).

Nenhuma opção é melhor que a outra. Ficar simples ou reduzir a complexidade pode ser melhor para a sobrevivência do que evoluir com maior complexidade, dependendo do ambiente.

Mas, em alguns casos, grupos de animais desenvolvem características complexas intrínsecas à maneira como seus corpos funcionam e não podem mais perder esses genes para se tornarem mais simples – ou seja, ficam presos nos trilhos do trem. (Não há trens com que se preocupar nesta metáfora, só os trilhos.)

Por exemplo, organismos multicelulares raramente voltam a se tornar unicelulares.

Se focarmos apenas nos organismos presos nos trilhos do trem, teremos uma percepção tendenciosa da vida evoluindo em linha reta, do simples ao complexo, acreditando erroneamente que as formas de vida mais antigas são sempre simples e as mais novas são complexas. Mas o verdadeiro caminho para a complexidade é mais tortuoso.

Juntamente com Peter Holland, da Universidade de Oxford, analisamos como a complexidade genética evoluiu nos animais. Anteriormente, mostramos que a adição de novos genes foi fundamental para a evolução inicial do reino animal.

A questão então tornou-se se era esse o caso durante a evolução posterior dos animais.

Estudando a árvore da vida

A maioria dos animais pode ser agrupada em grandes linhagens evolutivas, ramos na árvore da vida, mostrando como os animais vivos hoje evoluíram a partir de uma série de ancestrais compartilhados.

Para responder à nossa pergunta, estudamos todas as linhagens de animais com sequências de genomas disponível publicamente, e muitas linhagens não-animais para compará-las.

Uma linhagem animal é a dos deuterostomos, que inclui seres humanos e outros vertebrados, bem como estrelas do mar ou ouriços do mar. Outro são os do grupo Ecdysozoa, compreendendo os artrópodes (insetos, lagostas, aranhas, milípedes) e outros animais que realizam ecdise, como as lombrigas.

Vertebrados e insetos são considerados alguns dos animais mais complexos. Por fim, temos uma linhagem, os do grupo Lophotrochozoa, que inclui animais como moluscos (caracóis, por exemplo) e anelídeos (minhocas), entre muitos outros.

Pegamos essa seleção diversificada de organismos e procuramos ver como eles estavam relacionados na árvore da vida e quais genes eles compartilhavam e não compartilhavam. Se um gene estava presente em um ramo mais antigo da árvore e não em um mais jovem, inferimos que esse gene havia sido perdido.

Se um gene não estava presente em ramos mais velhos, mas aparecia em um ramo mais jovem, considerávamos um gene novo que havia sido ganho no ramo mais jovem.

Os resultados mostraram um número sem precedentes de genes perdidos e ganhos, algo nunca visto antes em análises anteriores. Duas das principais linhagens, os deuteróstomos (incluindo humanos) e os Ecdysozoa (incluindo insetos), apresentaram o maior número de perdas genéticas.

Em contrapartida, os Lophotrochozoa mostram um equilíbrio entre ganhos  e perdas de genes.

Nossos resultados confirmam a noção apresentado por Stephen Jay Gould, mostrando que, no nível dos genes, a vida animal emergiu ao sair do bar para dar um grande salto em complexidade.

Mas, após esse salto, algumas linhagens foram mais para direção do bar, perdendo genes, enquanto outras chegaram à plataforma ao ganhar genes.

Consideramos isso o resumo perfeito da evolução, uma escolha aleatória de um pé-de-cana entre o bar e a linha de trem. Ou, como o meme da internet diz, “vá para casa, evolução, você está bêbada“.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.