Por Steven Novella
Publicado na Neurologica
O que está acontecendo quando um médium afirma estar canalizando ou falando com espíritos? Os crentes afirmam que estão realmente entrando em contato com entidades imateriais e que suas palavras e ações canalizadas vêm de um lugar diferente de seu cérebro. A interpretação cética é que a mediunidade, de qualquer tipo, não passa de uma performance. A verdade está no cérebro do médium e, como não podemos ler mentes, parece que sempre haverá espaço para a interpretação.
Porém, isso pode estar mudando à medida que desenvolvemos a tecnologia para espiar diretamente a atividade cerebral. O eletroencefalograma (EEG), a ressonância magnética funcional (fMRI), a tomografia de emissão de pósitrons (PET) e a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) são todos métodos para analisar a função cerebral. Um estudo utilizou a última técnica, SPECT, para examinar os cérebros dos médiuns, enquanto executavam a psicografia – a escrita automática que reivindicam sua origem como sendo proveniente de uma fonte externa, que é o espírito.
O estudo envolveu apenas 10 indivíduos, 5 iniciantes e 5 experientes psicógrafos (com 15 a 47 anos de experiência). Cada indivíduo realizou a escrita normal e, em seguida, a escrita “automática”, enquanto supostamente estava em estado de transe. Os pesquisadores encontraram duas coisas – que a escrita dos psicógrafos experientes (mas não dos iniciantes) era mais complexa no estado de transe do que no estado de controle, e os psicógrafos experientes (mas não os iniciantes) tinham diminuído a atividade em certas partes do cérebro relacionadas a maior cognição ao escrever no estado de transe. Especificamente:
“Os psicógrafos experientes apresentaram níveis mais baixos de atividade nos culmen esquerdo, hipocampo esquerdo, giro occipital inferior esquerdo, cingulado anterior esquerdo, giro temporal superior direito e giro precentral direito durante a psicografia em comparação com a escrita normal (sem transe)”.
Para ser claro, ambos os grupos mostraram atividade nas partes do cérebro envolvidas na escrita (as listadas acima). A quantidade de ativação foi apenas menor nos psicógrafos experientes em comparação com o ato durante a realização da escrita normal (sem transe) e os psicógrafos menos experientes.
Os autores reconhecem algumas das limitações de seu estudo:
“Uma limitação desse estudo é o pequeno tamanho da amostra, que impediu uma análise mais detalhada que uma amostra maior poderia fornecer. Utilizamos apenas um limiar para os grupos como uma correção para significância, pois a correção para comparações múltiplas seria conservadora demais para esse estudo exploratório. No entanto, em um estudo maior, poderíamos executar uma análise mais robusta para corrigir múltiplas comparações, bem como corrigir pequenos volumes”.
Eles caracterizam corretamente seu estudo como “exploratório” – o que significa que não podemos considerar os resultados confiáveis ou definitivos. É um estudo pequeno, projetado para procurar padrões interessantes, mas não é capaz de distinguir padrões reais de truques ilusórios ou estatísticos. Eles não corrigiram várias comparações, o que significa que qualquer padrão aleatório pode ter surgido. Além disso, a varredura SPECT (qualquer tipo de varredura funcional cerebral, na verdade) é bastante barulhenta nos dados que gera, fazendo com que vários indivíduos e vários ensaios sejam necessários para distinguir um sinal real do ruído.
Portanto, qualquer interpretação desse estudo deve ser preliminar e provisória. Os próprios autores reconhecem que o estudo precisa ser replicado com maior número de indivíduos.
Porém, se levarmos em consideração os resultados pelo valor nominal, o que pode significar? Deve-se notar que os autores não estão tentando argumentar que a psicografia é um fenômeno paranormal ou “extraneurológico”. Eles estão utilizando a psicografia como um exemplo de um estado dissociativo. Eles concluem apenas que é improvável que os psicógrafos experientes estavam fingindo ou encenando, o que provavelmente estaria associado à atividade nas regiões cerebrais listadas proporcional à complexidade da escrita.
