Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert
A árvore da vida animal teve que começar em algum lugar. Encontrar aquele galho original em meio a um ramo tão emaranhado é mais difícil do que parece.
Uma nova análise de dados genômicos sugere que um filo na disputa pelo ramo mais antigo tem nos enganado o tempo todo.
Desde o século 19, muitos cientistas apresentam a esponja – uma das criaturas mais simples que existem – como o primeiro animal do mundo.
Os estudos genômicos modernos, no entanto, compararam uma ‘bolha’ sem músculos, sem nervos e sem órgãos com uma criatura muito mais complexa.
Águas-vivas-de-pente compreendem um pequeno filo conhecido como ctenóforos (Ctenophora), mas ao contrário dos poríferos (Porifera) – o filo a qual as esponjas pertence – essas criaturas semelhantes a bolhas mostram características muito mais avançadas, incluindo neurônios e células musculares para detectar e comer presas, bem como um intestino para digestão.
Se essas águas-vivas-de-pente realmente vieram primeiro, isso significa que muitas de suas características foram posteriormente perdidas entre os poríferos, apenas para evoluir novamente mais tarde. Embora isso possa parecer totalmente ilógico, não está totalmente fora de questão, embora ameace mudar nossa compreensão da evolução animal inicial e do desenvolvimento do próprio sistema nervoso.
“Pode parecer muito improvável que tais características complexas possam evoluir duas vezes, independentemente, mas a evolução nem sempre segue um caminho simples”, explicou o geneticista Anthony Redmond, do Trinity College de Dublin, na Irlanda.
“Por exemplo, pássaros e morcegos são parentes distantes, mas têm asas desenvolvidas de forma independente para o voo.”
Nos últimos anos, alguns modelos que dividiram os genes em grupos menores para comparação descobriram que as águas-vivas-de-pente contêm um sinal filogenético maior do que as esponjas, o que sugere que esses animais evoluíram e existiram primeiro.
Usando os mesmos dados, outros modelos que não particionam genes, mas contam com uma supermatriz maior, revelaram a linha do tempo exatamente oposta, com esponjas entrando em cena antes das águas-vivas-de-pente.
Ambas as abordagens têm suas limitações, mas examiná-las juntas ajuda a superar alguns de nossos erros e vieses anteriores ao examinar os dados.
Uma reanálise usando um modelo mais integrativo agora sugere que estávamos no caminho certo desde o início – ou seja, com as esponjas.
“Nossa abordagem preenche a lacuna entre duas metodologias discordantes e fornece fortes evidências de que as esponjas, e não as águas-vivas-de-pente, são nossos parentes animais mais distantes”, disse Redmond.
“Isso significa que nosso último ancestral animal comum era morfologicamente simples e sugere que a evolução repetida e/ou a perda de características complexas como um sistema nervoso é menos provável do que se as águas-vivas-de-pente fossem nossos parentes animais mais distantes.”
Na evolução, a seleção natural tende a manter a função e a forma de certas proteínas, substituindo aminoácidos específicos por outros que têm propriedades bioquímicas semelhantes. Essas propriedades, no entanto, podem diferir de local para local, dentro e entre os genes.
Modelos particionados, onde os genes são divididos e os padrões de substituição entre os locais são comparados em grupos, muitas vezes não são responsáveis por essa diversidade, o que significa que podem estar faltando várias substituições “ocultas”, especialmente em espécies onde novos aminoácidos foram selecionados de forma relativamente rápida.
Como tal, a maioria dos modelos particionados aponta para a água-viva-de-pente como a irmã original de outros animais. Mas quando modelos que levam em conta as diferenças de local são incorporados, os pesquisadores descobriram que as esponjas assumem esse papel.
Isso se alinha com estudos anteriores que descobriram que modelos particionados e não particionados podem afetar o comprimento dos ramos e as ramificações das mudanças na árvore da vida, “às vezes de maneira dramática“.
Em outras palavras, argumentam os pesquisadores, são nossos modelos “mal ajustados” e “excessivamente simplistas” que estão suprimindo algumas mudanças evolutivas no longo ramo das águas-vivas-de-pente. Isso faz com que o filo Ctenophora pareça ter evoluído antes das esponjas, quando, na verdade, essas ‘bolhas’ provavelmente se separaram dos poríferos bem no início e depois evoluíram incrivelmente rápido.
Os resultados corroboram com um estudo anterior em 2020 que descobriu que a rápida evolução das águas-vivas-de-pente introduz um viés em nossos modelos que nos engana, fazendo-nos pensar que eles vieram primeiro.
Os filos Porifera e Ctenophora têm ramos longos, mas quando comparamos os dois usando modelos de substituição de aminoácidos semelhantes, as águas-vivas-de-pente parecem que devem ser mais velhas devido à sua rápida evolução. Na realidade, porém, as sequências genéticas das águas-vivas-de-pente ocorreram em um espaço de tempo muito mais restrito, o que as faz parecer mais relacionadas às esponjas do que realmente são.
Os modelos futuros precisam levar em conta esse viés, conhecido como ‘atração de ramificações longas‘, dizem os pesquisadores, caso contrário, essas discrepâncias continuarão surgindo repetidamente.
“Grupos de animais de ramificação longa são muitas vezes difíceis de localizar”, disse o biólogo evolutivo Detlev Arendt à Quanta Magazine em 2015.
“Até agora, os dados filogenéticos não são realmente conclusivos sobre onde [as águas-vivas-de-pente] pertencem.”
Dado o quão acalorado este debate se tornou, é improvável que este novo estudo termine a conversa para sempre. Dito isso, os resultados desse modelo atualizado se juntam a outros avanços recentes na pesquisa genômica que sugerem que os genes das águas-vivas-de-pente estão de alguma forma as afastando da disputa.
“A consternação sobre qual linhagem é irmã de outros animais teve uma grande influência no desenvolvimento de novas abordagens e na reavaliação da qualidade das metodologias filogenéticas comumente aplicadas”, escrevem os autores.
“Parece que isso vai continuar, com muitos caminhos de pesquisa destacados por este debate ainda a serem explorados.”
O estudo foi publicado na Nature Communications.