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Esses vírus recém-descobertos podem ter moldado o surgimento da vida complexa na Terra

Traduzido por Julio Batista
Original de Nicoletta Lanese para o Live Science

Cientistas descobriram os vestígios de vírus misteriosos escondidos em um antigo grupo de micróbios que podem ter ajudado a alimentar o surgimento de toda a vida complexa na Terra: de fungos a plantas e humanos.

Esses micróbios – conhecidos como arqueias Asgard, nomeados por conta da morada dos deuses na mitologia nórdica – se espreitam nos sedimentos gelados das profundezas do oceano e em fontes termais ferventes, e existiam na Terra antes das primeiras células eucarióticas, que carregam seu DNA dentro de um núcleo.

Ao infectar as arqueias Asgard, os vírus podem ter influenciado como essas formas de vida surgiram e podem até ter dado origem a alguns dos primeiros precursores do núcleo, alguns cientistas supõem. Mas até agora, nenhum vírus infectante de Asgard havia sido descoberto.

Agora, em um trio de estudos publicados na segunda-feira (27 de junho) na revista Nature Microbiology, cientistas identificaram uma série de vírus que podem infectar as antigas arqueias.

“Estes são os primeiros estudos que investigam os vírus das arqueias Asgard; não havia nada conhecido antes”, disse Susanne Erdmann, líder do grupo de pesquisa em virologia das arqueas do Instituto Max Planck de Microbiologia Marinha em Bremen, Alemanha, que não esteve envolvida nos estudos.

No futuro, essa linha de pesquisa pode revelar se e como os vírus estiveram envolvidos no surgimento de células eucarióticas na Terra, disse Erdmann à Live Science por e-mail.

Tirando o pó dos vestígios virais 

Na nova pesquisa, os cientistas procuraram evidências de infecção viral incorporada no DNA das arqueias Asgard. Essa evidência incorporada vem na forma de pequenos trechos de DNA viral, chamados “espaçadores de CRISPR”.

A maioria das pessoas que ouve o termo CRISPR pensa na famosa ferramenta de edição de genes que permite aos cientistas manipular facilmente sequências genéticas, disse Ian Rambo, ex-candidato de doutorado no Instituto de Ciências Marinhas da Universidade do Texas em Austin (EUA) e primeiro autor de um dos papers sobre o estudo da Nature Microbiology. No entanto, essa ferramenta de edição de genes foi originalmente adaptada dos mecanismos naturais de defesa de bactérias e arqueias, disse ele à Live Science.

A sigla “CRISPR” significa “clusters of regularmente interspaced short palindromic repeats”, ou Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas, e refere-se a uma região de DNA composta de sequências curtas e repetidas com “espaçadores” entre cada repetição. Bactérias e arqueias roubam esses espaçadores dos vírus que as infectam e, assim, as células mantêm um banco de memória de DNA viral que as ajuda a reconhecer os vírus, caso eles ataquem novamente.

“É um sistema imunológico adaptativo que se lembra dessas infecções anteriores”, disse Rambo, que agora é pós-doutorando no Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Rambo e seus colegas buscavam na Bacia de Guaymas, no Golfo da Califórnia – o corpo de água entre a Baixa Califórnia e o México continental – por tais espaçadores de DNA em espécimes de arqueias Asgard coletados de sedimentos próximos a fontes hidrotermais, cerca de 2 km abaixo da superfície da água.

A equipe combinou os espaçadores encontrados com trechos mais longos de DNA viral coletados no ambiente do fundo do mar.

“É bastante fácil sequenciar vírus de sedimentos do fundo do mar, mas o desafio é reconhecer quais hospedeiros esses vírus infectam”, disse Mart Krupovic, chefe da Unidade de Virologia das Arqueias do Instituto Pasteur em Paris e coautor do livro outros dois estudos. “A correspondência de espaçadores de CRISPR é a abordagem mais conveniente, convincente e confiável para atribuir o hospedeiro.”

No final, a equipe de Rambo descobriu seis vírus que infectam dois tipos de arqueias Asgard, chamados Lokiarchaeota e Helarchaeota por conta do deus nórdico Loki e a deusa Hela, respectivamente. Os pesquisadores nomearam os vírus recém-descobertos em homenagem a criaturas mitológicas nórdicas, incluindo o lobo gigante Fenrir e o dragão Nidhogg.

Da mesma forma, em um estudo, Krupovic e seus colegas descobriram dois vírus que chamaram de Huginn e Muninn, em homenagem aos dois corvos que servem como inofrmantes para o deus nórdico Odin; esses vírus foram descobertos em um genoma de Asgard amostrado em uma fonte termal no Parque Nacional de Yellowstone.

No estudo final, Krupovic e seus coautores descobriram vírus em sedimentos do fundo do mar coletados na Península de Shimokita, no cabo nordeste da ilha japonesa de Honshū, bem como em dois outros locais no Pacífico e um no Oceano Índico.

Nessas amostras, eles encontraram três grupos de vírus de nível familiar, que deram o nome das três Norns – Wyrd, Verdandi e Skuld – que são seres sobrenaturais que determinam os destinos de deuses e mortais na mitologia nórdica.

Trabalhando a partir do DNA viral, os pesquisadores puderam inferir que tipos de proteínas os vários genes codificam e, portanto, como os vírus podem se parecer e funcionar.

Por exemplo, os vírus nomeados com base em Norn Verdandi provavelmente têm caudas que se estendem de suas conchas externas, ou capsídeos, e os vírus nomeados com base em Wyrd provavelmente tem formato de limão siciliano, determinaram Krupovic e seus colegas.

A equipe de Rambo também encontrou evidências de que os vírus nomeados com base em Nidhogg podem ser capazes de sequestrar proteínas-chave em suas células hospedeiras que ajudariam os vírus a produzir em massa novas cópias de si mesmos. (Os vírus que infectam células eucarióticas sequestram seus hospedeiros de maneira semelhante.)

Em última análise, os pesquisadores só conseguiram descobrir as funções de alguns dos genes dos vírus; as funções da grande maioria dos genes ainda são desconhecidas, disse Erdmann. Além disso, como o CRISPR não funciona contra todos os vírus, muitos outros vírus que infectam Asgard provavelmente ainda serão descobertos, disse ela.

Uma maneira de encontrar esses vírus ocultos seria cultivar arqueias Asgard no laboratório e isolar qualquer vírus encontrado em suas células. “No entanto, cultivar arqueias Asgard provou ser muito difícil”, observou Erdmann.

Até o momento, apenas um grupo de pesquisa cultivou com sucesso arqueias Asgard e levou 12 longos anos para fazer isso. Isso ocorre em parte porque as células arqueais levam semanas para se replicar. (Em comparação, a bactéria Escherichia coli, por exemplo, leva cerca de 20 minutos, segundo a Science News).

Até que mais Asgards possam ser cultivados no laboratório, a correspondência de espaçadores de CRISPR é provavelmente a maneira mais eficiente de encontrar mais vírus, disse Krupovic. E à medida que mais e mais vírus são encontrados, seu papel no surgimento de eucariontes – incluindo humanos – pode se tornar mais claro, disse Rambo à Live Science.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.