Concordo que isso é razoável, ao menos até certo ponto. Eu acho que eles estão cometendo uma falácia lógica de falsa dicotomia. É possível que alguns ou todos os psicógrafos experientes tenham uma ideia do que estão fazendo (eles sabem que estão fingindo), mas ainda assim desenvolveram sua técnica a ponto de estarem executando inconscientemente na maioria das vezes. Também é possível que eles estavam interpretando seus próprios estados dissociativos como espirituais. Esse estudo não fornece nenhuma evidência, em minha opinião, para separar essas duas possibilidades.
Há uma interpretação puramente neurológica dos resultados que são consistentes com estudos anteriores (e, novamente, não acho que os autores estavam tentando contestar isso). Demonstrou-se que a experiência em certas tarefas está associada a níveis mais baixos de ativação nas áreas correlatas do cérebro. A interpretação padrão disso é que, com treinamento e prática, o cérebro se torna mais eficiente na execução de tarefas. Alguns dos componentes da tarefa ficam enraizados nas partes inconscientes do cérebro de modo que é necessário menos esforço consciente para realizá-la.
Nos esportes, por exemplo, profissionais experientes costumam falar sobre a necessidade de “deixar ir” e permitir que seu corpo faça o que sabe fazer. Qualquer pessoa que se torne até moderadamente competente em uma atividade física complexa (como praticar esportes ou tocar um instrumento musical) terá essa experiência. Depois de um tempo, a técnica adequada se torna automática e você não precisa pensar em cada detalhe – basta fazê-la. Você ainda está no controle consciente. Isso requer muito menos poder cerebral e você ainda pode executar muito mais rapidamente e sem qualquer problema.
A interpretação mais parcimoniosa do estudo atual, portanto, é que a psicografia é simplesmente uma habilidade treinada que os especialistas executam com maior eficiência neurológica do que os iniciantes – assim como qualquer outra habilidade treinada. O aumento da complexidade na escrita também não é surpreendente. Depois de décadas executando a escrita automática, eu esperaria que os especialistas tivessem um vasto repertório de frases e ideias que poderiam lançar, sem a necessidade de nova criatividade. Eles não têm que reinventar a roda para cada leitura.
Eu acho que é possível que médiuns de qualquer faixa etária se tornem suficientemente bons no que fazem ao ponto de, quando realizarem suas tarefas, sentirem-se em modo automático. Eles podem, portanto, acreditar em sua própria fantasia, que o desempenho aparentemente automático ocorre não porque o fazem há anos, mas porque a fonte da informação é realmente de fora. De fato, vem de um lugar diferente de sua mente consciente – do inconsciente, e não há necessidade de especular sobre uma fonte imaterial. Isso é análogo a um suposto médium com habilidade intuitiva para fazer observações e conclusões sobre as pessoas que provavelmente são verdadeiras e, então, interpretar sua própria intuição como se fosse uma habilidade paranormal.
Também acho a diferença entre psicógrafos iniciantes e especialistas muito reveladora. Se a psicografia fosse realmente uma questão de entrar em um estado de transe em que outra entidade assuma e escreva, por que haveria qualquer atividade das áreas cerebrais envolvidas nessa escrita e por que a diferença entre iniciantes e especialistas? Ou o psicógrafo é a fonte da escrita ou alguma outra entidade que é. Eu esperaria, portanto, um resultado binário com “falsificadores” e verdadeiros médiuns mostrando padrões completamente distintos de atividade cerebral. Também não haveria uma relação direta com a experiência, pois você pode ter alguns falsificadores experientes e novatos, mas psicógrafos genuínos.
Porém, o padrão de resultados é completamente consistente com a conclusão de que a psicografia é uma performance do psicógrafo, uma habilidade que é desenvolvida ao longo do tempo como qualquer outra habilidade.