Trago aqui algumas reflexões sobre o conceito de saúde e como podemos torná-lo menos abstrato, mais acessível ao entendimento geral. Existem discussões a respeito disso, já que definir saúde não é uma tarefa das mais simples.
Saúde como bem-estar
Um dos primeiros conceitos que definem saúde foi dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua Constituição de 1946, oficialmente estabelecido em 1948 e não tendo sido modificado desde então. A tradução usual para o conceito de saúde é:
“Um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social,
e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”.
Será que em algum momento já pudemos, ou poderemos, desfrutar de um pleno estado de completo bem-estar físico, psíquico e social? Cada faceta dessa definição de saúde traz um componente da nossa vida. O que podemos pensar de cada dimensão:
Física, isto é, sentir-se bem e íntegro nas funções vitais da nossa fisiologia, a envolver fatores como alimentação, sono, hidratação, sexualidade. Elementos básicos para garantir a manutenção da vida como um todo.
Psíquica, isto é, envolvendo a integridade das funções mentais, no que diz respeito a lazer, satisfação pessoal, boa rede de relações interpessoais, garantia do exercício de competências e busca por autorrealização.
Social, isto é, considerando as determinantes sociais e todos os fatores socioeconômicos que envolvem o entorno de vida do indivíduo: trabalho, moradia, saneamento básico, segurança, dentre outros.
Estes três aspectos devem estar integrados para que possamos considerar um indivíduo saudável, completo em todas as dimensões que regem a sua vida. Certamente podemos perceber como algo que nem sempre está presente. Mas como tentar buscar a integração entre bem-estar físico, psíquico e social, assim, ofertando saúde para as pessoas?
Saúde como direito
A Conferência de Alma-Ata, em 1978, ratifica a saúde como um direito humano fundamental. A definição da OMS já trazia essa premissa, seguindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, época em que se vivia o pós-guerra. Mas nesta Conferência houve a reafirmação da importância de defender a saúde como direito inalienável, ou seja, algo que não se poderia negar. Seria imprescindível estabelecer os chamados cuidados primários em saúde, sendo eles em oito frentes, dentre elas a citar:
Educação em saúde: prover conhecimento em saúde ao cidadão
Nutrição adequada: garantia de acesso a alimentos básicos para a subsistência
Cuidados de saúde para a mãe e a criança: atenção à gestante e ao recém-nascido
Saneamento básico: coleta de esgoto e lixo sólido, bem como fornecimento de água limpa
Com isso, as vertentes de promoção e proteção da saúde se tornaram metas mundiais para os governos e sistemas ao redor do mundo. As metas para a saúde deveriam ser uma conquista até os anos 2000, tendo sido reconhecido e documentado à época que a saúde era o pilar para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer país do mundo.
Posteriormente, e em outras conferências, como a de Ottawa (Canadá – 1986, tinha como intuito identificar os recursos e as condições necessárias para as práticas de saúde); e a de Bogotá (Colômbia – 1992, que expôs a situação da saúde pública na América Latina), documentos similares foram elaborados com a intenção de reafirmar estas metas.
E no Brasil?
A Oitava Conferência Nacional de Saúde, que garantiu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), foi baseada nestes princípios assinalados nas conferências internacionais anteriores e os segue até hoje, apesar das dificuldades estruturais que tem enfrentado desde a sua criação. O entendimento da saúde como um direito a ser garantido pelo Estado, através de seus dispositivos legais e prerrogativas, é uma conquista que deu aos cidadãos o acesso sem restrições aos serviços de saúde pública, saneamento básico, infraestrutura habitacional.
Anteriormente, quem estabelecia a saúde no Brasil era o INAMPS, Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, cujo acesso era restritivo e permitido apenas para trabalhadores e contribuintes. Pessoas ficavam completamente à margem dos serviços de saúde e careciam de uma assistência que os incluísse. O SUS veio como uma proposta de reforma intensiva em todo o panorama da saúde nacional.
E mesmo existindo a separação entre público e privado, desde essa época ou até de antes, o SUS se coloca em todos os cenários como centralizador das políticas em saúde que são implementadas no Brasil. Por mais que as estruturas de gestão estejam fraturadas em dois núcleos, o SUS está diante de todas as medidas que são postas em prática.
E a realidade?
Sabemos que a saúde tem todas essas prerrogativas, mas também sabemos que existe o desrespeito à saúde, que em tese deveria ser um item universal, acessível a todas as camadas sociais sem distinção. Políticas que pouco privilegiam os necessitados, desperdício de recursos, todos fatores que prejudicam a aplicação destes conceitos e que vemos no cotidiano dos serviços de saúde. A falha na gestão não pode ser usada como justificativa para esse tipo de abuso.
Como cidadãos, é nosso papel fiscalizar e exigir que todos os benefícios sejam dados. Mesmo os que trabalham no SUS devem executar essa função, ainda mais por terem o envolvimento com o cenário institucional. TODOS podemos usufruir do SUS e temos como dever questionar condutas que venham a prejudicar o acesso ao sistema de saúde.
A participação conjunta de todos os atores sociais pode ajudar a suprir as falhas que estão em evidência. Reconhecer o SUS como herdeiro de todo esse legado histórico, que buscou ampliar o direito à saúde como patrimônio universal, não nos impede de apontar os defeitos na sua gestão.
Pelo contrário, é assim que podemos lutar por transformações.
As referências estão linkadas ao longo do texto.